Amar à margem do amor

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Ir levando no caminho os amores

Perdidos

E os sonhos idos

E os fatais sinais do olvido.

Ir seguindo na dúvida das horas

Apagadas,

Pensando que todas as coisas se

tornaram amargas

Para alongarmos mais a via dolorosa.

- Pablo Neruda


Para mim era só mais um dia no Senado, sempre fui uma mulher enérgica, de voz firme, sem medo de falar nada, mas ao mesmo tempo nunca fui muito levada a sério; e isso só piorou depois que eu decidi ser candidata à presidência. Eu sabia que não teria a menor chance, o Brasil estava vivendo uma polarização entre um ex presidente ladrão e um atual genocida, não dava para saber o que seria pior. Caramba, o Brasil podia até não ter me colocado no segundo turno, mas tinha a Simone Tebet. Ah... a Simone. Acho que ter enfrentado essas eleições valeu a pena só por ter disputado com ela. Ao contrário do que muitos imaginavam, eu e Simone não nos conhecemos nos palanques ou nos debates, nossa “história” já havia começado há muito tempo atrás. Tebet foi minha professora de Direito Administrativo durante a faculdade, uma excelente professora, diga-se de passagem. Sempre a admirei e acho que nunca fiz questão de esconder isso. É sem dúvidas uma das mulheres mais fortes que conheço, ela sim tem voz firme e bate de frente com quem for preciso; como dizem algumas jovens no twitter “grandona, sem medo”.

Simone também foi minha colega de Senado por quatro anos consecutivos, e eu só pude continuar aprendendo com ela mesmo depois de formada. Ela sempre foi muito paciente comigo, diferente de muitos outros colegas, especialmente homens. Acho que ela foi a única pessoa que não me condenou pelas minhas falhas ao apoiar o governo Bolsonaro - e que grande falha - pelo menos, não abertamente.
Para minha sorte, nossas cadeiras eram lado a lado, então sempre que eu tinha alguma dúvida, lá estava eu cochichando com Simone. Nos acostumamos a trazer sempre algo para dividir, um chá, uma bolacha, um bombom ou até mesmo um chiclete. Às vezes, dividíamos até as canetas coloridas e marca-textos, que Simone amava; eu sabia, passei a levar mais cores depois que nos aproximamos, então quando ela esquecia eu tinha uma variedade para que ela pudesse escolher.

Certo dia eu fui atacada verbalmente durante uma sessão plenária, eu ainda estava me habituando com aquele universo e, apesar de bastante impositiva, muitas vezes eu preferia o silêncio, acho que ninguém ali fazia ideia do quanto eu era ansiosa e até mesmo insegura, eu sabia muito bem esconder essa minha “fragilidade” por trás de frases de efeito, um maxilar travado e uma cara de quem voaria em alguém a qualquer segundo. Cascas... quando somos mulheres e decidimos ingressar na política aprendemos a criar cascas, das mais grossas e impenetráveis, ainda que um ou outro conseguisse fazer uma rachadura.

Eu tinha certeza de que minha casca já estava formada, até aquele dia na sessão quando aquele Senador me atacou sem piedade alguma. Eu não tive reação, aquele dia minha casca rachou e a ansiedade transbordou por meus poros. Eu apenas entrelacei as mãos e apoiei o queixo, respirei fundo e tentei ignorar aquele caos à minha volta, mas ele não cedia, não parava, eu precisava reagir, mas não conseguia; se eu abrisse a boca, choraria. Foi então que aquela figura de cabelos negros como a noite se levantou em um impulso, não tive tempo nem de entender o que ela faria até que seu braço repousou na mesa, em frente ao meu corpo e logo ela vociferou contra o outro Senador todas as palavras que eu não tive a impavidez de dizer. Ela estava me defendendo, me protegendo...

Naquele dia eu percebi que Simone não era só a professora ou parlamentar que eu admirava, eu não passei a levar mais canetas só caso ela precisasse, eu não comprei bombons em toda votação demorada à toa, assim como não era por acaso que eu sempre estava buscando seus olhos naquele salão, não era acidental que eu sorrisse abertamente entre seus cabelos quando ela me abraçava e não era aleatório que eu a olhava demais. Acho que eu tentei me enganar todo esse tempo porque não podia admitir sentir nada além de admiração por Simone. Ela é casada e eu também, ela tem filhas e eu também sou mãe, ela é política e eu também; nossa vida nunca foi somente nossa e eu sabia que não poderia me dar ao luxo desses devaneios, da quimera de sonhar com seus suspiros, seu perfume, a maciez de seus cabelos e, pior, sua nudez.

