Capítulo 33

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Sábado costumava ser pior que os dias de semana, não porque os seus ajudantes na grande maioria não apareciam, mas porque o lugar era tão silencioso e sem vida que chegava a ser deprimente. Hans gostava de ouvir os capitães gritando, pobres coitados pagando mil flexões, mas no sábado simplesmente não tinha nada disso, apenas os cozinheiros do exército que eram obrigados a trabalhar até o meio-dia para providenciar o rango dos recrutas e soldados que ficaram no final de semana fazendo guarda ou de castigo como a grande maioria estava.

Hans não gostava de dias deprimentes, muito menos de ambientes assim. Não gostava o silêncio e nem da falta de vozes, por isso a cozinha calada e sem cor do sábado não era nada agradável. Aquilo o fazia lembrar dos seus primeiros dias no exército, eles não foram agradáveis, não foram nada agradáveis. Hans nunca quis entrar para o exército para começo de conversa, também nunca teve nenhum objetivo ou vocação, mas sempre sonhou em voar, a melhor parte de todas as viagens que fazia era o momento em que ele saia do chão.

O ruivo jamais se esqueceria da primeira vez que andou de avião com seu pai e sua mãe, eles estavam indo para a capital do país para que a mulher pudesse receber um tratamento adequado para a doença que lhe afligia, porém mesmo que houvesse um clima ruim entre eles, por causa da recente descoberta das amantes de seu pai e da saúde deteriorada da sua mãe, Hans por um momento esqueceu de tudo isso. Foi como se todos os problemas que uma criança não tinha que entender tivessem ficado no chão e quando subiram para as nuvens o ruivo colocou o rosto na janela sem parar de se perguntar como é que aquela coisa conseguia voar sem precisar bater as asas.

Ficou acordado durante toda a viagem importunando seu pai com perguntas e tirando mil fotos das nuvens, lembrava-se de ter inclusive visto sua mãe sorrir com tamanha curiosidade sobre o céu. Mas então quando tocaram o chão tudo veio à tona de novo, sua mãe possuía câncer no fígado, logo ela que desprezava o alcoolismo e todo tipo de comida industrial, era uma naturalista, mas segundo o médico que os atendeu, ela poderia ter ingerido grãos mal armazenados que foram o ambiente ideal para fungos que produzem substâncias cancerígenas. Hans tinha cinco anos nessa época, e assistiu a mulher definhar por dois anos até que ela morreu e deixou o garoto sozinho, porque seu pai nunca estava em casa e quando aparecia estava completamente bêbado. De qualquer forma, isso não durou muito tempo, pois ele se casou de novo um ano após a morte da esposa, permaneceu estável nessa união até se divorciar quando o ruivo tinha 13 anos. Então o velho só se casou de novo dois anos depois, quando se mudaram para o México.

Hans odiou ter que se mudar para outro país cuja língua ele nem ao menos conhecia e odiou ainda mais a nova esposa do pai por ser tão mais jovem que sua falecida mãe e por pedir com tanta insistência que o garoto a chamasse de "mãe". O ruivo brigava constantemente com ela, aproveitando-se do pouco conhecimento que a mulher tinha em alemão e a xingando na língua materna inúmeras vezes. Mas suas discussões com todos diminuíram drasticamente quando sua meia-irmã nasceu, ela tinha cabelos arruivados como os do pai e olhos negros como a mãe e sua fisionomia era um misto das duas culturas diferentes, pele bronzeada e dedos finos e delicados, feições europeias e corpo latino. Hans sempre gostou muito dela, mesmo a garota sendo bem mais jovem que ele, fora ele quem escolheu o nome "Fernanda" em homenagem à uma hóspede com seios gigantescos que passou alguns dias no resort e elogiou seu bumbum.

Sua vida se estabilizou bastante depois do nascimento da garota, seu pai se contentou com uma única mulher e deixou a barba crescer. Seu pai tinha cabelos mais ruivos que os do filho e a barba de mesmo tom quando comprida o deixou parecendo um verdadeiro viking, Hans adorou isso. Contudo, quando terminou o Ensino Médio finalmente foi a hora de escolher o que queria da sua vida, e foi exatamente isso o que o preocupou, o cozinheiro-chefe não esperava nada da sua vida. Não queria gerenciar o negócio do seu velho, mas também não queria ser garçom dele para o resto da vida, e foi repentinamente que ele se lembrou do sonho de voar. Seria mais do que gratificante sentir o que sentia toda vez que voava, no entanto todos os dias da sua vida e ainda ganhar para isso, a hipótese o deixou mais que animado. Seu pai achou a ideia extremamente idiota, porque um garoto mimado, infantil e irresponsável jamais seria bom o suficiente para cuidar de um avião inteiro sem jogar tudo no chão e explodir.

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