PRÓLOGO

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#Kalliope
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 O passado, uma vez, já foi presente e o agora traça o futuro. Há algo trágico na forma que o amanhã é inevitável e seus acontecimentos; imprevisíveis.

O hospital de Incheon tem muitos pacientes, sempre há pessoas, nunca está vazio. A emergência é sempre um lembrete, de que por mais que muitas pessoas saiam, sempre haverá alguém para preencher o lugar de quem já foi. Também há o necrotério, um aviso rigoroso e constante dos caminhos que os atendimentos podem ter. Este lugar, por fim, sempre guardou muitos segredos, mas talvez nenhum tão atípico quanto o que ronda a morte do famoso e respeitável Kim Namjoon.

Muito abaixo do solo, onde a luz do sol é incapaz de invadir e aquecer aqueles corações que precisam de conforto, um homem cuja identidade é uma incógnita, arrisca a vida por um momento, por um olhar. Tudo o que ele almeja é um adeus.

As paredes brancas e ocas fazem um arrepio subir pela espinha do garoto. O IML nunca trouxe um sentimento de acolhimento para quem o frequentava. A cabeleira marrom observava o médico, Hwang Minho, retirar o corpo do caixote de metal. A mente viajava para longe das paredes de concreto, para sonhos e desejos que sua mente um dia almejou.

Sempre havia fantasiado encontros, sempre fantasiou encontros com o soldado que aos poucos era revelado por Hwang. Os dois em um piquenique nas margens do Rio Han — Kim, apesar de ter aprendido a ser impotente e frio no exército, sempre amou a natureza e coisas simbólicas onde quase ninguém via significado. Também idealizava um passeio de bicicleta em um lugar calmo, Namjoon sorrindo enquanto o de cabelos marrons, logo atrás, o observava; uma noite de filmes com K, como uma família. No entanto, todas as situações que imaginou, de repente, se tornaram incapazes de acontecer. De todos os lugares onde se imaginou tendo um encontro, o necrotério não era nenhum deles.

Minho, finalmente, cuidadosamente, posicionou o oficial do exército na frente do outro que estava presente na sala. Um grito mudo se entrelaçou na traqueia do garoto e o médico o olhou com pesar.

Kim Namjoon — ou o que restou dele, estava cuidadosamente sob a maca metálica. Ele estava irreconhecível. Por um instante, se forçasse a mente e divagasse em lembranças, era possível imaginar o rosto dele ali, onde agora só há... Algo inidentificável, longe de ser semelhante a estrutura de um ser humano. Havia marcas por todos os lugares, quer dizer, não havia um lugar sequer onde não houvesse. O que antes fora um soldado renomado, agora era apenas uma junção desorganizada de pele, carne e ossos. Como uma falha no treinamento era capaz de fazer isso? Era tudo irreal e demasiadamente vago, porém, o corpo sem vida alertava a veracidade da situação. Era ele ali, mas... Como? De que forma isso aconteceu?

O olhar era como fitar a linha tênue da vida e a morte. Era estranho como o observá-lo induzia a pensar na relatividade do tempo, do futuro e da imprevisibilidade do destino. Em um dia você pode estar aqui e no outro... Não mais. É assim que funciona. Nunca se sabe o que irá acontecer, a vida é repleta de "e se 's", mas nenhum, constantemente, prevê o que irá acontecer em seu amanhã. Apesar disso, Namjoon sempre imaginou que um dia estaria aqui, não necessariamente dessa forma, mas que o dia de sua morte chegaria. Seu trabalho era perigoso e ele tinha noção dos riscos. Ele sabia que daria um último tchau a sua filha, que a olharia pela última vez e a abraçaria pela última vez. O que é frustrante porque ele teve que viver constantemente com a convicção de que esse momento chegaria. Mas, afinal, ao final, a morte é a única certeza que temos. Entretanto, elas acontecem de formas diferentes, assim como o futuro, a sua causa é a única coisa que há de inesperado nelas.

— O que aconteceu com você, mo chridhe? - o analisando, a voz oscilou. Ajeitou a armação do próprio óculos em desconforto. Olhá-lo era doloroso demais, vê-lo assim quebrava o coração do de madeixas castanhas.

Uma lágrima solitária escorreu, abandonando o olhar cansado, trilhando as olheiras que entregavam as noites em alerta do homem e fazendo um caminho tortuoso no rosto magro. Ele a limpou antes que alguém visse, o que era desnecessário, só havia o Hwang além de si e ele parecia evitar olhá-lo. O momento era íntimo demais e o médico, se pudesse, o daria privacidade. Mas era perigoso demais se fizesse guarda na porta, levantaria suspeitas demais. Tudo já estava durando muito tempo, se não voltasse para o seu plantão, traria desconfiança. Com o corpo do soldado no hospital, a segurança foi reforçada e sempre continha alguém para analisar os funcionários.

— Eu vou descobrir, tudo bem? O que quer que tenha acontecido e quem quer que seja, eu vou descobrir.

Um pigarreio ecoou no local, Minho o olhou com copadecimento: — Senhor, lamento informar, mas já se passou tempo demais, vão começar a desconfiar.

Por um instante o outro tinha se esquecido que havia mais alguém consigo. Observou o médico, um residente novato e ingênuo, que havia, não tão inocentemente e após muita insistência e ameaças, dado acesso a sala restrita. Após a morte de Kim, o governo começou a parecer preocupado demais com a situação, aflito demais com a hipótese de pessoas como o intruso que utilizou o médico para adentrar o necrotério, aquelas que querem saber a verdade, cheguem perto de informações que eles parecem guardar com tanto receio.

Minho o olhava. Se fossem vistos ali, os dois se juntariam a Kim. O jaleco branco com o símbolo de estetoscópio característico do hospital que ele trajava fazia os olhos doerem, o seu vislumbre repleto de compaixão só fazia o de cabelos castanhos sentir-se enjoado e a mão, afetuosamente, descansando no ombro alheio parecia pesada demais. Eles deveriam ir embora, ficar tempo demais era arriscado. O rosto do garoto já estava estampado em lugares demais, não preciso que ele esteja na televisão também. Namjoon não gostaria disso.

— Tudo bem... - escutou os próprios lábios pronunciarem, por um momento não reconheceu a voz embargada. Não sabia como havia conseguido dizer algo. O som dela estava trêmulo e falho. Ele segurava as lágrimas, mas elas insistiam em escapar.

O fitou novamente, o observou pela última vez, guardando aquela imagem na memória. Mirou os lumes no ex-soldado Nunca imaginou que a última lembrança que teria de Namjoon seria essa: seu corpo desconfigurado apoiado na maca, sendo arrastado para longe e aos poucos desaparecendo dentro da gaveta de metal, se juntando a tantos outros e indo ao seu último destino: a sete palmos abaixo da terra.




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E aqui está o prólogo de Kalliope, o que acharam? Espero que tenham gostado. O próximo será mais cômico, esse aqui é para vocês ficarem com uma pulga atrás da orelha. Bom, comentem bastante o que acharam! Ah, usem a hashtag no twitter, vamos interagir por lá 🥰

#Kalliope

Kalliope ᯤ jjk + pjmWhere stories live. Discover now