22 de dezembro de 2022

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Bunny, feliz aniversário.

Nunca esqueci sua data. É por isso que estou mandando esse presente para desejar toda felicidade e saúde do mundo.

Espero que goste das correias de contrabaixo.

Você nunca deixou de ser importante para mim.

Com amor, Y. <3

P.S.: Meu número está no verso do cartão. Me ligue quando puder e estiver pronta para me ouvir.

Quando foi escrito, as mãos dele estavam tremendo e suando. O amor de anos sufocado finalmente havia se liberto. Tanto tempo trancafiando dentro do peito, e de repente, por ouvir a conversa do amigo com ela por ligação, pôs fim a todos os empecilhos que o bloqueavam de se conectar outra vez com o amor que sentia por ela. Foi como encher os pulmões de ar depois de passar minutos se afogando num mar agitado. Finalmente havia jogado o próprio ego de lado, calado a mágoa, e então, se rendido.

Quando foi lido por ela, uma lágrima caiu sobre o cartão, manchando a letra Y escrita no papel. Ela sabia quem era. Jamais esqueceria nenhum traço da letra que mais adorou em toda vida. Ela já havia lido cada música escrita por ele, dedilhado os cadernos surrados cheios de rabiscos e frases soltas. Era como tocar a alma dele ao tocar as palavras gravadas no papel. Ela reconheceria mesmo que se passassem cem anos. Ele estava gravado nela.

Quase seis anos havia se passado, mas o sentimento ainda estava ali, como um intruso que se recusa a ir embora. Um fantasma que trazia as recordações do passado para o presente, assombrando o que foi construído a partir da despedida, impedindo que todas as possibilidades dessem certo. Nenhum coração era como o dela, nenhuma alma era como a dele. Não havia espaço para substitutos. Os postos já estavam ocupados pelo vazio que cada um havia deixado na vida do outro.

Tanto tempo. Tanto amor. Tudo ainda estava ali, embora já não fossem mais os mesmos. As confissões ainda estavam gravadas em cada coração, as palavras ditas no silêncio da troca de um olhar profundo ainda ecoavam dentro dos dois corpos. Anos se passaram, mas nada havia se perdido senão a presença um do outro. O amor nunca mais teve o mesmo sabor, nunca mais foi tão acolhedor e fácil, nunca mais foi tão compreensivo ao ponto de não precisar ser dita nenhuma palavra. Eles se entendiam na quietude da presença um do outro. Sabiam o que o outro precisava sem nem ao menos expressar. Eles viam um ao outro por completo, inteiramente crus, sem máscaras, sem estigmas, sem traumas. Apenas eles. Eles se conheciam e se reconheciam.

Ainda eram um do outro, mesmo que já houvessem outras pessoas nas vidas deles. O coração gritava, chorava no peito quando as lembranças retornavam. Ela chorava ao ter a memória auditiva soprada em seus ouvidos, a voz dele pronunciando seu nome num sussurro amoroso. Ele sangrava por dentro quando lembrava do sorriso iluminado dela com os dentes frontais proeminentes, como os de um coelho. Como era possível ter tanto de alguém em seu interior quando já se perdeu partes de si mesmo para anular o sofrimento? Como se apaixonar por outro alguém se o gosto do beijo deles ainda ardia nas pontas de suas línguas como se tivessem acabado de se apaixonarem? Como esquecer se o amor havia tatuado o nome um do outro sob suas peles para que nunca deixassem de se pertencer?

Eles sabiam. Estavam amaldiçoados, condenados a um amor que nunca deixaria de existir. Estavam destinados ao para sempre, embora não estivessem mais juntos.   

As lágrimas rolavam pelo rosto dela e a voz estava presa na garganta, mas a mente estava inundada de perguntas. Por quê? Por quê ele voltou depois de tanto tempo?  Por que isso agora? Por que ele derrubou a barreira em nós? Por que Yoongi abriu essa ferida no meu peito outra vez? Ela pensou em todas essas coisas. Pensou, pensou, pensou... Havia algum motivo para ele ter feito aquilo? Ela não sabe. Está trancafiada dentro dos próprios pensamentos, procurando uma justificativa para aquela aproximação singela e tímida, como ele. Ela ainda lembrava como ele era suave como a brisa da primavera, anunciava sua presença de forma pacífica. Mas o efeito borboleta* estava ali. O simples bater das asas haviam causado um furacão. 


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*Efeito borboleta: metáfora utilizada pelo professor Edward Lorenz do Instituto de Tecnologia Meteorológica de Massachusetts para explicar a  impossibilidade de previsão de fenômenos atmosféricos. Nesta teoria, diz-se que o bater de asas de uma simples borboleta  poderia influenciar o curso natural das coisas e, assim, talvez provocar um tufão do outro lado do mundo. 

GlimpseWhere stories live. Discover now