Ex de algúem

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Abri os olhos assim que senti uma certa claridade entrar pela janela do quarto. Não precisei consultar o relógio para saber que ainda era cedo. Mais cedo do que eu costumava acordar.

Mas a verdade é que eu mal dormira aquela noite. A conversa com o Wendell, apesar de ter feito eu tomar decisões a respeito de coisas importantes, também fizera com que o peso da ansiedade recaísse sobre as minhas costas como nunca.

Assim que eu retornara para o quarto, depois de me despedir do Wendell, prometendo que consertaria as coisas com a Maraisa, eu tive vontade de acordar o Gustavo naquele instante e contar tudo. Soltar toda a história trancada na minha garganta, ciente de que, se eu não fizesse isso, minha situação com a Maraisa não se resolveria tão cedo.

Mas ele dormia tão profundamente que eu não tivera coragem de acordá-lo. Apenas deitei, devagar, ao seu lado, e lutei contra os pensamentos horríveis que me perseguiam: e se ele não me perdoasse? E se ele me abandonasse? Pior: se ele abandonasse eu e o nosso filho?

Foi nesse mesmo pique de agonia que eu acordara naquela manhã. Porém, surpreendentemente, assim que me virei na cama, esperando dar de cara com ele, apenas me deparei com o lugar ao lado do meu vazio.

Levantei, achando estranho o fato de o Gustavo ter saído tão cedo da cama. Será que ele havia descoberto meu segredo e já tinha ido embora? Como? Maraisa seria capaz de contar, mesmo sem o meu consentimento?

Corri até o banheiro, agoniada, apenas por tempo suficiente para lavar o rosto e procurar meu chinelo. Assim que pisei fora do quarto, reparei que, apesar do cheiro forte de café recém passado, estava tudo silencioso. Essa constatação me deixou ainda mais nervosa, desconfiada de que, além do Gustavo, Maraisa e Wendell também haviam decidido me deixar para trás.

Mas uma breve espiada na cozinha fez com que eu me sentisse uma completa idiota em pensar aquilo.

Gustavo estava sentado na mesa, dois lugares postos, uma enorme variedade de pães, sucos e bolachas, uma flor enorme no centro. Ele parecia distraído, mexendo no celular. Assim que notou minha presença, parada, confusa, no batente entre o corredor e a cozinha, ele abriu um sorriso enorme, repousando o telefone na mesa.

- Finalmente! - ele soltou, levantando - a aniversariante deu as caras!

Pode parecer estranho, mas foi apenas ali, depois daquele comentário, que eu lembrei que era dia 31/12. Dia do aniversário de trinta e cinco anos meu e da Maraisa.

Enquanto ele me dava um abraço forte e caloroso, me tirando do chão, eu permaneci sem reação, surpresa com o fato de que eu havia esquecido meu próprio aniversário, sendo que, nos anos anteriores, eu fazia questão de lembrar todo mundo da data.

Era a cereja do bolo que faltava para que eu percebesse que, de fato, eu estava completamente transtornada com a história envolvendo o Fernando.

- Senta - Gustavo fez sinal, roubando mais um beijo dos meus lábios - Maraisa foi caminhar agora cedo, Wendell foi no mercado comprar as coisas para a ceia de ano novo... Mas já temos pronta a programação todinha para o dia de hoje!

- Gustavo... - eu comecei, a voz quase um sussurro, sentando, enquanto ele enchia meu prato de biscoitos e colocava uma xícara de café na minha frente.

- A gente vai tomar café, esperar a Maraisa e o Wendell voltarem... Daí vamos para a Disney, podemos almoçar naquele restaurante no castelo da Cinderela que você ama...

- Gustavo... - eu repeti, um pouco mais alto, sentindo as lágrimas começarem a descer e um aperto surgir no meu peito a cada palavra que ele dizia. Mas ele estava tão entretido me servindo e contando o roteiro que pareceu não perceber meu desespero.

Encontro com o passado - MADELLOnde histórias criam vida. Descubra agora