Cap. 4 | E ai, irmãozinho?

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Narrado por Daryl Dixon.

- Querido, você pode dar uma olhada na minha lâmpada? Ela não está acendendo nem com reza.

- É porque a senhora precisar trocar a lâmpada, não rezar pra ela - Respondi, impaciente, largando as ferramentas no chão e me empurrando pra sair debaixo do carro.

Ainda no chão, pude ver a irritante Sra. Phills cheia de sacolas nas mãos, um sorriso minúsculo no rosto e os olhos apertados tentando me enxergar no meio da oficina, sendo que eu estava no chão a menos de um metro de distância. Se forçasse um pouco, cutucava a ponta dos seus pés com os meus.

Eu sabia do seu problema de vista mesmo usando um óculos maior que o rosto, aquela velha não cansava de reclamar do quanto o grau das lentes haviam aumentado.

- Eu comprei uma no mercado, você pode colocar pra mim? - Questionou, enfiando a mão livre entre as sacolas.

Ela deu um sorriso gigante quando me viu de pé na sua frente. A felicidade não era por ter me visto, mas por ter conseguido enxergar alguma coisa além de carros.

Limpei as mãos sujas de graxa nas laterais da calça.

- Quanto vou receber por isso?

- Por trocar uma lâmpada? - Resmungou - Eu tô velha, não tô caduca.

- Tempo é dinheiro, Phills, eu não pago as contas lá de casa com sorrisos não. - Retruquei, indicando a porrada de carros estacionados dentro da oficina, mesmo sabendo que ela não enxergaria. - Eu não vou levar bronca desses pau no cu só por bondade ao próximo.

- Olha a boca, menino, sua mãe não te deu educação?

- Ficou em falta com isso.

A senhora revirou os olhos.

- Você pode ir agora? Eu te dou um trocado. - Ela me estendeu a caixa com tanta brutalidade que me perguntei por um segundo se a velha realmente tinha por volta dos seus setenta anos.

- Se eu for demitido por causa desses favores, eu vou jogar minhas contas tudo pra a senhora pagar.

- Pare de ser tão resmungão.

Gritei pro dono da oficina que iria dar uma saída e acompanhei a velha até a casa dela, cinco casas após o galpão.

Desde que arranjei o emprego naquela rua e Phills me conheceu, eu estava na casa dela a cada dois dias fazendo algum favor. Ela era baixa, tinha cabelos brancos e era corcunda. No começo, me solidarizei por... Não sei, por ela ser uma idosa? Sozinha, viúva e abandonada pelos netos. Eu não era uma má pessoa, mas porra, a velha tinha a boca do tamanho de uma sacola, falava e criticava Deus e o mundo. No sentido bem literal da coisa, já que nem o Todo poderoso ela perdoava.

Foi bem nos dias que eu estava com a pá virada quando recebi uma enxurrada de críticas por ser um cara só. Eu tinha virado seu alvo por ser exatamente igual a ela, sozinho. A filha da puta entrou na minha mente e eu mandei ela se foder, quase a fazendo engolir um pedaço de cano que tava na minha mão. Comecei a cobrar os serviços e ainda sim, muitas vezes era pago com um pedaço de bolo e o juramento que me pagaria na próxima. Velha muquirana do cacete.

- Você viu o noticiário, Daryl? Sobre os canibais? - Comentou ao girar a maçaneta e me dar espaço para entrar. A casa era bem aconchegante e cheirava a perfume antigo. - Só se falou disso no bingo de hoje.

- O mundo tá um caos já faz tempo, Phills.

Ela balançou a cabeça, pensativa.

- Não sei, agora me parece muito pior.

DOCE OBSCURO | Daryl DixonOnde histórias criam vida. Descubra agora