Lar

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Um amor maduro é diferente dos outros, e não pela idade que abarca os seres que amam, mas pelas vidas vividas até que se achegassem ao peito daquele amor que, no início, metade ou fim da vida, se torna casa, lar. E sabemos que casa e lar são conceitos diferentes, são lugares-pessoas diferentes. Uma casa é abrigo, refúgio, ninho. Um lar é um abraço, um sorriso, um aroma, um par de olhos te fitando todos os dias ao acordar. Amar e ter um amor maduro é poder apreciar com (c)alma todas as coisas que outro ser pode nos dar para além daquilo que conseguimos ver e perceber.

Mas ter um amor maduro é também compreender que casas tem rachaduras, infiltração, paredes ocas e risco de queda. Um lar também é lar quando choramos dentro dele, quando abrimos o peito e deixamos nossos demônios andarem livremente por ele, lar também é lugar onde nossas fragilidades tem seu espaço, sua moradia eterna.

(...)

A filha mais velha de Simone não atende suas chamadas há uma semana, Maria Fernanda ligou todos os dias desde que soube o que a irmã fez, sei disso porque Simone também me liga ou manda mensagens. Ligações e mensagens porque, da mesma forma, faz uma semana que eu não a vejo. Estou morrendo de saudades da minha branquinha, mas estou respeitando seu espaço e seu tempo, sei o quanto a última crise a afetou profundamente e por isso deixei que ela voltasse para sua casa e tentasse lidar com isso da forma que achasse mais coerente. Ela disse que precisava fazer isso, nesse momento, sozinha. Mas me preocupa o fato de Simone estar "lidando" com isso se afundando ainda mais em trabalho. Acompanho sua agenda de perto e vejo que frequentemente ela pula o horário de almoço ou nem sequer faz as refeições, marca uma reunião atrás da outra e até quando fazemos chamada de vídeo no meio da noite ela ainda está trabalhando. E sei que tudo isso é para não pensar no que fazer - ou não - com Maria Eduarda.
Não queria, mas estou tentada a atrapalhar sua decisão de lidar com isso sozinha. Preciso cuidar da minha branquinha.

- Oi, meu bem... – Digo com um sorriso largo assim que ela atende minha ligação.

- Oi, querida. Como estão as coisas? – Ela me responde com aquela voz rouquinha que sempre me deixa fraca.

- Bom, por aqui está tudo bem. Mas eu quero saber mesmo é de você... Estou com saudades, Si. Não vai me ver mais? – Amoleço a voz pra ver se isso a atinge de alguma forma.

- Ai, senadora... Você sabe que trabalhar com política não e fácil. Meus dias andam cheios. – Senti um leve tom de cansaço e até distância em seu modo de falar. Aquilo me deixou apreensiva.

- Tudo bem... eu entendo. – Fico em silêncio por alguns segundos. – Me desculpe. Não quis te atrapalhar, Simone.

- Soraya... – Ela pondera e dá um suspiro longo. - Meu amor, você não me atrapalha. Sabe  disso. Você é a parte boa dos meus dias, e eu também estou morrendo de saudades de você.

-Parece que você está me evitando, Simone. Sei lá... – Digo cabisbaixa, com um semblante triste, que ela não podia ver, mas estava lá.

- Não diz isso, minha baixinha. – Sua doçura voltava aos poucos. – Olha, vem aqui pro meu apartamento e janta comigo? Dorme aqui hoje. Amanhã é sábado, então estarei mais livre. Só tenho uma reunião, mas é pela manhã.

- Tem certeza...? – Perguntei mais com manha do que com receio.

- Sim, meu bem. Vou comprar algumas coisas que você gosta de comer. Algum pedido especial? – Sim, ela conseguia me desmontar em segundos com aquela mania de prestar atenção nos mínimos detalhes.

- Compra geleia de damasco e queijo brie, amor? – Pedi com a voz macia, me sentia uma adolescente nesses momentos.

- Claro que compro. Quando você chegar comemos juntas e assistimos a um filme, está bem? – Confirmo que sim e nos despedimos logo em seguida, encerrando a ligação.

Todos Os Dias Depois De VocêOnde histórias criam vida. Descubra agora