3. Decifradora

8 0 0
                                    

A Realidade Aumentada se estendia por um espaço de grama curta, plano e vasto que lembrava um campo de futebol. Érico e os gêmeos caminharam sob um céu de estrelas mergulhadas na escuridão até a única diferenciação no cenário: um conjunto de monólitos retangulares posicionados ao redor de uma grandiosa praça circular. Os monólitos flutuavam uns sobre os outros, subindo em um pilar infinito na direção do céu. Conforme se aproximaram, enxergaram fios ligados aos monólitos, conectando-os ao centro do círculo.

— É ela! Só pode — disse Miro, apontando para a figura plugada à dezenas de cabos.

Érico adentrou o terreno circular e olhou para cima. Na frente de cada monólito, projetavam-se imagens rápidas de diferentes mundos, trocando a cada milissegundo, como se cada um deles formasse um macrocosmo imagético de um planeta espalhado pela Galáxia.

Ao descer os olhos, ele encarou a figura conectada aos condutores. O corpo perfurado por um emaranhado de fios interligados aos blocos flutuantes se cobria com um manto estendido por metade da praça; seis braços também brotavam da vestimenta: dois juntavam as palmas das mãos sobre a cabeça, outros dois sobre o colo dobrado em posição de lótus e os últimos abertos separados.

Vexel esticou o braço para tocar em um dos cabos.

— Não toque em nada, Vexel — disse o humanoide com uma voz dura e eletrônica. — Entendeu? Em nada.

— Como você sabe o meu nome? — A moça atlética torceu o nariz.

— Os antigos chamam de Math. Eu chamo de Neuroprevisão. Chame como quiser, você tem esse direito. Você está na Sala das Probabilidades, onde tudo é calculado — disse a voz eletrônica no interior do manto. — Olhe à sua volta, pode olhar. Os olhos de uma Decifradora estão atentos a todos os fatos em todo o Universo Conhecido, não vê? Alguma dúvida de que eu não saberia sobre sua vinda hoje? Diga-me, dúvida?

— Você é a Decifradora? — perguntou Érico.

— De fato, eu sou. Esclareci sua dúvida? — respondeu, sem se mover. — Érico, foi um feito e tanto desvendar minha porta Fractal. Um feito e tanto.

Érico sentiu uma mistura de euforia com um gelo na espinha. Com certeza, aquele ser seria capaz de lhe dar as respostas que precisava.

— O que são esses bagulhos pendurados? — Miro apontou para os monólitos exibindo imagens de diferentes partes do Universo.

— São meus olhos, os olhos do Destino. Tudo o que está acontecendo no Universo conhecido é assistido por mim, consegue entender isso? Nunca pararão de exibir, a menos que a máquina pare de girar — a Decifradora disse com voz semelhante à de um computador.

— E você consegue responder qualquer pergunta mesmo? Até a que o Acrux não responde? — questionou Miro.

— Acrux é somente um buscador virtual de resultados baseado no que já foi dito. Uma Decifradora é mais do que um domínio em um espaço virtual, consegue perceber a diferença? — A entidade apontou para um dos monólitos, dentro do qual apareceram centenas de imagens enigmáticas que nem em suas procuras mais bizarras no buscador Miro tinha encontrado. — Fazemos cálculos baseados em probabilidades numéricas, tantas quanto necessárias, sabem? Há mais em comum entre a Matemática e o Destino do que vocês podem imaginar. Quem conhece a Math é capaz de calcular todas as probabilidades e ter todas as respostas, imaginam isso? Conheça o presente e o passado e poderá calcular o futuro. Conhecer. Calcular.

— Sabe me dizer o que é essa tatuagem no meu corpo? — Érico deu um passo à frente, a fim de demonstrar suas marcas.

— É pura Matemática, jovem. Matemática pura. Elas são nada mais do que seu Destino escrito em símbolos, não vê? — A entidade se moveu como um fantasma pairando sobre eles. Os cabos conectados a ela se retorceram, dobrando-se como podiam para acompanhar seu movimento. Vexel entrou na frente de Érico e encarou a Decifradora com seu instinto protetor. — Não tema, criatura mortal, sou incapaz de fazer mal a vocês. Garoto, não consigo traduzir os desenhos do seu rosto, são muito intrincados até para mim. Tire sua camisa. Tire-a.

