MORDOMO

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- Se me permites dizer, peço que não se apaixones por seu mordomo. Embora fiel enquanto reside, não é mais justo que os demais, nada tem além de sentimentos para lhe oferecer fora dos trajes engomados, vestidos por obrigação. Este é apenas mais um, apenas o décimo por estes cômodos que tanto te entedias. -



Meu mordomo.



Palavras certeiras, porém inúteis a olhos cegos de percepção.

Como poderia, me apaixonar por um fantasma, vulto de uma sombra? Esta que mal se achega e já parte. Este, que tudo que faz me deixando em bravura tenta se redimir.



Só procuro seu cheiro junto ao aroma nostálgico das ervas, quando servida no quarto pela manhã. Apenas noto sua pele. O noto. Quando não me vê. Quando se despe das luvas as escondidas no jardim. Quando se banha de sol e transpira com a cabeça erguida ao céu.



Mordomo?

Aquele que me incomoda ver os cabelos ao vento, e sorriso nos lábios pelo tanto que me inspira sem que eu consiga me expressar em palavras ou arte o que me causa?



O que me olha e não me enxerga como sua?



Como poderia?



Homem de mãos humanas e falhas, que derruba minha taça, porém não me deixa ouvir sua voz. Que se curva como um servo, aproxima seu perfume e me oferece um olhar de piedade mais sensível que as tardes de outono.



Meu mordomo.



O que eu deveria te implorar fora do meu silêncio, se já se doa por inteiro a mim?



Peço que não me peças tal involuntariedade. Este que vos me falas, em meus pensamentos já se despiu de formalidade, deixou de ser mordomo, se tornou apenas meu.



- Se não me olhas como tal, em que lhe sou útil? –



Em tudo.


https://medium.com/@emilyevellyn

FALA ABSTRATAWhere stories live. Discover now