THE GHOST WRITER (CONTO)

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 A alma adormecida de seus tempos Hollywoodianos saltou para fora do assento acolchoado ao final da última página datilografada. Pouco conseguia acreditar no que tinha em mãos, eram três da manhã se estendendo em abrir e fechar de gavetas dentro de um trailer mofado que, recentemente havia conseguido invadir para se esconder das noites invernosas. Ao abrir a última das madeiras emperradas, enxergou por entre os entulhos sua velha caderneta walker rabiscada com inúmeros contatos acumulados durante a carreira mal administrada, iniciada na década de 90. Suas pálpebras fatigadas em árduo tom escurecido, se surpreenderam em um regalo e êxtase deduzindo em mente que aquilo iria tirar de uma vez por todas sua vida da miséria. Em movimentos impulsivos tomou por entre as mãos trêmulas a dobradura da capa, equilibrando sobre a ponta dos lábios uma bituca de accenco aceso. Passos de um lado a outro marcaram o carpete cinza. A cada palavra de recusa dando fim às ligações, o nervosismo contorcia seus dedos na palma da mão, era crucial que seus charmes ainda se fizessem úteis para conseguir que alguém acatasse suas propostas iniciais. - Sim? -. Arrancou as bordas da unha.

A modo escasso, mobílias antigas formaram de forma infiel as primeiras cenas do enredo de J.C dentro dos espaços frios disponibilizados. Mais adiante, do outro lado do estúdio abandonado, Cliff J. Thompson e Judy King se desentendiam aos berros no camarim abafado. São pequenos metros quadrados de uma ponta a outra, o lugar não era usado a mais de quinze anos, parte da equipe nunca antes havia estado em algo de grande escalão, tão pouco parecido com o que restava dos estúdios Griffinlight, contavam com a sorte e com o pouco profissionalismo que suas gravações amadoras os havia ensinado ao longo do tempo. Todos previam que aquilo estava longe de estar à beira de um sucesso, transitavam pelos corredores em sussurros desmotivados.

J.C ainda era um mistério para todos, o enredo havia chegado de forma sigilosa até os ouvidos do velho Burt Johnson, ex-diretor e roteirista da antiga Griffin. Sua aposentadoria o entediava diariamente entre os canais pagos da tv de plasma acoplada na parede de sua sala de estar, estava para dormir quando atendeu o intrigante telefonema de uma voz familiar o convencendo sem muito esforço a voltar para os solos americanos. Controlados pelo impulso de sua honrosa presença frente ao projeto, dois de seus antigos colegas se puseram à disposição na assistência da direção e produção. Trouxeram com eles um idealizador de talento subestimado, Leon, o mais novo dentre eles, o jovem ficou encarregado de carregar equipamentos e prestar serviços gerais quando necessário. Era previsto que julgamentos seriam feitos pela sua pouca idade, porém ainda se mantinha sempre apto a observar e absorver o máximo de conhecimento daquilo que via, mesmo muitos ali presenciarem com recorrência a o constante em uma pausa ou outra para o coffee break embaçado pela fumaça de seus cigarros.

Os dias se estenderam em conflitos internos durante as madrugadas, Cliff lia e relia os roteiros com um ar doloroso a cada estrofe, seu personagem, protagonizado como um ator falido de Ulginia, recentemente havia ultrapassado os limites da cidade à procura do assassino do melhor amigo, ocorrido na noite de uma segunda-feira próximo às bordas do porto. Anos atrás, o mesmo vivenciou fora das atuações algo de fiel semelhança. 3 de Março de 2004, Cliff e Jeff Morales haviam participado das regalias oferecidas no clube da meia noite, ambos saíram bêbados cambaleando por debaixo das luzes néon dos letreiros da rua deserta. Em seus metros de distância, Cliff se virou para dar uma última olhada risonha para o amigo de infância, foi então que presenciou a cena de seu corpo sendo atingido por uma silhueta encapuzada, sua visão não estavam de melhor estado, mas sabia com destreza o que havia acabado de presenciar. Várias buscas rodearam-se aos cantos da cidade, suspeitos eram arrastados com intimidação dia após outro para dentro da sala de interrogatório da delegacia, mas nenhum deles se demonstrou culpado, tinham seus álibis confirmados, até que a busca saturada se arquivou na pilha de casos não resolvidos pela polícia Bulganica. Cliff imaginou diversas vezes em estado de vingança o que faria se se deparasse face a face com o culpado. Orquestrou sua rede e foi fisgado por ela. Sua obsessão se tornou sua própria inimiga e destruição. - Oi, o que temos aqui... -. Os estalos sobre o piso o trouxeram de volta à realidade dentro do set, Judy se curvou sobre o balcão apodrecido, pousando a ponta do pé acima do calcanhar enquanto conversava com outro de seu colega de cena, assim como sua personagem constantemente era levada a fazer quando buscava um drink por conta da casa. Lilian, uma atraente dançarina alvo de um Stalker ardiloso que, se demostrava cada dia mais obcecado e possessivo através de câmeras e mensagens de sms.

