Capítulo 1

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☆ Reino Lunar ☆

Aurora♡

    O verão em Amsterdam é tão incomum que temos apenas que observá-lo. Uma cidade repleta de cores e encantos. As casas pareciam de época com seus apartamentos e janelões em cores vivas. Era adorável de se apreciar nos permitindo dar uma volta no passado. Além das belas arquiteturas e paisagens, em algumas das estações de trem da Capital holandesa, possuem pianos para os amantes de música.
    E é permitido a todos.
    Os canais e vielas deixam a cidade romântica e futurística. Um grupo de pessoas caminhavam tranquilamente próximo ao Canal de Prinsengracht. Alguns casais tiravam fotos animadamente do pôr do sol.
    Tínhamos uma visão privilegiada em cada estação do ano, porém, a que mais me deixava encantada era o inverno. Nesse período, há um toque de elegância e mistério em cada ponto da cidade. 
    Encontrava-me na parte exterior da cafeteria Coffe&books, situada no meu bairro, Jordaan. Bebericava meu capuchino de morango enquanto apreciava (Fix You- Coldplay). A música é simplesmente incrível e, conhecia alguém que teria curtido muito ouvi-la.
    Harry.
    Harry era meu pai, faleceu em um acidente de carro quando eu tinha seis anos de idade. Soubemos que um homem em um carro desgovernado sendo seguido pela polícia, havia ultrapassado o sinal colidindo de frente com o carro do meu pai. Harry não teve a oportunidade de se despedir de nós, de nos falar as suas últimas palavras.
    Na época, eu fiquei muito aterrorizada com tudo que tinha acontecido. A minha realidade se desmanchou, e o processo para se manter de pé foi difícil. O que me restou dele foram apenas lembranças desconexas devido à grande tristeza que senti. Ainda sinto muita falta dele e acredito que nunca vou superar sua partida repentina.
    É angustiante pensar que eu poderia ter vivido mais momentos com ele.
    Momentos marcantes entre pai e filha.
    O recomeço depois de sua morte foi bem complicado. Ainda tenho lembranças da mamãe segurando às lágrimas quando o nome dele era mencionado em algum assunto. Ela tinha perdido o grande amor da sua vida de forma brutal e eu um pai amoroso e gentil. Então, mamãe se afundou no seu trabalho de tal modo que nunca tinha tempo para mim. A sua ocupação era seus projetos de arquitetura, esse era o seu jeito de fugir de uma realidade impiedosa.
    Sempre nos afogamos em algo para camuflar a dor.
    Tentamos de alguma forma fazer ser suportável e nos esquecemos que para nos curarmos e seguir em frente, o luto precisa ser sentido. Somos humanos, não deveríamos fugir do que é natural. Então passe pelo luto e tome o seu tempo para se recuperar. Mas não permaneça na dor. Até porque, ela vai estar sempre lá.
    No entanto, você só sentirá menos com o tempo.
    Foi o que eu disse uma vez para a mamãe. E é um conselho que eu não tenho tomado para mim. A verdadeira hipocrisia.
Antes de o papai partir, ele nos deixou uma boa quantia em dinheiro para vivermos bem, mas como a Meredith não suportava a ideia de depender de alguém – e ela não estava errada por pensar assim. Então, voltou a trabalhar. Mamãe é uma arquiteta talentosíssima. Por causa disso, a empresa em Amsterdam lançou a proposta dela vir trabalhar com eles, e ela aceitou. Sair de Londres foi como voltar a respirar um pouco. Um novo País, uma nova cultura e lugares diferentes, talvez, nos desse alguma vírgula para continuar.
    Recomeçar.
    Sinto um ardor leve em minha perna e fixo minha atenção no garoto de olhos verdes, sentado de frente para mim. Meu irmão está com um sorriso sorrateiro nos lábios. Em sua mão está um panfleto sobre a história de ¹Anne Frank. É bem comum ver folhetos sobre sua trajetória precoce e brutal em cafeterias. Inclusive, o museu A   Casa de Anne Frank está localizado a poucos minutos do nosso bairro.
    Semicerro o olhar vendo-o ampliar mais o sorriso.
— Você me chutou? — Profiro incrédula.
Seth dá de ombros tomando um gole do seu capuchino.
    Ele é um ano e meio mais velho e sua postura é tranquila e elegante. Porém, a roupa que vestia fazia alusão a sua personalidade. Por baixo da sua jaqueta preta, usava uma camisa branca, de calça jeans preta e botas na mesma cor. Um pequeno brinco preto reluzia em sua orelha, a tatuagem em seu pescoço é descrita como as Três Marias, ou os Três reis da constelação de Orion.
