Capítulo XXII

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Clara


- Clara. – Ryan tenta alcançar-me no negrume da noite. Estou tão cega de raiva e todo o meu sangue ferve. Desacelero o passo sem dar por isso e olho para a escuridão da floresta, que olha para mim de volta. – O que te deu ali dentro?

Viro-me imediatamente para ele. Não sei distinguir se ele está chateado ou apenas preocupado comigo.

- Ela disse... - Faço uma pausa e lembro-me do movimento da minha mão em direção a ela.

O que me deu?

O que me deu?

O que me deu foi este estúpido lugar! Quero pegar fogo nesta cabana ridícula e que esta leve o Mike com ela. Quero poder comer alguma coisa que não me faça querer vomitar logo depois. Quero poder dormir sem ter medo que literalmente um assassino em carne e osso entre e mate um de nós. Ou mande a sua pet demoníaca fazer isso por ele.

- Sim, eu sei o que ela disse. Eu não concordo, só para que saibas. Porém continuo a achar que tiveste uma atitude que não parece ter sido vinda de ti. – Ryan procura a minha mão, mas eu levo-a para trás das minhas costas.

- Não estamos todos um pouco fora de nós? – Pergunto, mas não espero que ele me responda verbalmente. Já consigo ver no seu rosto o que ele pensa em relação a isso. Como se pudesse ver os seus demónios interiores a lutarem uns contra os outros, através dos olhos claros. – Os teus sonhos. Estão a dar cabo de ti também, não é, Ry?

- Não temos que falar sobre isso agora. – Responde e contrai um pouco a zona dos ombros e os maxilares um contra o outro. – A Amb...

- Eu acho que precisamos sim. – Contraiu e ele fecha-se mais nele mesmo. – Não és o único que tem tido sonhos realistas. A Marie. Eu comecei por vê-la nos meus sonhos, desde aquele dia do rio. – Suspiro e ele inclina ligeiramente a cabeça para o lado, querendo saber mais. - Estava tudo bem até aquele momento, aliás, nunca liguei muito ao significado dos sonhos. Ela não falava muito. A maior parte do tempo apenas caminhava por aí, sem se dar pela minha presença. Até que ela me começou a aparecer aqui. No mundo físico, se posso chamar assim.

- Só me estás a contar isto agora porquê?

- Quando é que tencionavas contar-me dos sonhos com a Jess? – Contesto, não irritada, só achei aquela pergunta um tanto hipócrita. Vejo, pela sua expressão, que até agora não sabia que ele próprio falava enquanto dormia. Tomei a liberdade de continuar. – E pronto. Ela diz-me coisas, mas eu não entendo. Não são frases normais. São palavras soltas. Eu acredito que sejam pistas. – Suspiro novamente. – Talvez esteja a ficar louca. Quer dizer, alucinações por conta da fome e da falta de descanso são bastante comuns.

- O que ela diz?

- Ela fala mesmo muitas palavras soltas, mas as que tende a repetir mais são "lareira", "escuro" e "frio". Escuro e frio. Não são propriamente as coisas que pensas quando imaginas uma lareira.

- Talvez ela não esteja a falar da lareira. – Ele responde e segue divagando em monólogos internos. – Mas alguma coisa perto dela. – Lentamente vai semicerrando os olhos e olha para as ervas, no chão, que dançam com a brisa noturna.

- Como o alçapão. – As palavras escapam-me da boca ao mesmo tempo que a curiosidade aumenta e invade-me com adrenalina. Passo pelo Ryan e vou em passos largos em direção á cabana e ouço os passos dele atrás de mim.

A primeira coisa que faço é agarrar no revólver e chutar o tapete para o lado, com dificuldade, dado ao seu tamanho. Ryan adianta-se a tirar a mesa de centro e metê-la algures atrás do sofá. Passo a mão brevemente na fechadura velha, levanto-me e afasto-me do alçapão. Miro para o metal enferrujado. Os teus segredos vão ser revelados hoje. Vou ficar tão desiludida se tiver nada a mais que coisas velhas, mas não deixo que isso me desmotive. O ressoar da bala no metal sobrepôs-se, por um segundo, a noite silenciosa. Foi tão alto que receio que não tenhamos sido os únicos a ouvir.

A Cabana das Janelas VermelhasWhere stories live. Discover now