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Leticia Narrando:

Bebi ontem como se não houvesse o amanhã, mas olha ele aqui batendo na minha cara.

Meu pai, vulgo Matheus, nos acordou exatamente 08:00 da manhã e está falando sem parar sobre nossa saída escondida de ontem. Eu só dormi 2 horas, meu corpo implora por descanso.

— Está me ouvindo, Letícia? — meu pai me encara.

— Estou, pai. — minto. Mas agora tento focar minha atenção nele.

— 1 mês de castigo. Sem sair. Sem celular. Da escola pra casa, de casa pra escola. Se eu souber que andaram fugindo novamente, eu vou prolongar esse castigo que não é nem de longe o que eu queria dar pra vocês. — ele avisa.

— Você é cruel, pai. — Lua resmunga.

Meu pai riu irônico.

— Tu não conheceu meu lado cruel, menina. — diz firme — Espero não ter mais que ter essas conversas com vocês. Vocês sabem, eu tenho olhos por toda essa comunidade ou melhor, por todo esse Rio De Janeiro. O que vocês fazem, eu vou saber! — aponta pra gente.

— Diminui a pena, seu juiz. — Lua debocha. Depois morre, não sabe porquê.

— Posso voltar a dormir? — pergunto, mal consigo parar com os olhos abertos.

— Não — meu pai respondeu — Ninguém mandou chegar 06:00 da manhã. Se eu pegar vocês dormindo, vou jogar água gelada.

— Isso é crueldade. — resmungo.

— Seu pai está brincando — minha mãe fala aparecendo na sala — Podem ir dormir, crianças.

Meu pai olha indignado para a minha mãe e eu nem espero ouvir mais nada. Ignoro minha dor de cabeça e corro até meu quarto me jogando em minha cama. Adormeço rapidamente.

••••

Acordo com uma sensação estranha de estar sendo observada. Me sento em minha cama olhando ao redor, levo um susto quando o vejo sentado na poltrona do meu quarto brincando com sua arma entre os dedos.

— Porra — reprimo um grito para ninguém ouvir. — Quer me matar do coração? — pergunto.

— Letícia — ele diz se levantando da poltrona e caminhando até minha cama. Seus passos eram calculados e eu sentia um frio na barriga. — Estava esperando você acordar.

— Hum — resmungo sem desviar meus olhos dos seus — O que você quer? — pergunto ansiosa.

— Fiquei sabendo que você e sua irmã saíram escondidas ontem a noite novamente — ele se senta ao meu lado na cama.

— As fofocas correm solta nesse morro — digo irônica.

— Odeio sua ironia. E sim, as fofocas chegaram ate mim e eu não gostei nada de saber que tu foi em um baile. — segura meu rosto fortemente. — Ficou com alguém? — ele perguntou.

— Você ta me machucando — digo com a voz falha. Meus olhos já estavam cheios de lágrimas. Ele apertava fortemente meu rosto.

— Responde minha pergunta. E dependendo da sua resposta, eu não vou machucá-la. — ele diz apertando ainda mais meu rosto fazendo uma lágrima solitária rolar.

— Eu não fiquei com ninguém. Apenas fui de companhia com a Lua. — digo rapidamente.

— Eu não gosto dessa vagabunda! — ele rosna ao falar da Lua.

— Não fale assim dela, ela é minha irmã. — digo com receio, mas eu jamais deixaria de defender minha irmã.

— Eu falo como eu quiser. Não quero tu indo nas ondas da tua irmã, ta me ouvindo? — pergunta firme e eu apenas assinto nervosa. Ele solta meu rosto me empurrando e se levanta da minha cama — Se eu souber de mais alguma aventura sua, eu vou cobrar de tu. — aponta a arma pra mim. Engulo em seco.

— Enzo, não temos nada. Pra quê isso? — pergunto sem entender suas atitudes. Ficamos algumas vezes, apenas beijos, mas ele sempre me humilha depois e deixa claro que não quer nada comigo. Mas ao mesmo tempo, ele é obsessivo por mim.

— Você é minha, Letícia. Eu ja te mandei o papo, eu fico com quem eu quiser, mas você, não. — aponta pra mim falando seriamente.

Antes que pudéssemos responder qualquer coisa que fosse, ouvimos a porta do meu quarto fazer barulho. Enzo correu para se esconder no banheiro e eu me ajeitei na cama para ninguém perceber nada de diferente.

— Letícia — minha irmã gêmea entra em meu quarto — Você não sabe — se senta em minha cama — Eu fui ao mercado com a mamãe e adivinha? Eu vi os dois gostosos que ficamos ontem, eles falaram que queriam marcar um rolê para nos conhecermos melhor. — ela conta animadamente e eu queria me enfiar num buraco e nunca mais sair.

Enzo vai me matar!

— Para de falar essas coisas ! — peço, quase uma súplica apertando meus olhos.

— O que foi? Ta com dor de cabeça ainda? — ela percebe que não estou bem. Dizem que irmãs gêmeas sentem quando uma ou outra não está bem, eu acredito nessa teoria. Porque Lua sempre percebe quando não estou bem e vice e versa.

— Sim. Eu... só quero ficar quietinha aqui. — digo baixo.

— Você me parece triste — ela diz me analisando. Lua é observadora.

— Eu tô de boa — minto.

— Estamos de castigo, mas não é pra ficar apenas presa nesse quarto em. — me alerta. — Papai não está mais furioso. — diz sorrindo. Meu pai nunca consegue ficar bravo com a gente por muito tempo. A braveza dele é temporária.

— Eu vou tomar banho e já desço.  — digo.

Ela assente e sai do quarto me deixando sozinha novamente. Enzo sai do banheiro furioso.

— Tu não me disse que não tinha ficado com ninguém? — pergunta puxando meu cabelo, senti uma ardência no meu couro cabeludo.

— Foi algo sem importância — digo com medo de sua reação.

— Algo sem importância? — riu irônico — Você colou tua boca em outro homem, porra. Você sabe que isso vai te custar caro né? — pergunta com seu rosto próximo ao meu.

— O que você vai fazer? — pergunto com medo.

— Eu vou te dar a lição que teu pai nunca teu. — diz tirando o cinto de sua calça e me olhando com um olhar assustador. Não era o Enzo por quem eu gostava ali...

"Tudo parece tão vazio e nublado quando você carrega uma tristeza profunda."

Os herdeiros do morroWhere stories live. Discover now