Ambos se sentiam intimidados ao centro dos olhares silenciosos e pares de câmeras fixados em suas ações. Burt não os interrompia, assistia tudo como uma novela, sentia que aquilo estava caminhando para algo verdadeiramente significativo para a indústria cinematográfica. Sombras azuis divididas por lamparinas de tom cereja, Lilian e Trey estariam a um passo de se apaixonarem em mais uma de suas trocas de olhares na casa noturna. Uma porta aberta dentro do episódio crucial para que a trama sustentasse o desejo telespectador. Sensibilizado pela cena, Cliff olhou bem a fundo nos olhos avelãs de Judy, sua respiração de poucos se sincronizava a dela. Ela o via da mesma forma, era pega atrasando as falas que a mesclava para dentro e fora da personagem, se alongava em delicadeza até ficar próxima de seus lábios frente a janela de vidro imaginária que surgiria durante as edições. Mal sabia se conter, queria beijá-lo mesmo que por um segundo. Em atuações passadas já havia se apaixonado por parceiros de cenas, e recentemente havia rompido de forma repentina com um dos astros do rock londrino. Por entre linhas estava se culpando desde o momento em que seu agente a entregou parte do roteiro, tomou para si uma angústia gigantesca dentro do peito, desvendada depois das filmagens finais da encenação picante de ambos os personagens. Ela que transitava facilmente pelos lugares badalados, continuou por sua busca insaciável fora do estúdio atrás da verdadeira identidade de J.C.

Mais tarde, antes da última noite de gravação, o sucesso da intitulada "THE GHOST WRITER" havia atraído centenas de olhares dos mais altos padrões capitais. Emissoras se prontificaram a fazer inúmeros anúncios sobre a tão. Agora aclamada. Série de romance policial. A equipe se alegrava com o que podia, muitos de seus méritos foram lançados para Burt e suas duas estrelas protagonistas.

O que alguns julgavam extrema atuação profissional se revelou de forma sigilosa uma verdadeira cópia de suas vidas reais. Cliff e Judy, assim como Trey e Lilian, se encaravam com desconfiança dentro do camarim recém reformado. O arder nos olhares de Cliff J. Thompson descia a seco pela garganta de Judy King. Ela, e ninguém mais, era a culpada, ainda que suas dúvidas pairassem entre o enredo e o que havia visto na noite do crime, ele conseguia ver com clareza a culpa sobre suas mãos delicadas. O que faria a respeito? Era o que pensava à medida em que se aproximava de volta ao set, mas não sentia que conseguiria apontar uma arma que não fosse a de festim. Estava completamente apaixonado, ela via em seus olhos, por isso se sentia culpada mesmo sabendo que não deveria lamentar o ato de ter salvo sua própria vida das ameaças do homem que a perseguia noite e dia. Embora ambas vontades, a história de amor terminava ali, congelados na cena entre-aberta nas mãos de Trey mirando em Lilian. - E... Corta! - Aplausos ecoaram em volta das câmeras desligadas, porém, os dedos continuaram engatilhados frente aos olhos lacrimejados que se desculpava de forma sincera. Ele queria a perdoar, mas não se perdoaria se não tivesse a menor que fosse sensação de vingança consumida. O gatilho soou em alto disparo, tudo se paralisou, as mãos delicadas de Lilian estavam marcadas de sangue sobre o peito perante os olhos arregalados de Cliff, que se recusou a acreditar que o tiro havia saído da arma em sua mão. Dado por si, repousou em prantos ao chão abraçando mais uma vez o corpo de alguém que amava frente a maresia acústica do porto.

Triunfado em maestria, como o esperado aos olhos do criador, helicópteros sobrevoaram pelos ares noticiando o fim do então revelado e admirado enredo de John C. Leon


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