Está tudo bem

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Domingo à tarde. Quase vinte quatro horas desde a festa de Kirishima. Histórico de chamadas às moscas.

Nem uma mensagem de Kacchan.

Outra pessoa no lugar de Izuku provavelmente viraria um poço de decadência, chorando pelos cantos enquanto lamentava seu retorno mais que certo ao status de solteiro. Mas não ele. Seu relacionamento com Kacchan, assim como todos os outros, tinha suas particularidades, e a mais notável delas era, justamente, o fato de eles nunca resolverem nada por mensagens ou ligações. No máximo trocavam "bons dias" e "boas noites", combinavam onde e quando se encontrariam em tal lugar e, por vezes, Kacchan lhe enviava um ou outro áudio lhe ensinando receitas. Desde que se reaproximaram no fundamental eles utilizaram pouco do espaço virtual, e Izuku palpitava que a proximidade de suas casas e o fato de sempre terem estudado juntos eram fatores mais que explicativos à questão.

Além disso, Kacchan não era homem de mandar recados. Nunca foi. Nas poucas brigas que tiveram, sobretudo durante o namoro, ele sempre desprezou as tentativas de reconciliação via mensagens de texto e recusava todas as ligações de Izuku. "Se quer falar alguma coisa, fala na minha cara, não atrás de uma tela, seu idiota", dizia ele. Izuku logo adaptou-se à exigência, mas isso não queria dizer que ele não se sentia apreensivo pelo silêncio.

Pois o silêncio, ainda que augusto, é também perverso. Dependendo da duração ele incita pensamentos ruminantes e cenários difusos cuja eloquência aferra-se ao consciente de uma forma que é difícil se desgarrar depois. Inexistia o ser que não caiu na cilada dele ao menos uma vez, mas Izuku estava decidido a não ceder; afinal, que bem faria?

Bastava esperar. Apenas isso. Nada mais e nada menos. Um sempre iria atrás do outro, não importava quanto tempo passasse. Normalmente em questão de dois dias já estavam de bem. Desta vez, porém, Izuku não moveria um dedo. Não era seu papel procurar Kacchan, não na "crise" atual. E não por questões de "quem tem a culpa" e "de quem é a vez", apenas sabia que não era ele quem deveria tomar a iniciativa, e sim Kacchan.

E ele tomaria. Muito em breve. Sentia isso. Com mais força e certeza que qualquer outra coisa.

Dito e feito. Por volta das oito da noite, Izuku escutou as batidas na porta da frente, lá embaixo. Dois toques secos com o indicador, como de praxe, mas notou um quê hesitante no intervalo entre eles — às vezes sua audição era quase assustadora. Não se moveu da cama e tampouco pausou o filme de suspense que assistia no notebook. Admirou-se pela própria calma. Seu coração nem acelerou. Seu peito estava leve. Preparou o próprio psicológico muito bem, merecia um prêmio pela dádiva.

Sua mãe atendeu o visitante. Izuku não conseguia ouvir muito bem, mas não se preocupou com qualquer tipo de tensão nem conflito que poderia florescer entre sua mãe e seu (ex?) namorado. Ela, é claro, já sabia o que fazer. Seu sexto sentido materno sempre sabia quando algo estava errado, e Izuku nem precisava abrir a boca. Ela não o viu chegar no dia anterior com o rosto inchado e os olhos vermelhos, mas a ausência de um boa-noite do filho na porta de seu quarto plantou uma pulguinha atrás de sua orelha.

De manhã, Izuku, praticamente revitalizado, agiu normalmente no desjejum e na preparação do almoço, mas somente o fato de ele não ter proferido o nome de Kacchan uma única vez entregou a bandeja toda. Izuku falava de Kacchan o tempo todo. Parecia uma matraca. A paixão e admiração que sentia pela pessoa dele eram as culpadas, e é claro que sua mãe não deixaria passar um desvio. Ela também estava por dentro da dinâmica deles de "falar só na cara", e exatamente por isso, na porta, após leves advertências acompanhadas de encorajamento e um voto de confiança, ela deu passagem para que Kacchan entrasse e fosse até seu filho.

Ok, hora de se mexer. Izuku afastou os cobertores, abaixou a tela do notebook e se arrastou até a borda da cama. Esperou ali mesmo, sentado de frente para a porta — que se abriu trinta segundos depois. Kacchan sabia que Izuku já sabia que ele estava ali, por isso dispensou as batidas. Não tinham tempo a perder com cerimônias.

Sobre primeiras vezes | BakudekuWhere stories live. Discover now