67 - Pelicano

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Lucas entrou na delegacia com Pablo sob custódia. Os policiais presentes na unidade observavam, alguns surpresos, outros curiosos, e Lucas monitorava o rosto de cada um na busca por possíveis cúmplices. Apesar do curto espaço de tempo, eles tinham avançado bastante na identificação de alguns envolvidos, inclusive nos que efetuaram o sequestro e já estavam sendo caçados pela polícia.

Pablo andava à frente com a mão de Lucas em torno do punho como uma algema. Foram direto até a sala do delegado Alencar, que os recebeu e fechou a porta.

– Onde está? – Alencar perguntou, ansioso.

Lucas puxou a corrente do próprio distintivo policial e removeu o cartão micro SD de uma fenda entre o couro e o metal da insígnia, e entregou a ele, junto com um envelope contendo a mídia e o formulário da marina.

– Aí estão as provas reunidas pela Alice e o meu relatório. Com isso e o laudo que Lívia separou, conseguimos reabrir o caso.

– É suficiente para levar a algumas prisões, mas você sabe que logo isso sai da nossa mão, certo? Não temos jurisdição para ir tão longe. Quando os federais assumirem, talvez você consiga a justiça que tanto desejou.

– No momento, eu só desejo encontrar a Ana. Já tenho o número que o Diego está usando, o moleque aqui conseguiu localizar. Ele vai liberar a rede, e então a gente vai atrás dela. Está tudo pronto?

– O helicóptero está nos esperando. Vamos.

Ana estava deitada no piso molhado da cabine, sentindo o sacolejar da embarcação. Chovia forte, e o vento que entrava pela porta aberta fazia seu corpo molhado tremer incontrolavelmente.

Ela gostaria de, ao menos, estar vestida. A parte de trás da sua camisa já tinha escorregado pelos ombros ainda que, usando os dentes, ela tivesse tentado inutilmente cobrir um pouco dos seios expostos. A junção do medo e da fraqueza amplificavam seu desconforto e, por fim, a resignação assumiu o lugar da esperança.

Talvez fosse mesmo tarde demais. Era triste porque, aparentemente, ela não viveria algo realmente significativo depois de uma existência curta e medíocre. Ana nunca vivera nada além de experiências com o mínimo de intensidade, nada que valesse a pena registrar em artigos, até mesmo em postagens em redes sociais. Tivera alguns namorados minimamente atraentes, se formara com notas minimamente aceitáveis, surfava minimamente bem e suas relações familiares eram mínimas assim como a quantidade de parentes que possuía.

Então Lucas apareceu, e de repente, o mínimo não era mais suficiente, porque ele não tinha nada de mínimo, e ela nem estava pensando nos atributos físicos, que de fato eram todos eles tudo, menos mínimos. Ele surgira e fizera com que seus mínimos desejos fossem maximizados, um a um. Ele despertara nela a vontade de ser mais do que menos, de estar no limiar do máximo, e o medíocre deixara se ser aceitável.

Lucas fora o que ela possuíra de mais real, mesmo agora enquanto sua mente brincava com a realidade. Mesmo nos momentos mais difíceis, quando a razão dele oscilava e beirava o descontrole, por vezes cruzando a linha, ou quando ele descia num grau de curvatura de momentos de puro entusiasmo para o puro desânimo, ou quando ele entrava em hiperfoco e reduzia o mundo a um punhado de detalhes deixando-a de fora, ou em cada situação confusa dentro das linhas da normalidade de alguém que enfrentava transtornos como TEPT e derivados disso, ainda assim, ele era o que mais transformava sua vida em algo significativo o suficiente para que ela se sentisse um pouco mais do que útil, e isso havia mudado sua percepção acerca de si mesma.

Agora, Ana até gostava de sua nova versão. Madura, mulher, essencial até certo ponto, mas não totalmente, porque se assim fosse, ela saberia aonde Lucas tinha ido, o que estava acontecendo, porque ela tremia de fraqueza e dor na cabine de um barco enquanto um psicopata se movia como um urso feroz do lado de fora. Ela saberia, como se isso fizesse alguma diferença no fim.

MaresiaWhere stories live. Discover now