    Meu irmão parece aqueles personagens de livros por quem a garota se apaixona perdidamente. Rosto bonito, queixo forte e levemente afilado. Pele branca e belo demais superando os padrões de beleza da sociedade. Por trás dessa postura tranquila existe um ser presunçosamente irritante.
Seth inclina a cabeça para um lado e seu nariz franziu quando sorriu.
    Uma brisa passou por nós bagunçando seu farto cabelo castanho dourado, fazendo aqueles ondulosos cachos caírem na sua testa.
    Sua voz é suave e grossa quando falou:
— Precisava trazê-la de volta. — Disse, passando a mão no seu cabelo para arruma-lo. — Precisamos de um chute para voltarmos à realidade.
    Ergo às sobrancelhas, abafando um sorriso.
— Isso tem haver com o filme que você assistiu ontem? — Apoiando meu cotovelo sobre a mesa, ponho meu queixo na mão tamborilando no mesmo. — Seria aquele... ²A Origem?
— Você sabe que sou esperto mesmo tendo assistido ao filme. — Respondeu prepotente, deixando um pequeno sorriso de canto transparecer.
    Reviro os olhos, achando graça.
    Ele está certo. É considerado o aluno mais inteligente da escola. Um prodígio entre os leigos. Seth não faz ideia do quanto é popular. Por mais que tentasse ser invisível, a sua beleza e sua inteligência de outro mundo chamavam a atenção.
    Quando mamãe planejou adotá-lo, eu já tinha sete anos de idade.
    Meredith sempre teve um espirito bondoso e altruísta. Ela me disse que viu o Seth na saída da empresa aqui em Amsterdam quando estava vindo para casa. Ele se encontrava jogado no chão frio da calçada, ferido e faminto. Suas roupas estavam rasgadas e sujas. Meu irmão tinha oito anos de idade na época. Mamãe se compadeceu do estado dele e o levou à um hospital para que cuidassem dos seus ferimentos e para saber a situação de sua saúde.
    Seth aparentemente estava bem, mas possuía alguns machucados em algumas áreas como: barriga e braços. Eram cortes finos, mas profundos ao ponto de precisar de sutura. Como se fossem cortes causados por facas. Preocupada, Meredith passou a procurar pelos seus pais ou algum familiar   por perto, mas Seth não tinha ninguém.
    Não havia sequer nenhum documento com ele ou registro de que pertencia a um lar.
    Então, mamãe decidiu que o garoto precisava de uma nova família e resolveu adotá-lo.
    No começo foi difícil para Seth se acostumar. Ele estava sempre calado, tinha pesadelos constantes dos quais nunca falava. Sempre quis saber o que tanto o atormentava com a intensão de ajudar. No entanto, nunca tive coragem o suficiente para perguntar alguma coisa. Se Seth não falava sobre o assunto era porque queria esquecê-lo, e eu não seria a pessoa que o faria se lembrar. Para mim, a única coisa que importa é ter ele na minha vida.
Se um dia ele quiser se abrir comigo, vou estar aqui para ampara-lo.
— Sempre tão convencido. — Reviro os olhos, vendo-o sorrir — Você poderia ter ido direto para o evento. — Ele negou com a cabeça.
— Lembre-se: sou seu protetor nas horas vagas. — Respondeu, dando um aceno negligente de mãos. — E nas horas não vagas também.
— Você sabe que eu não preciso da sua proteção, não é? Isso me faz parecer que sou inútil. — Resmungo. Seth suspirou quase impaciente. — E é algo exagerado se sua parte.
— Eu não a acho inútil. — Falou de maneira sucinta. — E um irmão proteger a irmã, nunca é algo exagerado. — Ressaltou. Eu bufei para seu bom humor. — Há muita maldade no mundo e eu simplesmente não posso deixá-la sair sozinha por aí.
    Meu irmão encostou-se na cadeira acolchoada voltando a tomar o seu capuchino.
    Jordaan é um lugar pacifico, o que poderia me acontecer? Era isso que eu queria perguntar, mas então, eu percebo algo que me deixava ainda mais furiosa com sua atitude.
— Está aqui apenas para me vigiar? — Franzo o cenho.
— Não estou te vigiando, Aurora. — Corrigiu-me, pacientemente. — Vamos para o mesmo lugar, e eu estou apenas mantendo-a segura.
    Esse era um ponto totalmente contraditório.
