19 - Luau dos 25

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Quando Lucas retornou à pousada, já havia escurecido, então se dirigiu a uma lanchonete do outro lado da rua para se alimentar. Acomodado em uma das mesas no deque, decidia o que comer quando viu Ana se aproximando pela calçada oposta. No mesmo instante, seu coração falhou uma batida e sua garganta ficou seca.

Além da reação quase infantil, Lucas ficou também surpreso por ver como ela estava diferente. O cabelo lustroso descia em camadas até o meio das costas num novo e elegante corte; ela parecia um pouco mais magra, talvez devido ao modelo delicado do vestido branco, ou pelas sandálias de salto que lhe realçavam a musculatura das panturrilhas deixando as pernas alongadas e incrivelmente atraentes. Seu corpo reagiu instantaneamente com a memória daquelas pernas em torno de si dentro do armário da recepção, e a consciência do tempo que se passara desde o ocorrido o deixou nostálgico.

Mesmo à distância, ele percebeu que ela estava maquiada e que havia pintado as unhas. Uma tornozeleira delicada reluzia conforme ela caminhava e ele ficou distraído com seu brilho em contraste com a pele morena. Contendo o impulso de chamá-la, ele baixou os olhos para o cardápio, concluindo que perdera completamente a fome.

Ana já tinha visto Lucas no deque da lanchonete antes de ser notada por ele. De propósito, ela desviou o olhar quando passou ao seu lado, determinada a ignorá-lo. A imagem do cabelo desalinhado e do aspecto cansado tal qual nos primeiros dias de hospedagem a atraiu como um arpão, recordando-a do quanto fora difícil manter distância durante os últimos dias.

Muitas coisas mudaram nas últimas três semanas. Ela havia conseguido se distanciar do hóspede delicioso da suíte 7, arrumou um emprego e, na noite anterior, havia finalmente começado a mudança para o seu próprio quarto na pousada. Não foi tão difícil convencer Antônio da mudança, na verdade ela ficou surpresa em como ele a apoiou em todas as decisões.

"Você já é uma mulher adulta. Arrumou um emprego novo e quer seu espaço. Eu entendo isso. Vamos precisar contratar alguém para assumir o seu lugar."

"Eu pretendo pagar pelo quarto, pai, afinal, teremos um quarto a menos para locação."

"Não diga bobagem, Ana. Essa pousada é tanto sua quanto minha. Você tem o direito de morar aqui e eu vou cuidar de você enquanto puder. Só estou pontuando as coisas porque talvez precisemos reajustar os preços."

Ana ficou aliviada pelo pai ainda querer cuidar dela. Ainda que fosse totalmente capaz de cuidar de si, a sensação de pertencimento a satisfazia. Apesar de ter aceitado o trabalho na Construtora Donatore, não pretendia de forma alguma deixar Antônio na mão.

Fazia cinco dias que ela começara no novo emprego. Antes disso, ela passara uma semana avaliando propostas, a seguinte em entrevistas e testes, até que foi selecionada e começou o trabalho no início desta semana. Contratada para cuidar de projetos financiados por investidores internacionais, ela intermediava as negociações que exigiam intérprete, traduzia a papelada para o inglês e espanhol, e vice-versa.

Ana estava apreciando bastante a tarefa e os novos colegas de trabalho. Carla era a secretária direta do seu patrão, Larissa cuidava das contas locais, e Pablo, o mais jovem da equipe, era responsável pelo TI. O escritório tinha bem mais gente, mas essa era a equipe com a qual Ana interagia diretamente. Ela ainda não tinha conhecido pessoalmente o seu patrão, Ricardo Donatore, porque ele só visitava o escritório uma vez por semana, mas sabia que em breve teria o privilégio de conhecê-lo.

A inspiração para a mudança de rumo em sua vida teve muito a ver com Lucas. Tê-lo conhecido e se envolvido tão intensamente com ele num espaço de tempo tão curto revelou o quão monótona a sua própria existência tinha se tornado. O novo emprego a ajudou a se enxergar de forma diferente, então passou a cuidar melhor de si, resolveu finalmente cortar o cabelo e fazer as unhas que não viam um esmalte havia meses.

Enfim, Ana se sentia pronta para assumir o controle da própria vida.

Contemplativa, ela foi até o antigo quarto que compartilhava com o pai e finalmente terminou de separar seus pertences para levar à sua nova habitação. Antes de deixar a suíte, deteve-se na porta por um breve momento, nostálgica. Esse mesmo espaço a acomodara desde a infância, e agora o estava deixando para trás, assim como muitas outras coisas.

Esse marco importante seria sempre lembrado por causa da data em que ocorrera. Era uma sexta-feira, oito de outubro, dia em que Ana completava 25 anos, e ela estava particularmente ansiosa nesta noite pois dali a poucas horas haveria um Luau na praia em comemoração.

Ela imaginou que estaria muito mais empolgada do que realmente estava.

Lucas continuou na lanchonete até tarde e já estava na quinta cerveja quando, à distância, percebeu uma movimentação diferente na praia. Curioso, pagou a conta e se dirigiu à faixa de areia.

Um carro com as portas abertas tocava um R & B dançante em alto volume quando ele se aproximou. Ao redor, um grupo de pessoas tentava fazer vingar o fogo de uma fogueira improvisada. Alguns jovens dançavam com garrafas erguidas e copos de bebida, outros sentavam-se em roda sobre toalhas de banho para "puxar fumo". Ao longe, três rapazes animados se aventuravam no mar, gritando e jogando areia uns nos outros.

Tratava-se de uma festa, ele concluiu. Ninguém notou a sua presença e, como ele costumava ser habilidoso em passar despercebido, ficou por ali, com sua última garrafa de cerveja.

Lucas não tinha o hábito de beber muito, principalmente por causa da profissão, mas estava particularmente inquieto nesta noite, e o torpor causado pela bebida minimizava sua angústia. Absorto, ele reparou em um casal se beijando de maneira bem envolvente, enquanto algumas garotas dançavam numa roda. Por um breve momento, ele chegou a relaxar.

Até que ela apareceu.

Ana caminhou de modo descontraído em direção ao grupo de pessoas que estava dançando, removeu as sandálias e as deixou próximo ao carro com o som ligado. Quando as garotas a viram, deram gritos e começaram a abraçá-la. Alguns amigos se aproximaram e lhe entregaram presentes, enquanto outros levantavam as garrafas e faziam um brinde a ela. Ana sorriu, com aquele sorriso de tirar o fôlego.

Era o aniversário dela.

Lucas ficou chateado por não fazer parte do momento. Ele a contemplou de longe, linda, num vestido rodado e florido, tão curto que deixava ver os shortinhos que ela usava por baixo. A tornozeleira reluzia enquanto ela se movia, e os cabelos ficavam despenteados por causa da brisa do mar numa visão para lá de sensual.

Ele foi acometido por um sentimento de perda de algo que nunca lhe pertencera. Observou, ávido, enquanto Ana pegou uma bebida e começou a dançar na companhia dos amigos, o corpo curvilíneo se movendo de maneira envolvente, deixando-o ainda mais cobiçoso.

Embevecido e sem tirar os olhos da dança perfeita e insinuante, ele foi discretamente até o barril de chopp e pegou mais uma bebida para tentar amenizar a secura da garganta. Ele se serviu de um copo, depois de outro e mais outro, mas definitivamente não havia nada que diminuía sua sede.

MaresiaWhere stories live. Discover now