fireflies

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"Todos podemos controlar a dor exceto aquele que a sente."


Maraisa point of view


Pela primeira vez desde que tinha chegado comecei a observar a decoração de cada cantinho da sala de jantar, tudo perfeitamente alocado e de primeira linha, exatamente com a precisão e capricho que ricos tem, as toalhas de tom rosê combinavam de bom tom com os talheres em prata, o almiscarado dos perfumes e o aroma do vinho se misturavam, e nessas observações eu não sabia por que estava ali.

Não sei quanto tempo passei sentada, olhando para o movimento das flores e a cortina de seda esvoaçante na janela, vinho tinto seco foi servido novamente, os homens na mesa não paravam de falar sobre negócios, percebi que os olhos de Yugnir não saem de Marília, e que ele a olha de forma estranha, o que parece a deixar desconfortável.

Embora ela não deixe transparecer o incômodo e mantem sua postura impecável, provavelmente essa é a pose de durona que faz as pessoas manterem distância, porém não parece funcionar com o homem a nossa frente.

— Fico feliz que pode estar presente para jantar comigo esta noite Marília. — a loira rolou os olhos, "Não é como se ela tivesse escolha", eu queria responder, mas continuei em silêncio, esperando alguém dizer algo interessante.

— Engraçado você dizer isso.

— Marília... — a voz de seu pai continha um tom de aviso, que só fez Marília suspirar.

— E então, vejo que continua solteira, Marília.

— E você continua invasivo, mas quem sou eu pra comentar?

— Tão... — Yugnir fingiu pensar em um adjetivo e deu um sorriso carregado de deboche — ... graciosa.

— Não vamos deixar um assunto tão bobo estragar nossa noite. Estou tão feliz que você esteja aqui meu amigo. — O pai de Marília disse.

Uma risada amarga deixou os lábios da loira ao meu lado, chamando a atenção dos outros dois. Ela parecia prestes a provocar o pai novamente, porém puxou sua cadeira se levantando.

— Onde você pensa que vai Marília? — seu pai perguntou ríspido.

— Está se sentindo bem, querida? — Ruth perguntou, preocupada.

— Não muito mamãe — mentiu e o velho a olhou desconfiado —, deve ser a claustrofobia, só preciso tomar um ar.

— Se quiser, posso acompanhar você. — Yugnir sugeriu e dessa vez quem revirou os olhos fui eu.

— Não obrigado.

— É uma pena. — Seu jeito ousado de forçar intimidade e de falar com os olhos estreitos a percorrer pelo corpo da loira me deu grande vontade de socar a cara dele.

Marília saiu da sala em direção a uma porta que parecia dar no jardim.

— Desculpe pela minha filha, sabe como ela pode ser difícil, mas não é nada que você não consiga concertar com o tempo.

— Marília aprendera muito, quando for minha esposa.

— Se me dão licença, vou ver se ela está bem. — me levantei, não suportava mais aquela conversa.

Caminhei em direção a porta e vi ela sentada em um banco do jardim, o mais afastado possível da porta em que acontecia o jantar.

— Você se parece com um vaga-lume. — eu disse, tirando ela de seu transe. Ela me encarou como se eu fosse maluca, e esperou a resposta de uma pergunta silenciosa. — As borboletas e os pássaros podem possuir o dia, mas os vaga-lumes são o centro das atenções durante a noite, quando tudo é escuro e parece não ter vida. Eles têm seu próprio brilho e beleza, assim como você. Tão mais silenciosa que os pássaros, e tão mais bonita do que os vaga-lumes.

Marília riu com vontade, e ainda parecia achar graça em todo o discurso.

— Você está louca, Maraisa, simples assim.

— Ora, não é loucura fazer observações sobre os que estão ao meu redor. Loucura maior é fazer um jantar apenas para vender sua própria filha pra um cara nojento.

— Me desculpe te fazer passar por isso. — ela disse.

— Não se desculpe por isso. — me virei para encará-la. — Acho uma boa ideia você ir um pouco mais devagar. — falei enquanto a via virar novamente a taça de vinho.

— Eu já perdi a conta de quantas dessa eu bebi para conseguir manter um sorriso nos lábios. — balançou a taça levemente. — Parei de contar na décima, meu pai fica me regulando muito nesses jantares, mesmo de longe. — revirou os olhos e levou a taça a boca, deixando-me vidrada enquanto a observava beber.

— Ele parece ser bem rígido com você. — parei de olhar para sua boca antes que ela percebesse e fixei o olhar na bebida em minha taça.

— Ele cismou que eu devo me casar com aquele homem. — Marília resmungou, indignada.

— Deve ser péssimo toda essa pressão que ele coloca em você. — pousei minha mão livre na mão dela que estava sob o encosto do banco e encarei seu rosto, que possuía os olhos presos aos meus.

Ela assentiu.

— É péssimo mesmo.

— Ele já te fez algo?

Ela passou a mão pelos cabelos e assentiu novamente fazendo meu coração se apertar.

Antes que pudesse dizer qualquer coisa, ouvimos o grito de sua mãe.

— Seu pai está te chamando! Disse que quer que você entre agora!

— Certo mamãe, já vou. — ela respondeu, afastando-se ainda mais e se levantando do banco.

Conforme entramos em seu campo de visão, a mulher fixou os olhos nos de Marília.

— Você passou bastante tempo lá fora, estava começando a me preocupar. — seu tom de voz baixo, porém firme, soou assim que a loira parou ao seu lado.

— Não estou me sentindo muito bem mamãe. — usou o mesmo tom de voz baixo, ainda mantendo contato visual.

— Talvez seja a quantidade de taças que você já tomou que esteja começando a dar sinais. — seu tom de voz não possuía qualquer resquício de ironia, apenas preocupação.

— Marília vem aqui minha filha.

Vi a loira respirar fundo e caminhar até a sala de estar, a segui junto de sua mãe.

— Yugnir estava aqui me falando sobre um jantar que vai fazer com a família dele, e sugeriu te levar para finalmente lhe apresentar a todos.

— Eu não vou a lugar nenhum com esse homem. — repudiou com nojo.

— O quê? Eu não posso acreditar nisso! — a expressão dele gritava a fúria dos seus olhos.

— Me perdoe, pai, mas eu não me casarei com ele, você pode tentar controlar a minha vida, mas isso, não farei, eu não gosto desse homem.

— Eu espero que não esteja insinuando o que eu estou pensando, Marília... — ele sussurrou, fechando as mãos ao seu lado.

— Papai... — a voz carregada de tristeza por não corresponder às expectativas do homem que tanto lhe importava.

— Fique quieta! — seu pai ralhou novamente, fazendo-a calar. — Você tem noção do que isso está me causando? — repetiu pausadamente.

— Ela só está agindo como uma criança meu amigo, mas tem correção pra tudo.

— Você sabe muito bem o que é lidar com uma criança não é Yugnir? — a loira falou passando as mãos pelo rosto, para limpar as lágrimas.

— Cale a boca, Marília! Já conversamos sobre isso. — seu pai ralhou gravemente.

— O que você está falando minha filha? Eu achava que você só não gostava dele, mais sem motivos aparentes, todavia, não é só isso, é? — Dona Ruth questionou preocupada com a filha.

Não, não era só isso.

Percebi o corpo todo de Marília estremecer e senti vontade de abraça-la.

YOUR EYESOnde histórias criam vida. Descubra agora