Capítulo 106

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Capítulo 106 - Jogador

Cheiro o cabelo molhado da Lorena espalhado no meu peito e no travesseiro.

— Quero botar meus piercings de volta, tiraram tudo quando eu fui operar — ela passa a mão no umbigo.

— Essa tatuagem te deu problema no hospital não? — pergunto, acariciando o mini fuzil desenhado na pele dela, um pouco abaixo da calcinha.

Lembro bem de ter conhecido essa tatuagem quando fui pro banho com ela pós o corre da carga. Eu tava caído na postura dela, mas não imaginava metade do que a gente ia passar juntos.

— Não — fala baixo, passando a ponta dos dedos nas que eu tenho na barriga — São muitas, essa daí é escondidinha.

— Só pra selecionado — relembro a frase que ela usou na época e ela sorri, levantando o rosto pra me olhar.

— Só pra você — Lorena me olha e sorri.

— Se tu terminar comigo de novo, eu vou mandar te matar, papo reto — respondo puto, porque não engoli o sufoco que ela me fez passar — Comi o pão que o diabo amassou nesse tempo aí e tu com papinho de amizade. Amizade o caralho.

— Você me trancou em casa! Só pode 'tá de brincadeira ​​se achou que eu ia engolir isso, tua sorte é que eu tomei um tiro, se eu coloco a mão em você naquele dia, quem tinha tomado tiro era você — cruza os braços, virando de barriga pra cima.

— Se não fosse tão teimosa, eu não teria feito o que fiz.

— Vamos combinar de não tocar mais nesse assunto? — ela olha pra mim — Toda vez que eu lembro, me dá muita raiva de você. Não quero ficar revivendo isso o tempo todo.

— Só to te mandando esse papo porque na vida a gente vai discordar um do outro e eu não acho que vai ser pouco não. Se tu terminar comigo toda vez que eu fizer uma parada que não tá do seu acordo, não vai ter nós dois juntos nunca.

— Meu problema não é discordar — Lorena nega com a cabeça — Eu discordo com facilidade e sei usar os argumentos a meu favor, mas tu não pode me limitar e interferir na minha liberdade do jeito que tu fez. Tudo tem limite, assume que tá errado e pronto, acabou.

— Tá bom, Lorena. Só vou tomar atitude agora se tiver em comum acordo contigo — puxo ela pra mais perto de mim — Só​ quero que tu entenda que eu não fiz na maldade, foi porque eu te amo pra caralho e pra esse combinado funcionar,​ tu tem que me ouvir mais. Não foi desacre​ditando na sua capacidade não, eu mais do que ninguém sei a mulher foda que tu é​, mas tu não tava preparada pra bater de frente com ele. Eu sabia disso e tão certo nessa visão que tu tomou um tiro e quase morre​u. Se eu falo pra você não ir, ia aceitar meu pedi​do ou ia ficar toda ofendida?
— Ia ficar ofendida — diz, depois de pensar alguns segundos.

— Pois é​, linda. Eu te amo pra caralho, mas tu tem uma cabeça difícil de mudar. Precisa me ajudar nessa meta aí também, não é só eu que tenho que mudar também não​.

— Nós dois vamos melhorar — ela beija o cantinho da minha boca e eu respiro fundo pra sentir o cheiro dela pós banho — Um pro outro. Todo mundo vai admirar nós dois, não tenho dúvida. Agora vamos levantar, porque temos que correr atrás do Capitão e depois eu preciso ir pra Penha trabalhar e cuidar da minha filha de quatro patas.

— Antes tenho que te dar um bagulho, bora lá embaixo — levanto da cama e ela vem atrás de mim.

Desço as escadas e vou em direção a garagem, agarrado na cintura dela, aproveitando ao máximo um momento raro de privacidade que a gente tem.

— Tua moto nova aí — aponto e ela me olha surpresa — Esqueceu que eu tinha te prometido uma?

— Caraca — coloca a mão na boca — ela é lind​​a, tinha esquecido totalmente.

(...)

Ela para a moto nova na frente da minha casa e me olha, toda linda e feliz depois de ter dado um rolé.

— Aquela antiga, tu vai usar pra que? — ela me pergunta.

— Pra nada — dou de ombros — Pensei em deixar ai no canto ou dá pra um dos moleques.

— Po, tava pensando em dar pro Helinho — diz, mas não me recordo quem é esse — O cara que eu peguei emprestado a moto pra ir atrás de tu na penha, a dele tá toda ruim, Pikachu pagou o conserto, mas ela é fraquinha.

— Ele é moto táxi, né?

— Trabalha com isso.

— Suave, vou mandar o Tictac entregar pra ele — concorda e ela me abraça — apesar, dele merece um tiro por ter te emprestado aquela merda.

— Eu coloquei o bico do fuzil na cara dele — ela dá um sorrisinho, igual criança.

— Assaltando dentro da minha favela? — beijo o pescoço, fazendo ela se encolher.

— Eu pedi com educação.

Nós dois partimos em direção a casinha que a Samira tá guardada. Lá dentro, a mulher tá deitada no chão e o ambiente fechado fede a sangue pisado.

— Kekel te deu um trato — Lorena sussurra ao encontrar o estado da filha da puta.

Samira não ergue o olhar, mas começa a chorar, balancando a cabeca.

— Chega de me bater, eu falo tudo, por favor, eu vou falar tudo que eu sei, mas eu não aguento mais.

— Não aguenta mais? — pergunto me agachando, pra ver de perto a cara dela toda arrebentada — tem que sustentar as consequências do que tu quis pra tua vida, Samira.

O rosto dela tá irreconhecível. O olho esquerdo quase não abre e a Kemilly retirou todo o mega que ela tinha colocado depois que mandei deixar careca.

— Você já teve com o Capitão pessoalmente? — Lorena pergunta.

— Uma vez.

— Onde?

— Um apartamento na barra.

— Era dele, o apartamento? — pergunto.

— Não sei, eu estive lá rápido.

— Conta mais — Lorena manda — Conta desde o começo.

— Eu tinha conhecido ele num pagode lá na Penha anos atrás, mas foi só naquela época e nós nos encontramos depois em outro pagode.

— Onde?

— Nova Holanda.

— Tu tava fazendo o que em favela inimiga, sua filha da puta? — ela se encolhe com meu tom de voz.

— Uma amiga, ela mora lá. Eu fiz curso com ela e a gente mantinha amizade, ela não sabia que eu morava aqui.

— E qual combinado você tinha com o capitão? — Lorena cruza os braços.

— Ele me fez perguntas sobre como vocês eram juntos e queria saber quando a criança da Laís nascia. Ficou combinado assim, eu tentar saber, porque ele me disse que as favelas ficariam mais vulneráveis quando ela fosse ter neném.
— E onde ele tá agora?

— Disse que tá longe e que não ia poder colocar a cara aqui por agora.

— Longe onde? — Lorena chega mais perto dela.

— Eu não sei, te juro que eu não sei, talvez interior do rio ou São Paulo — se treme ao dizer.

Sonho dos crias [M]Where stories live. Discover now