Érico obedeceu, notando naquele momento que seu corpo tremia da cabeça aos pés. Por trás do manto, conseguiu ver duas esferas roxas brilharem. Pareciam os olhos da criatura.

A Decifradora encarou seu corpo magro descamisado e o analisou por alguns minutos, em silêncio.

— Poucos têm a sorte e o azar de poder contemplar seu Destino escrito, percebe? Eu vejo... vejo grandes jornadas sobre este rapaz... um Destino belíssimo, cheio de entrelaçados caminhos. — As duas pérolas de repente desapareceram por detrás do manto. — Não... nem só de glória reluz seu caminho, nem só de glória. Vejo uma dança macabra de sangue e lágrimas. Uma sinfonia de destruição.

Érico deu um passo para trás. Os irmãos o olharam com terror estampado em seus rostos.

— Do que você está falando? — Vexel se meteu de novo entre a Decifradora e Érico.

— Poucos têm a sorte e o azar de ver... de contemplar... de tocar seu Destino. De escolher. Você é um Absoluto, não vê?

Os monitores dos monólitos falharam todos ao mesmo tempo, tornando-se estática. Chão e teto se transformaram em telas sujas e barulhos ensurdecedores de transmissão fora do ar. Os olhos púrpuras por detrás do manto se agigantaram.

— Os Dançarinos do Destino. Os Sentenciadores da Escuridão. Os Amaldiçoadores da Existência. Os Inominados. — A voz mecânica da Decifradora pareceu ecoar pelo céu. Pela primeira vez, Érico detectou emoção em suas palavras.

— N-não tô entendendo — disse Érico, sentindo o coração se debater no peito apertado.

As telas dos monólitos voltaram a funcionar.

— Você é um Absoluto. — A voz saiu como um sussurro surdo. — O mais belo e o mais macabro caminham juntos a seus passos, pode ver? Beleza e destruição, conhecimento e guerra, evolução e morte. Um Absoluto é um eterno contraste de ideias e ações, trazendo consigo progresso e desgraça. Pode mensurar?

— Não consta nada sobre "Absolutos" no Acrux — disse Miro, procurando em todos os domínios de busca possíveis.

— Tolo. Nada de relevante pode ser encontrado no mundo virtual. Censura e mais censura é o que achará. Ela é só uma camada limitada do que existe no Universo. Uma camada. — A Decifradora não desviava os olhos púrpuras das escrituras.

— Por que eu nasci com essa porcaria escrita no meu corpo?

— Destino é tudo aquilo que as pessoas fazem de suas vidas. Quando alguém morre, completa seu Destino, mutável de acordo com as escolhas que cada um faz. Quando os Pré-Estelares pereceram, sua energia se espalhou pelo Universo. Algumas entidades foram capazes de controlar essas energias de formas inacreditáveis, pode entender? Essas tatuagens foram colocadas por alguém que está além das limitações dos mortais. Alguém deu a você a oportunidade de entender seu Destino e escolher seu caminho. Quase sempre, os "marcados" com seus Destinos são grandes mortais, donos de Destinos gloriosos.

— Espera, você disse que eu sou um Absoluto... então existiram mais?

— Não tenha dúvidas de que existiram mais, não tenha.

— E eles também tinham essas tatuagens no corpo, como eu?

— Não, nada disso. Seu caso é o primeiro de um Absoluto com tatuagens. O primeiro caso.

Érico andou de fasto, olhou para as mãos trêmulas e vestiu sua camisa. Os olhos se embaçaram e ele sentiu borboletas no estômago. Queria nunca ter encontrado a Decifradora, nunca ter descoberto aquelas respostas com várias novas perguntas embutidas. Agora não tinha mais volta. Ele descobrira aquela verdade inconveniente sobre si e nada podia mudar o fato de que era um Absoluto.


...


Olá, leitores. Este livro é uma prévia. Para lê-lo na íntegra, adquira no site da Amazon através do link: https://amzn.to/2LZYz4O ou busque por Absolutos: Sinfonia da Destruição. Obrigado a todos.

Prévia de Absolutos: Sinfonia da Destruição - Livro 1 | Rodolfo SallesOn viuen les histories. Descobreix ara