Cap. 2 | Sabarmati

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Eu perdi meu emprego, o noivo, a dignidade e Charles achava que eu era louca. Seria cômico se não fosse trágico. Uma mulher de vinte e seis anos levando esporro do pai como se fosse uma adolescente que tinha acabado de participar de uma briga na escola.

Eu soube que tinha passado dos limites quando depois de alguns minutos após um dos vizinhos me tirar a força do apartamento, Merle passou pelo saguão em uma maca parecendo um maldito baiacu inflado. Foi o momento que percebi que o porteiro era um desgraçado, havia me dito que o elevador estava quebrado pra fazer Merle ganhar tempo com a perua loira. Falando nela, se manteve o tempo todo pelos cantos.

Na ambulância, o dedo do meio de Merle se ergueu em minha direção, foi o estopim pra eu me levantar e querer socar a cara dele e a cara de quem estivesse perto, mas fui impedida pelo meu pai.

Eu tinha surtado.

De verdade.

O trabalho em excesso, as noites mal dormidas e ter meu coração esquartejado pelo meu ex noivo não fizeram muito bem pra minha sanidade mental.

Meu celular tinha mais de vinte ligações do meu chefe, eu não tinha um pingo de coragem pra atender e argumentar que minha falta de pontualidade foi causada por uma traição e que eu, sua assistente mais fiel, acabou de deixar o ex com sérios estragos no rosto. Quando o celular desistiu de tocar, fiz uma nota mental de que precisaria arranjar outro emprego urgentemente.

Não fiquei sabendo como meu pai soube do acontecido, mas assim voltei a prestar atenção em minha volta, descobri que minha família estava conversando com a polícia.

Culpa de um dos vizinhos, que pensou que estava tendo um assalto no andar.

Soube por Conrad, meu irmão, que Merle resolveu não prestar queixa e deu uma desculpa esfarrapada sobre o que aconteceu. Ele não era bonzinho, ele não era a porra do anti herói, a benevolência dele veio do meu pai desembolsando dinheiro pra ele calar a boca e sumir da cidade. Se tinha uma coisa que Merle sabia ser, era aproveitador.

Quando a ambulância sumiu do meu campo de vista, a carranca do meu pai se manifestou na minha frente.

A veia da sua testa saltava.

Nos tempos em que morávamos juntos, eu tinha pavor de olhá-lo quando aquela veia pulava. Era um dos sinais mais evidentes de que ele estava muito irritado.

- O que aconteceu, Katrina?! - Ele me encarou por alguns segundos e quando meus lábios se entreabiram por diversas vezes sem conseguir formular uma frase coerente, ele explodiu: - A polícia teve que ser chamada! Merle saiu daqui de maca, ele estava ameaçando te denunciar pra polícia por tentativa de homicídio!

Tentei formular uma justificativa muito boa pra aquele circo todo, mas tudo o que saiu foi só a verdade.

- Ele me traiu! - Respondi - Me falou coisas horríveis, eu não aguentei escutar aquilo sem meter a mão na cara dele.

- Me disseram que foi com um bastão de beisebol, é verdade?

Encolhi os ombros.

- Talvez... - Respondi, hesitante. Meu pai semicerrou os olhos percebendo minha mentira - Tá, foi com um bastão sim.

Ele suspirou pesadamente, passou a mão pelos cabelos e se aproximou de mim, me puxando para um abraço apertado.

- Tente não matar seu próximo namorado da próxima vez, por favor, eu fiquei apavorado quando me ligaram dizendo que você tava quase sendo levada pra delegacia - Sua respiração balançou meus fios bagunçados - Quando acontecer uma merda dessa, pode me ligar que eu mesmo dou um fim no imbecil.

DOCE OBSCURO | Daryl DixonOnde histórias criam vida. Descubra agora