— Seth, é a mesma coisa! — Suspiro frustrada, arrumando a minha boina preta na cabeça, meus cabelos escorridos não ajudavam a mantê-la no lugar devido. — Mas manter segura de quê?
    Como sempre ele não respondeu, e desviou do assunto.
    Bufo em resposta, cansada de seu temperamento estranho.
— Eu trouxe algo para você. — Seth enfiou a mão dentro do bolso da sua jaqueta, retirando uma caixa.
Desconversando como sempre.
— Sempre muda de assunto quando algo o afeta. — Resmungo baixo.
    Ele apenas sorriu mostrando seus dentes perfeitos.
    A caixinha é na cor lilás em formato quadrado e meu irmão a entregou para mim. Olhando-a confusa, abro-a, e dentro havia um colar. A corrente era na cor prata e o pingente pontiagudo como um pedaço fino de gelo.
    Dentro reluziam as cores violeta e azul com vários pontinhos brilhantes.
— O colar se chama Bellatrix. — Sua voz rompe meus pensamentos. Junto às sobrancelhas não entendendo coisa alguma. — Bellatrix é conhecida como a estrela da proteção. Ela é a terceira estrela mais brilhante da constelação de Orion. Dizem que quem usa qualquer coisa que seja banhada por seu brilho, estará protegido de qualquer ameaça. Esse colar foi feito de um fragmento dela, ou seja, nada de mal lhe acontecerá. — Explicou de forma sabia parecendo um ancião.
    Eu não conhecia essa superstição.
— Como você sabe sobre isso? — Questiono.
    — Nunca ouvi nada relacionado a isso.
— Eu fiz as minhas pesquisas. — Sua resposta foi simples e vaga. Meu irmão ergueu-se da cadeira e veio até a mim. — Vire-se para eu colocar em você.
    Assinto, entregando o colar para ele.
— Ele é lindo, Seth. — Digo observando a pedra reluzir entre meus dedos. Então volto a minha atenção para ele, desconfiada. — Posso saber como você conseguiu esse colar?
— Eu vi em um site e apenas comprei. — Disse.
— Só isso? Não tinha mais nada?
    Procurei o seu olhar em busca de mais respostas.
— Não tem mais nada. — Balançou a cabeça convicto. Hum. Observo-o.
— Mas por que me presentear se ainda não é meu aniversário?
— Então eu só posso lhe presentear quando for o seu aniversário? — Olhou-me divertido. — Ah, então me devolve. — Pediu, tentando pegar o colar de volta, eu me desviei de suas garras.
    Nós éramos assim, em um momento eu queria matá-lo por causa da sua proteção exacerbada, mas depois de alguma forma ele encontrava um jeito de me pedir desculpas. Seja de maneira direta ou indireta.
    Ele voltou a sentar e tomou mais de sua bebida.
— Obrigada pelo presente. Não vou tirá-lo por nada nesse mundo.
— Acho bom mesmo, mocinha.
    Apontou seu indicador para mim, o tom da sua voz era como um aviso.
    Ainda sorrindo, olho para um ponto atrás de sua cabeça vendo a garota.
    Serena Stewart.
    Minha melhor amiga desde o sétimo ano.
Usava uma calça jeans preta rasgada nos joelhos, vestida com uma blusa vermelha e coturnos pretos. Seus cabelos escuros estavam soltos sobre os ombros, em sua cabeça estava seu típico boné de beisebol preto que ela sempre usava quando era verão. Ela segurava a jaqueta de couro que está sobre seu ombro. A beldade possui uma prepotência no andar que é magnifico.
     A nossa amizade deu início em meio a uma briga na escola. Um moleque havia roubado o meu dinheiro do lanche naquele dia, e a Serena presenciando a cena, me ajudou a dar uns socos no garoto. Eu não me orgulho disso, mas também não deixaria levar meu dinheiro assim. Levamos detenção de uma semana, e claro, resultou para mim um mês de castigo dado por minha mãe.
    Desde então, não conseguimos viver afastadas uma da outra. Fazemos tudo juntas e sempre compartilhamos o que nos incomoda, e é por isso, que eu sei identificar com um olhar quando ela está bem e quando não está. Como agora.
    Seus lábios avermelhados se abriram em um pequeno sorriso.
    Ao se aproximar de nós, ela puxou uma cadeira sentando-se entre mim e o Seth.
— Desculpem-me pela demora. — Retratou-se, sua franjinha estava perfeitamente arrumada por debaixo do boné, apesar do vento que transitava entre nós.
    Seth a examinou minuciosamente antes de perguntar.
— Problemas com o seu padrasto de novo?
    Não havia mais aquele ar tranquilo em seu rosto.
