1. Tatuagens

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Érico olhou para dentro do abismo e sentiu um calafrio se espalhar pela espinha. Ouvir em seu display a versão instrumental de Everybody Wants to Rule the World — canção de seu planeta natal que sobreviveu aos séculos — deixou o momento mais dramático do que parecia. Um infinito de escuridão se estendia à frente, dentro do qual qualquer pessoa se perderia.

Do outro lado do abismo, Naves Transitórias pousavam e decolavam da Estação de Abastecimento Estelar, o lugar mais parecido com uma civilização avançada que se podia encontrar na lua de Miesac. Ele nunca tinha visto o local daquele ângulo elevado. Com o olho digital ativado pelo comando do ID, fez um rápido escaneamento da plataforma de embarque, deu um zoom enorme e conseguiu enxergar pais chamando a atenção dos filhos que brincavam longe das mães preocupadas.

Famílias.

Balançou a cabeça, tentando afastar aqueles pensamentos. Hora errada para remoer isso.

— Será que eu vim pro lugar certo? — perguntou-se, acionando as coordenadas pelo teclado digital do braço. Estava correto, sem dúvidas.

Ainda que fosse mais seguro marcar um encontro com um hacker em local isolado para não correr risco de ter sua casa hackeada, Érico não parava de pensar nos riscos: e se o contato fosse um criminoso e tentasse invadir seu ID?

Ele ergueu os olhos para o céu e suspirou fundo a fim de acalmar a paranoia. Contemplou as duas luas que pairavam no céu de Miesac. Não demoraria muito para o primeiro ciclo eclíptico diário acabar. Será que seria deixado no vácuo?

Um retângulo virtual se formou a alguns metros dele, transformando-se em uma porta azulada. Com um pequeno sorriso aliviado, ele se aproximou dela. Qualquer pessoa desacostumada ao mundo dos hackers acharia estranho uma porta em pé no meio do nada, mas ele já esperava por uma dessas. Fazia parte do procedimento normal um contato quente exigindo um teste mínimo antes da entrega do pacote.

Ativou seu escâner com os olhos digitais, observando códigos tomarem toda a porta.

— Uma ômicron? Isso vai ser fácil. — Sorriu, ativando o programa de corrupção de senha. Diversos símbolos apareceram na maçaneta e se transformaram em números. Quebrou-se a primeira barreira.

Em seguida, Érico rodou três apps de decriptação para violar os firewalls extras. Finalmente a verdadeira maçaneta se revelou. Com o software de chave mestra, ele conseguiu abrir suas travas. Toda a ação não durou mais de trinta segundos. Além do que ele gostaria, considerando que estava no meio de um teste.

Ao passar para dentro da porta, Érico enxergou a Realidade Aumentada — espaço virtual tátil dentro do qual se podia acessar gravações de memórias, holofilmes interativos e transmissões com pessoas de outros lugares. Aquele se tratava do terceiro caso: o hacker estava em uma espécie de caverna, sabe-se lá quantas centenas de anos-luz da lua de Miesac. Ou, vai ver, era um habitante das luas acima de sua cabeça. Ele nunca saberia.

— Achei que não ia conseguir abrir a porta, brow. Ainda coloquei uma ômicron pela facilidade — falou o hacker, com um filtro de proteção camuflando seu rosto. Érico se lembrou que não estava com o próprio filtro e o ativou. — Meio tarde pra isso, já vi sua cara agora.

— Certo... — disse Érico, sentindo o rosto esquentar. — Então, trouxe?

— Quanta pressa. Trouxe sim, brow — respondeu o hacker, desencostando da parede da caverna e caminhando até ele. A Realidade Aumentada apresentava tamanha precisão, que Érico sentiu as correntes de ar úmidas passarem pelo corpo. — Direto ao ponto. Gosto disso.

O hacker estendeu o braço e tocou no de Érico. Ainda que fosse o braço de uma pessoa virtual, ele o sentiu. Os pelos do próprio braço deram uma leve arrepiada com o contato e seu ID brilhou. Ele tinha recebido o pacote.

Prévia de Absolutos: Sinfonia da Destruição - Livro 1 | Rodolfo SallesWhere stories live. Discover now