OS CAÇADORES DE SAPOS DA BARÃO

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   Seramov
  
Prólogo:
Terminada a fala de Melinho acrescentei aos convivas que nunca ninguém deve contestar as visões populares de uma comunidade e o lobisomem e o nego d'água são dois exemplos bem claros de que o povo enxerga a sua passagem na Terra da maneira diferenciada de um intelectual, de um padre, de um juiz, de um advogado e deve ser respeitado porque essa essência cultural é a raiz do mandacaru, a planta da vida e, em seguida, franqueei a palavra mais uma vez para o (a) próximo (a) orador (a).

Levantou-se, assim, a senhora representante da Liga Cultural  Carnavalesca da Serra (LCCS) nominando-se como sendo Aurora Bispo Moraes, mais conhecida como Aurora do Samba, 60 anos, produtora cultural, vocalista pandeirista do Grupo Samba Duro da Serrinha, popularmente conhecido como Durão da Serra, casada com Anfilófio da Viola e mãe de três rapazes um deles atacante da seleção de futebol local, e representava todas as entidades que fazem o Carnaval na nossa aldeia, o Grêmio Recreativo e Escola de Samba Filho do Zorro, dirigida por Mané Preto; a Escola de Samba Elias e suas Cabrochas, de Elias Nery; o Clube Social Só Falta Você comandado pelo casal Marieta e Zé Ramos; o Bloco Carnavalesco Mata Borrão, do sapateiro Pacheco; o Cordão Implorar Só a Deus; a Associação Cultural Serrinhense, conhecida como Clube e agradeceu a oportunidade da fala assim começando:

  - Em primeiro lugar quero agradecer o honroso convite para participar desse nobre evento, digo nobre na forma de falar porque na Serrinha nunca teve nenhum nobre, nem marquês; nem barão de verdade, salvo no Carnaval que é a festa popular mais importante de nossa comunidade, bem antiga, algo que já tem mais de 40 anos e desde mocinha que estou nela participando dos desfiles populares na praça Luiz Nogueira visto que o povo é quem faz a festa embora também ocorram bailes de salões no Hotel da Leste, no Só Falta Você na 30 de Junho, no Clube, mas é na rua, na nossa praça calçada com pedras roliças que a gente samba, a gente baila, canta, os couros repicam, as cabrochas se soltam tudo numa beleza extraordinária e a gente luta muito para manter essa tradição e já incorporamos o trio elétrico essa invasão maluca de Dodô e Osmar e a gente teme que nossas raízes, do couro, do repique desapareçam e eu quero relatar um fato que me deixa chateada, uma invencionice de nossos adversários da cultura popular, que imaginam poder nos esmorecer, nos desalinhar, dizendo, espalhando pela cidade que os nossos couros, os tamborins, os surdos, os repiques foram confeccionados por couros de sapos comprados dos meninos da Barão de Cotegipe, dos meninos da Matança, digo do Largo da Matança, que, creio, todos vocês sabem que antes do nascimento do bairro do Matadouro onde se matam bois para a venda na feira e no mercado, atualmente, lá depois da linha do Trem pro lado do Pau da Bandeira, na direção do Matão, se matavam os bois para abastecer a população num curral da Prefeitura que tinha no Largo da Matança onde hoje existe uma igreja de crentes, a Primeira Igreja Batista, e essa propaganda enganosa é para nos atingir proibir que nossos couros sejam tocados no Carnaval, porque nossos couros são de bois, de carneiros, tudo legalizado, autorizado pelo governo e não de sapos que são bichos da natureza e merecem todo nosso respeito.

Pediu um aparte a senhora Jana Pinharada: - Quero apoiar a senhora e defende-la porque a Serrinha toda sabe que os sapos que esses meninos capturam nas proximidades dos postes de luzes onde os encandeiam, caçam também nas beiradas na Bomba e do Gravatá e outros lugares são destinados a experimentos científicos e comprados por um tal de senhor Deinho das Jacas que os leva para a Cidade da Bahia, a capital, no trem da Leste e vende lá num laboratório a preços altos, não se sabendo que tipo de experiência é essa, mas dizem que é pra fazer vacinas. É isso que queria falar.

- Agradeço seu aparte e digo-vos que também já ouvi falar nisso, mas aqui não quero acusar ninguém porque os sapos são dons de Deus e estão no mundo para comer insetos peçonhentos, para limpar o mundo das impurezas, imagina se iriamos usar os seus couros para fazer os nossos do samba, dos nossos pandeiros e cuicas, das caixas, dos surdos, dos rebolos, isso nem pensar, até porque, a melhor oficina que temos na produção artesanal dessas peças a de seu Nizo do Recreio, o homem é devoto da Senhora de Lurdes, o homem é cristão de carteirinha, jamais iria aceitar isso, mas aqui na nossa aldeia estão sempre querendo nos derrubar e também em certa época falaram isso em relação aos gatos, que a gente matava os gatos para essa finalidade, o que outra grande mentira e quando rebatemos esse invencionice com todo vigor em entrevistas na Voz do Sertão, o nosso melhor serviço de alto falante que temos, dirigido pelo Paulo Teíú, também inventaram na época em que o Circo Nerino se instalou na praça da Igreja Nova e tinha na sua trupe uns leões magros e perebentos que o dono do circo comprava gatos nas mãos do povo para dar aos leões, para matar a fome dos leões, porque era mais barato do que a carne verde vendida no Mercado Municipal que, mesmo a de segunda, era mais cara do que o preço dos gatos, e carne com osso que é a mais barata leão não come, porque o bicho é carnívoro e só gosta de filé e um gatinho, especialmente se for novo, é um prato delicioso para eles – se benzeu três vezes – e assim encerrou o seu conto destacando que se não amava os sapos como ao seu Anfilófio, os respeitava e jamais as entidades que representa e fazem bonito no nosso Carnaval usariam sapos nos seus couros, e que, após investigação do delegado local diante queixa da nossa Sociedade Protetora dos Animais, na pessoa da ativista Benedita Brizolara, Dona Bené, o que se descobriu é que o tal do Deinho gostava mesmo era de comer sapos tal como os sapos rãs galinha das ilhas caribenhas e o que aconteceu por lá foi um desastre ecológico com repercussão internacional, quando milhares de sapos foram devorados pelos turistas, e o mesmo poderia dar-se na Serrinha, inclusive com prejuízos para a nossa população porque os sapos são purificadores, assim como os urubus que comem carniças, matam os insetos e nos livram de doenças, sendo que os meninos da Barão e do Largo da Matança não gostaram da atitude dessa ativista e realizam um protesto em frente à sede da SPAS, a Sociedade Protetora dos Animais da Serrinha, porque tinha deles que amealhava 8 cruzeiros novos numa noite de boa caça, uma vez que cada sapo, gordinho, valia 2 cruzeiros novos, e esse dinheiro ele estava juntando para comprar uma bicicleta no armarinho de seu Valdemir Gil.

E assim, a senhora Aurora encerrou o seu conto recebendo muitas palmas e elogios.

O Homem Verde do GinásioWhere stories live. Discover now