Prólogo

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O tempo passou. As coisas mudaram, nós mudamos junto a elas. Crescemos. Amadurecemos. Ou talvez apenas aprendemos com a vida. E com isso as responsabilidades aumentaram.

Responsabilidades? Sim.

Nós tínhamos uma grande família, mas não era qualquer família, nós não éramos qualquer crianças. No dia das crianças, ao invés de ganhar uma boneca ou bola, ganhámos um revólver calibre 38.

Tínhamos a responsabilidade de assumir o morro da rocinha, afinal, éramos os herdeiros do morro.

É hora de encarar os fatos de frente. Mas uma vez.

A vida insiste em nos lembrar disso a cada instante. E ainda pior, ela insiste em revirar tudo à nossa volta. Mas ela não permite que desistimos um dos outros.

Mas crescer dói em certos pontos. Dói ter que deixar no passado coisas tão boas, que você não tinha chegado a pensar que precisaria deixá-las um dia. Às vezes eu ainda me olho como uma criança. É como se fosse difícil me olhar no espelho e conseguir me ver como devo ser vista. Assumir as responsabilidades que a vida nos acrescenta com o tempo. Amadurecer é tão bom, mas ao mesmo tempo tão ruim. Faz tão bem mas ao mesmo tempo tão mal. A gente perde a inocência e muitas coisas no mundo acabam perdendo a graça. E não por escolha nossa, mas por necessidade da vida. A gente não para um segundo de mudar, assim como não paramos um segundo de olhar para o passado e sentir falta de tudo. O modo mágico como víamos o mundo às vezes faz falta. Olhar para o futuro e conseguir enxergar um pouco do que a vida nos reserva machuca. Mas a vida não nos dá escolhas para certas coisas. A gente olha para o lado e nota as diferenças nos outros, e é aí que a gente percebe que aconteceu o mesmo conosco. Analisamos nossas atitudes e percebemos o quanto nossa mente mudou. Mas não importa o quanto eu cresça, sempre vai haver um pouco do meu eu anterior aqui dentro de mim. Não importa o quantos os outros cresçam, sempre vai haver aquele momento em que eu olharei para eles e me lembrarei de como eram antes, mas depois de tantas coisas, ninguém nunca mais será como antes...

Uma coisa é certa, não podemos mudar o passado, mas podemos transformar o nosso futuro. Poderemos fazer dele um lugar melhor, poderemos ser melhor. Poderemos nos espelhar nos erros do passado e fazer tudo diferente. Poderemos ser diferentes...

Temos medo de arriscar, e fracassar. Temos medo de errar, mas sabemos que o erro é inevitável. Criamos nossos próprios caminhos, mas muitas vezes desviamos deles, com medo dos obstáculos e o que eles podem nos causar.

Medo, insegurança e medo de novo. Medo de não ser suficiente, medo de decepcionar nossos pais, medo de fracassar.

"Se você não enfrentar os seus demônios de frente eles te destruíram por trás"  — lembrámos da fala que o dono do morro, vulgo Matheus, sempre fala para a gente.

O Matheus, é a prova viva que quem ama muda. Todo mundo é capaz de mudar. Só basta querer e claro, ter aquele incentivo da família. Hoje em dia, ele se tornou, além do dono do morro, ele é o chefe da grande família. Sua palavra é lei. Ele dá os melhores conselhos e esporros. Não tem uma pessoa dentro daquela casa que não ouve o que ele tem a dizer.

Quem vê eles de fora, até pensam que é a familia perfeita. Mas de perfeita.... Aquela família não tem nada.

Não existe família perfeita.

Não existe pais perfeitos, filhos perfeitos, não somos perfeitos e com certeza, estamos longe de ser. Se você perguntar para qualquer um de nós, com certeza, teremos queixas um do outro. (Nem vou citar aqui, às vezes, que o Alex deixa a toalha molhada em cima da cama...) Decepcionamos um ao outro. Brigamos pra caralho um com o outro.

Mas acima de qualquer coisa, somos família e aqui, ninguém solta a mão de ninguém.

Nascemos e crescemos juntos. E juntos ficaremos até o final.

Minha vida pela vida deles. E a vida deles pela minha. Eu sei que sim.

Um dia me perguntaram se eu tinha vergonha da minha origem, de onde eu venho, de ter um pai procurado pelo Brasil todo, e minha resposta foi NÃO. E sempre será, não. Eu jamais teria vergonha da minha origem, de onde eu venho.

Eu tenho muito orgulho de ser da favela. Eu tenho muito orgulho de toda a minha família. Eu bato no peito pra falar da minha origem.

Porra.

Eu sou apaixonada por cada canto daquela comunidade. Eu sou loucamente apaixonada pela minha família.

É melhor ter pouco e ter amor, do que ter muito e ter um vazio no coração.

Vou logo deixando claro que, eu mato e morro pela minha família. Eu jamais vou permitir que alguém diga um A errado de alguém da minha família. Eles são insuportáveis? Sim, claro. Mas são a minha família.

Minha louca família.

É louca, mas é minha.

São tudo que eu tenho.

E uma coisa que eu aprendi nessa vida, é lutar sempre pela família. Proteger sempre a família.

Muitas vezes ficamos assustados com o que vai acontecer com o nosso futuro, e esquecemos de que nem o passado nem o futuro importam, apenas o presente. Apesar de todos os problemas, todas as confusões, nunca deixe seu presente ser abalado. Aliás, a vida é uma só, e não existe passado nem futuro depois que morremos, pois ela é feita apenas de presente. Então viva o hoje e seja feliz enquanto há tempo, não sabemos o dia de amanhã, talvez o amanhã nem chegue, então, apenas VIVA.

Os herdeiros do morroOnde histórias criam vida. Descubra agora