Alguém para estar do lado II

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Mais uma vez nosso garoto foi acordado pelo cheiro de café recém coado. Seu corpo coçava quase em todo lugar; o fato de ter dormido com a janela aberta durante todo o dia era o motivo para tal consequência.

A porta de seu quarto estava fechada, então correu rapidamente para abri-la e ver o que sua vó preparava além do café.

Deixou seu lugar de sono no mesmo instante que o sol se escondia para dar lugar à lua. Chegando na cozinha, deu de frente com sua vó tirando um bolo do forno, fazia um mês que ela não fazia algo parecido. O garoto correu para o banheiro aliviar a vontade do número um e logo que lavou a mão, voltou à cozinha, olhar atentamente o que sua vó fazia.

Nesses últimos dias que o menino estava ali, o antigo comportamente repulsivo que a senhora tinha por ele acabou se transformando em simples falta de atenção pelo garoto, agia como se ele não estivesse ali. Isso só se quebrava quando alguém cortava o silêncio para fazer uma pergunta, algo que acontecia mais da parte da criança.

— É bolo do quê? — perguntou o garoto com um sorriso branco no rosto.

A mulher colocou o bolo sobre a pequena mesa amadeirada que ficava encostada perto de uma janela da sala, cortou um pedaço para si e finalmente respondeu.

— Coma e verá — o que antes era dito de forma brusca, já podia se comparar a uma fala para atiçar o menino a comer.

Foi isso o que o garoto fez, cortou um pedaço do bolo e comeu. O sabor era de fubá.

Não demorou muito para que o pequeno já não estivesse mais ali. Correu para o lado de fora da casa e percebeu que algumas tangerinas começavam a desbotar dos pés que ali ficavam. Ainda estavam verdes, mas só olhar não foi o suficiente para comprovar, teve que pegar uma com as mãos e levar para dentro. De volta à cozinha, viu a vó ainda comendo.

— Posso comer? É uma laranja da árvore — mostrava a pequena bola verde deformada que tinha pegado do pé.

— Coma — a resposta saiu com um pequeno riso de canto de boca — me dê que eu descasco para você. E se fala mexerica. Laranja é diferente.

— Obrigado — entregou a mexerica e esperou que fosse descamada.

Depois de pegar novamente a fruta, mordeu a tangerina no meio. Como se estivesse quente, o menino cuspiu o pedaço que estava dentro de sua boca. Claramente, tudo aconteceu, sobre risadas da mais velha.

— Elas ainda estão verdes, vai ser melhor você esperar amadurecer. Quando acontecer, colho umas para você — por fim, se levantou e foi para o quarto, sem ao menos assistir a novela que todo dia via.

O pequeno, rapidamente correu e limpou toda a sujeira que ele e sua vó haviam deixado. O banquinho que sempre usava para lavar as louças começou a virar cena típica três vezes ao dia naquela casa.

Logo que terminou, foi tomar um banho e se dirigiu à cama novamente. Entretanto, como havia dormido de tarde, o sono não veio. Então, sairia de casa para dar uma volta no jardim, como sempre fazia quando a vontade de dormir não aparecia.

Pulou a janela de seu quarto e ficou ziguezagueando sem propósito por um tempo, até que se cansou e decidiu que entraria. Porém, antes que pudesse passar para seu lado da janela de novo, ouviu uma voz feminina da casa ao lado.

— Menino! — um susurro gritado veio da casa vizinha.

Uma cerca pequena fazia a divisa entre uma casa e outra; assim, o garoto foi se aproximando da cerca até que já encostasse nela, mas a voz havia parado de chamar. O pequeno tentou por vez ou outra dizer "oi", porém sem receber resposta, virou-se para voltar ao seu quarto.

Quando estava totalmente virado de costas para a cerca, aquela pequena garotinha da mudança pulou pela cerca e empurrou o garoto.

Depois de três passos cambaleando, finalmente caiu.

— Te peguei — a menina riu da situação.

O garoto não entendeu o que estava acontecendo, mas logo que se levantou, viu que a desconhecida saiu correndo. Talvez tivesse começado uma brincadeira sem ele saber.

A garota era rápida, mas não tanto quanto ele. Em meio a perseguição, pularam a cerca e correram em volta de ambas as casas. A menina chegou a subir em uma das árvores, mas vendo que seria pega, pulou.

A corrida era intensa, mas o menino se entregava ao momento. Nunca tinha se divertido tanto depois que foi separado de sua mãe. Conforme corriam, o perseguidor reparava em como o cabelo castanho de sua presa balançava. Um leve perfume de lavanda preenchia o local, provavelmente vindo do vestidinho que aparentava ter sido lavado há pouco.

Dado quase cinco minutos correndo, nosso protagonista finalmente resolveu esticar a mão e pegar a menina pelo braço.

— Peguei. E agora?

A garotinha virou-se para o menino. Seus olhos reluziam as estrelas que apareciam preguiçosas no céu. A respiração ofegante por causa da corrida não deixava que ela conseguisse dizer algo. Contudo, quando o folego surgiu, logo se dispôs a falar.

— Meu nome é Sarah, qual o seu?

— Eu sou...

— Sarah! — o provável pai da menina a chamava de dentro de casa.

— Amanhã você me fala, agora vou ter que entrar, mas amanhã estou aqui de novo — a garota pulou para o lado em que morava e correu até a porta da casa, a abriu e entrou acenando para o menino.

E mais uma vez o pequeno foi dormir com essa menina nos pensamentos. Agora sabia seu nome, Sarah.

O GarotoWhere stories live. Discover now