Capítulo 64

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Capítulo 64 — Lorena

Falo com o Leão rapidamente, vejo ele virar de costas e ir falar com uma mulher na outra mesa, e abraço o Dedé. Sinto uma vontade muito grande de chorar, aquele nó na garganta e meus olhos enchendo d'água.

— Fica suave, Princesinha. A nossa lei funciona pra todos, a lei de Deus mais ainda.

— Queria entender como pode alguém passar a porra de uma vida inteira fazendo um personagem — digo desfazendo o abraço com ele, pra não chorar aqui mesmo.

— No começo, quando eu cheguei lá no Paraguai, tava achando que ele tinha ficado caduco — ele passa a mão na barba e olha pra vista.

— Nós que fomos otários mesmo — eu digo sentindo um peso no peito — Me sinto uma imbecil do caralho por isso. Eu passei muita informação pra ele, sem querer.

— O cara é teu pai, teu sangue. Comigo não era sangue, mas quase que me criou, porra. Quando eu tava passando necessidade com minha mãe desempregada, ele colocou comida no meu prato. Tu sabe melhor que ninguém, fui de olheiro a soldado de confiança, pela fé dele. Não tinha como nós duvidar da palavra de homem logo dele. As vezes, eu me sinto uma porra de ingrato, por não tá fechado com ele até hoje.

Eu concordo, me lembrando tudo o que eu já vivi e ouvi sobre a história do Dedé.

— É assim que ele quer que a gente se sinta, como se os errados fôssemos nós — mordo de leve o interior da minha bochecha, vejo o que o Leão já voltou pra perto da gente e tá falando com o Matheus  — Mas sou uma aluna boa, me falou tanto sobre honra e lealdade, que eu vou seguir os ensinamentos, mesmo que ele seja um exemplo de merda.

Ouvir o Dedé falando sobre a história dele, traz lembranças da minha própria vida. Meu pai me criou sozinho desde sempre. Nunca nem vi uma foto da minha mãe.

Capitão me educou dentro dos limites dele, não teve estrutura nenhuma, a cultura dele era zero, era um traficante pai de menina... Acho que por isso que eu me apeguei demais a Tia Daiane, já que ele nunca deixava parar uma babá por muito tempo lá em casa. Morria de medo que alguém traísse ele, contando sobre a dinâmica da casa e do morro.

Hoje, analisando a minha vida, vejo que ele me formou pra ser o soldado mais fiel dele.

Uma vez, na escola, eu dedurei pra professora que uma amiga minha não tinha me ajudado em nada num trabalhinho em dupla, rolou uma confusão entre eu e ela, e quando cheguei em casa, fiquei de castigo. "Um soldado não pode atirar pra dentro do próprio quartel", ele dizia.

Me mandou nunca levantar uma arma pra um parceiro meu, porque se não ele mesmo iria me cobrar. E é verdade, ele vai me cobrar por não só ter levantado a arma, como também por ter atirado na cabeça do BW.

Capitão só esqueceu que me fez leal ao ponto de eu não ter a capacidade de perdoar uma traição, nem quando ele próprio for o traidor.

Meu pai deixou de ser meu amigo quando mandou que levantassem armas pra um parceiro e impediu que o Sábio ensinasse sobre todos esses princípios ao Lucas e à Daiane.

Jogador chega até nós e estica a mão pro Dedé, que responde com um toque.

— Sinto muito por toda a parada que aconteceu lá — Dedé diz — o que eu puder fazer pra reparar os vacilos daquele pau no cu, tô à tua disposição. Eu me enganei com o Capitão, tava na intenção de que só o BW era o cuzão da história.

— To ligado, meu mano. Vai ser bom pra caralho ter você trabalhando com o Leão, deve ter ganhado uma puta experiência lá no exterior — Jogador diz depois de me olhar.

Sonho dos crias [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora