𝐕𝐈𝐈𝐈

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𝐏𝐢𝐞𝐫𝐫𝐞 𝐆𝐚𝐬𝐥𝐲

A pessoa não demonstrou notar a minha presença. Pelo menos é o que eu acho.

Ando mais devagar e me escondo atrás de uma das árvores que estavam mal iluminadas. A pessoa estava de costas pra mim, mas agora consigo perceber que é um homem, por causa da voz, e que é nativo de algum país que fala espanhol, pois seu sotaque é muito evidente enquanto fala inglês.

Ele fala muito pouco e escuta bastante. Provavelmente, ou Hamilton está do outro lado da ligação, ou eles estão falando sobre o heptacampeão. 

-- Eu sei - o homem responde -, só que eu vacilei muito com ele, e você sabe disso! Eu já te contei isso várias vezes. - O homem diz com um tom de voz um pouco alterado, mas parece se controlar para falar baixo. 

Essa voz me parece familiar. De quem será?

O homem se senta no chafariz e possibilita que eu veja seu rosto. Deveria ter percebido quem é desde o início. Os cabelos castanhos, o sotaque espanhol, o jeito agressivo e ácido de falar. Alonso estava com uma expressão cansada e apreensiva. Havia acontecido algo com ele, isso é nítido.

-- Lewis - ele começa -, presta atenção. - Ele fica em silêncio por alguns segundos, provavelmente esperando Hamilton terminar de falar, e continua - Bom, eu não liguei pra você para ficar me lamentando sobre o que fiz, e sim para desabafar sobre o que estou sentindo. - Ele enxuga a testa com a mão que está livre e repousa a mesma sobre sua coxa esquerda que batia aceleradamente no chão, talvez, para tentar acalmá-la. Ele solta o ar pela boca antes de continuar a conversa:

-- Ele está hospedado no mesmo andar que eu, Hami. - Ele põe a mão na testa e apoia seu cotovelo na perna esquerda. - Como que eu vou me sentir sabendo que podemos nos ver a qualquer hora? Até no elevador a gente pode se esbarrar! Por que ele veio para cá? - Ele fica calado por um tempo esperando a resposta do piloto e continua: 

-- Eu sei que eu tenho que ficar de boa, eu sei. Falo isso pra mim mesmo toda vez. Você fala isso pra mim toda vez - ele tira a mão da testa e retorna a ficar de pé próximo ao chafariz -. Só que, às vezes, eu não consigo ficar bem, sabe? Eu olho para ele e me lembro de tudo aquilo. Toda a merda que fiz com ele. Você sabe como é isso, né? Você já passou por algo semelhante... - ele para de falar e se senta novamente no chafariz que jorraria água se fosse de manhã ou um pouco mais cedo. Dessa vez, ele não está apoiando a mão em nenhum local a não ser na fonte.

-- Desculpa ter te lembrado disso - ele continua -, só que você fica dizendo que é fácil lidar com isso sendo que você próprio sabe o quanto é difícil. - Ele se silencia por alguns instantes e logo retorna a falar - Desculpa mesmo. Quero que vocês possam ser felizes. Vocês merecem, cara. - Ele esboça um sorriso no canto do rosto - Vocês são as pessoas que mais merecem serem felizes. Me dói, sinceramente, saber que vocês não podem sair juntos de mãos dadas na rua. - Mais uma vez ele se encontra em silêncio.

Meu Deus! O que eu tô fazendo aqui? Escutando a conversa de Fernando Alonso com Lewis Hamilton? Se alguém chegasse para a minha versão de algumas horas atrás e dissesse que eu ficaria ouvindo a conversa entre esses dois campeões mundiais, eu não iria acreditar. Sempre prezei pela privacidade dos outros, pois quero que prezem pela minha. Mas, de alguma forma, parece que essa conversa tem um ímã que me puxa para ela, como se quisesse que eu a escutasse. 

Começo, finalmente, a me distanciar da voz. Percebo o quão ridículo estava sendo. O que Charles ia pensar de mim se me visse agora? O que Yuki iria pensar? 

Vou me distanciando quando escuto um telefone tocar. 

Que merda! 

O celular não era o meu. O meu estava no meu quarto. E, muito menos, o dele que estava em seu ouvido. 

O som cessa, mas já alertou a nós dois. Quem estava ali além da gente? 

Começo a entrar um pouco em pânico, mas consigo superar isso e logo mantenho meus olhos mais que abertos em todos os locais do parque. Não há sinal de nenhum movimentação além do de Alonso que havia encerrado a ligação e já estava a sair do local o mais rápido que podia, e o meu peito inspirando e expirando. 

Espero um pouco para não entrar de imediato no hotel e esbarrar com Fernando no estabelecimento. Enquanto aguardo, não noto sinal de ninguém além de mim. Será que a pessoa sabe que eu estou aqui e, por isso, não saí? Tudo bem que eu não fui o homem mais discreto do mundo me escondendo atrás de uma árvore para escutar a conversa dos outros, mas não havia mais ninguém por perto e há muitas árvores ao meu redor. Como a pessoa saberia que eu estava ali? Será que ela realmente sabe que estou presente ou só está fazendo qualquer outra coisa no momento?

Começo a me afastar das árvores e penso que: se a pessoa não havia notado minha presença antes, notou agora. 

Quando saio das árvores, corro e não olho para trás. Apenas corro. Não quero imaginar que um repórter tenha ouvido tudo o que o bicampeão tenha dito e que tenha percebido que eu também estava lá, apenas ouvindo a conversa de Alonso com Hamilton. 

Entro no hotel e aperto logo no botão para chamar o elevador. Estou com a respiração pesada e com um semblante nervoso. O elevador chega e dou de cara com Daniel Ricciardo, o homem que sempre está sorrindo não importa a ocasião.

Seu sorriso logo desaparece e ele me pergunta: 

-- Pierre? Tá tudo bem?

-- Sim - digo entrando no elevador e forçando um sorriso. Tento parecer mais calmo. Aos poucos, consigo ir respirando melhor. -, sobe? 

-- Não, não - ele responde -. Vou para o estacionamento. - Aceno com a cabeça agradecendo a informação. - Vai descer pra depois subir, hahaha - ele tenta tirar uma piadinha, mas logo percebe que não estou em clima pra brincadeira e se cala por um breve período.

-- Pierre, aconteceu algo? - Viro minha atenção pra ele.

-- Por quê? - Respondo.

-- Por nada, não. Foi só porque eu esbarrei com Fê e ele estava muito aflito e nem falou comigo quando disse-lhe "oi". - Continuo calado olhando pra ele - Aí, agora, você aparece um pouco depois que ele e, igualmente, tenso. - Ele se cala um pouco, mas volta a falar. - Só achei estranho, mas coincidências acontecem, né? - Ele mostra o sorriso alegre de sempre. O elevador para no estacionamento. - Bom, agora vou ter que ir.

-- Adeus, Danny. - Me despeço.

-- Adeus Gasly - ele enfatiza no "ly" e continua com esse som até que as portas se fechassem atrás dele. Rio da vozinha que ele fez.

Chego no meu andar e entro no meu quarto. Definitivamente, não pensei em nada do que estava acontecendo na minha vida até o momento em que deito na minha cama. Pelo menos, a caminhada me ajudou a colocar meus pensamentos em outros lugares.

Que noite agitada eu tive.

Why can't we be like that? ~ F1 (Boy x Boy)Onde histórias criam vida. Descubra agora