    Meu irmão e a Serena se tornaram grandes amigos desde o dia que ela me ajudou com o ladrãozinho de dinheiro.
    Serena suspirou, assentindo.
— Ele voltou a beber de novo. — Informou impaciente. — Todas as vezes que se aproxima a data do aniversário da mamãe, ele age dessa forma. Como se a bebida fosse o único jeito de aliviar a sua dor.
    Serena não possuía uma relação afetiva com o seu padrasto. Esses desentendimentos surgiram depois da morte de sua mãe. Por ainda ser menor de idade, ele tinha a guarda dela. Então não havia muitas opções de escolha a não ser aturá-lo.
— Eu sinto muito por tudo isso, Serena.
    Seguro a sua mão para lhe passar conforto. 
    Seu olhar tilintou gratidão.
— Mas ele não tentou te bater de novo não, certo? — A pergunta do meu irmão saiu afiada como uma faca.
    Eu a olho assustada esperando a sua resposta.
    O padrasto da Serena em meio a um momento de surto por causa da bebida, tentou agredi-la uma vez com o seu excesso de fúria. No entanto, a minha amiga conseguiu contê-lo antes que levasse uma tapa na cara.
    Seth e eu havíamos chegado bem a tempo para evitar que ela desse o maior soco no Neandertal do Silas.
— Não. — Assegurou. Seu olhar se encontrando com os nossos. Seth relaxou e eu também. — Eu sei que o meu padrasto está descontrolado. Já sugeri que procurasse ajuda na clínica de reabilitação, mas ele prefere continuar com seu estado deplorável. Não sei mais o que fazer.
    Serena não merecia passar por isso.
    Na verdade, ninguém merecia.
— Sabe que pode contar conosco. — Digo, tocando no seu ombro. — A nossa casa sempre vai estar aberta para você.
— Agradeço o apoio, gente. — Ela olhou para nós. — É muito significativo para mim.
— Não precisa agradecer, sabe disso melhor do que ninguém. — Seth disse.
    Ela assentiu e por breves segundos seu olhar ficou pensativo.
— Não gosto de demonstrar fraqueza. — Queixou-se.
— Demonstrar fraqueza é sinônimo dos fortes. — Seth olhou para ela. — Pedir ajuda quando o fardo está pesado é um ato de coragem.
— Eu lhe devolvo as mesmas palavras. — Ela falou, fazendo meu irmão rir. — Que aquilo que você carrega dentro de si venha ser libertado.
    Ela desejou.
    Prendo a atenção no meu irmão que agora está com um olhar ponderativo. Retiro a atenção dele quando os dedos dela avançaram para o pingente em meu pescoço, analisando a pedrinha com curiosidade.
— Colar bonito. — Ela diz. — Bem diferente dos que a vejo usar.
— Sim. — Respondo, abrindo um sorriso. — Seth me entregou antes de você chegar.
— Entendo. — Assimilou. — Bem, ele é o seu irmão e sabe como lhe presentear antes da data. Sempre gostou de chegar antes de todos.
    Seth sorriu e bebeu mais do capuchino.    Serena pegou o meu e passou tomar. Que garota mais afrontosa.
— Garotas? Não deveríamos está nesse momento no Vondelpark para o show beneficente da escola? Já se passaram das cinco e meia da tarde. — Ele avisou, olhando para o relógio em seu pulso.
    Bato em minha testa e Serena põe a mão na cabeça.
— Deveríamos estar lá antes das cinco e meia. — Levanto-me, pegando a minha mochila.
    Meu irmão e minha amiga se levantam também. Seth pagou a conta e partimos em direção ao Park principal.
    Uma vez por ano na época do verão, a nossa escola realiza um Show Beneficente para arrecadar: lucros, alimentos e roupas para os orfanatos próximos. A esposa do governador, a senhora Montês, era a diretora da escola e, por seu marido ser uma figura pública, cairia bem esse ato de bondade. Ajudaria a Escola Belt Montês a ter mais visibilidade e credibilidade.
    Seguimos para o leste na Bloemstraat em direção à Eerste Bloemdwarsstraat, com passos rápidos e apressados sabíamos que estávamos bem encrencados quando viramos à direita na Elandsgracht. A rua estava tranquila para caminhadas, mas nós não estávamos sujeitos a isso no momento.
    Chegaríamos ao Vondelpark em menos de sete minutos, e com certeza o nosso professor de Educação Física, Abner Williams iria nos dar a maior bronca de todos os tempos por estarmos atrasados para algo tão importante.