Mas esses pensamentos não paravam de surgir em minha mente, desde que começaram a criar histórias sobre nós após as eleições, fazendo vídeos – que eu adorava assistir – mas principalmente depois que o mandato dela de Senadora acabou. Eu não paro de pensar em Simone. Fico procurando notícias sobre ela, vivo fuçando o twitter das admiradoras dela porque sempre tem uma foto atualizada, pareço uma louca desvairada, não sei o que estou querendo com isso; mas tem um capetinha aqui na minha mente ecoando: ela. Você a quer.

Não posso. Não posso querer Simone. Mas sinto falta dela sentada ao meu lado, sinto falta de ver seu sorriso ou a sua cara de brava, sinto falta de esperar que sapato diferente que ela vai usar no dia, de ouvir seus sussurros ao pé do ouvido sempre que ela ia fazer alguma fofoquinha, sinto falta de seus elogios, da maneira como sempre me mencionava em seus discursos. Sinto falta... sinto falta dela e só me dei conta quando me sentei hoje e a cadeira ao lado estava ocupada por um corpo que não era o seu, com uma identificação que não dizia “Simone Tebet”. Hoje eu me dei conta que queria Simone ali comigo. E não só ali, eu queria...

Lá estava ela. Ela veio para o Senado. E está tão... linda. Aquele vestido azul marinho de pérolas abraçando seu corpo, os saltos quase da mesma cor, os cabelos lisos e pretos como eu estava acostumada, caindo como um véu por suas costas. E aquele sorriso nos lábios, a ruguinha no canto dos olhos e aquela mania de gesticular para cada mínima palavra que enunciava, costumava dizer que ela parecia mais de família italiana que libanesa e ela sempre ria. Simone é encantadora, definitivamente uma das mulheres mais lindas que conheço. E eu não tenho ideia quando foi que comecei a reparar tanto nela, mas eu amava cada detalhe sobre ela.

Me levantei e fui conversar com outros colegas parlamentares para não cair na tentação de ir atrás dela, abraçá-la e não soltar mais. A perdi de vista, era melhor assim. Talvez fosse melhor que nem nos falássemos.

Algum tempo passou e me distraí naquela conversa, a votação para o novo Presidente do Senado estava para começar e certamente Simone não ficaria; ou talvez ficasse, ela sempre fazia questão de participar de tudo, como grande defensora da democracia.

Eu me preparava para sair da conversa e voltar à minha cadeira quando me deparo com ela ali, bem ao meu lado, abraçando os parlamentares que falavam comigo. Me assustei quando vi seu braço quase tocar o meu e um arrepio subiu por minha espinha quando ela veio até mim e enlaçou meu corpo em um abraço. Meu Deus... aquele perfume. Maldito perfume. Afaguei suas costas e meu sorriso já me condenava, era inevitável. Sussurrei em seu ouvido que era bom vê-la e que estava linda. O que eu não esperava era que ela fosse retribuir o elogio.

- Você também está linda, adorei o conjunto rosa. Principalmente a camisa...

Simone Nassar Tebet, você é filha de quem? Filha de Deus ou filha do capeta? Não é possível que ela tenha dito aquilo como se não fosse nada e seguiu abraçando outras pessoas. Me desconcertou inteira, mal acompanhei a votação e acho até que votei errado. Espero que meu voto não prejudique ninguém, mas certeza que vão me descascar no twitter mais tarde. Mas não estou nem aí, eu só quero ouvi-la denovo, abraçá-la denovo... Mas que inferno, eu a quero. Eu a quero tanto. Mas isso nunca vai acontecer. Acorda, Soraya Thronicke, acabou. É tarde demais. Foram tantos anos, tantos anos e só agora você admite pra si mesma o que sente por ela?

Não tinha esse direito. O direito de pensar que poderia me abrir para esses sentimentos, de querer uma mulher que já amava alguém. Uma mulher que já tinha uma família, um lar, uma vida... uma vida que não era e jamais seria comigo. Eu não tinha o direito de amar Simone Tebet.

Que direito tem alguém que ama à margem do próprio amor?

Mas se ela ao menos dissesse alguma coisa, eu teria tentado, eu teria sido unicamente dela, se assim ela quisesse. Eu teria juntado minhas forças e ido até ela, eu engoliria meu orgulho ao invés de aceitar o seu adeus. Eu diria.. eu diria que a amava.

Eu achei que era só mais um dia no Senado, mas nenhum dia será o mesmo depois de você.

Por favor, Simone... diga algo.










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Oii, meus amores! Algumas meninas me pediram pra eu fazer uma fanfic simoraya há algum tempo. Eu estava meio receosa, mas veio aí. Eu espero que vocês gostem. Não será uma história longa, talvez, no máximo, uns 8 capítulos. Comentem aqui pra eu saber o que estão achando.

Beijos!!! ❤️

Todos Os Dias Depois De VocêOnde histórias criam vida. Descubra agora