    Passando por ruas e vielas, chegamos ao   Park mais famoso de Amsterdam. Respirando fundo, nos entreolhamos ao chegarmos à entrada do lugar, o portão de ferro de cor escura e letras garrafais douradas denunciavam o nosso fim.
    MORTOS!
    Prosseguimos sob aquele imenso gramado verde caminhando em direção a nossa barraca. O Show Beneficente estava acontecendo ao lado do lago que ficava no centro do Park onde seria mais atrativo.
    O Vondelpark era um espaço convidativo principalmente no verão, mas durante o inverno era esplendido. Havia uma ponte sobre um pequeno lago que ao inverno parecia cenário de filme.
    Andar de patins no gelo era uma atividade satisfatória para mim.
    Como o sol já havia ido embora, às luzes que cercavam o lugar o deixava ainda mais glamoroso e chamativo. Algo de que os turistas e moradores gostavam. O Park continuava cheio como todos os anos.
    Assim que chegamos próximo das barracas feita pelos os outros alunos, o professor Williams nos avistou de longe com seus olhos de águia esmeralda. O homem parecia possuir um radar ligado 24hs para aqueles alunos que transpirava encrenca. A carranca que habitava em seu rosto não era das melhores.
    Ele coçou sua barba por fazer, levemente irritado e nos esperou até que estivéssemos pertos o suficiente.
— Campbell's e Stewart estão atrasados. — Disse furioso, mas mantinha o tom de voz baixo somente para nós ouvirmos. — Onde estavam?
    Seth não disse nenhuma palavra a sua indagação assim como Serena. Vendo que eles não iriam respondê-lo, eu dei a resposta mais esfarrapada que encontrei no momento.
— Perdemos o ³Tram, senhor Williams. O senhor sabe... — Pondero, recebendo seu olhar desconfiado. — O bonde sempre passa no horário certinho. — Menti, mostrando um pequeno sorriso.
    Vi pelo canto do olho que Seth estava taciturno. Serena me olhou descrente devido a minha resposta.
    Olhei-a dizendo com os olhos "Faria melhor?"
    E ela me respondeu de volta "Sim, faria."
    Então o professor Williams pigarreou chamando a nossa atenção.
    Claro que ele não acreditou. Não era necessário pegarmos o Tram.
— Por que algo me diz que eu não deveria acreditar nessa sua história, Campbell? — Questionou, cruzando os braços. Sua camisa social azul colou ainda mais no seu corpo malhado.
— E por que não deveria? — Fingi certa irritação. — É a mais pura verdade.
    Eu merecia um prêmio por isso. De melhor cinismo do ano.
    O professor nos observou por um momento e depois inspirou fundo.
— Da próxima vez, sejam mais responsáveis. — Nos advertiu. — Vão para os seus lugares e façam o que tem que ser feito. Estarei observando vocês.
    Apontou seu dedo indicador para nós.
Seth deu-lhe as costas sem proferir palavra alguma. Serena me puxou pelo braço e caminhamos para nossa barraca onde a   Amber nos esperava.
— Você sabe que ele não acreditou nessa sua desculpa esfarrapada, não é? Nem eu acreditaria se estivesse no lugar dele. — Minha amiga falou baixo.
— Eu sei. — Inalo profundamente. — Mas pelo menos deixou passar.
— Aurora, Abner nunca vai esquecer essa falha. — Diz. — Aquele homem é um sádico.
— Quem mente é filha do capiroto, não sabe maninha? — Seth zomba.
    Agora ele fala.
    Dou-lhe um soco no seu braço e ele riu.  Claro, não causou efeito nenhum.
— Vocês dois deveriam ter dito alguma coisa! — Exasperei, recebendo um risinho da  Serena e um olhar do meu irmão.
— Era só ter ouvido a bronca. Até porque, realmente estamos errados. — Ele disse pacientemente.
— Sempre certinho. — Serena esnobou. Ele sorriu olhando para frente.
    Suspirei fundo, e não falei mais nada.
Caminhamos até a Amber que estava em frente à barraca tentando amarrar a faixa na parte superior.
    Amber é baixinha, mas tinha um corpo volumoso e com belas curvas; de pele morena, seus cabelos eram encaracolados iluminados. Estava de short jeans e blusa floral branca de mangas longas que caía bem em seus ombros.
    Assim que nos viu se aproximar, seu olhar verde brilhou e ela sorriu.
— Por que vocês demoraram tanto? — Perguntou quando chegamos perto.
— Displicência nossa. — Digo, pegando o outro lado da faixa para ajudá-la.
    Estava escrito: Ingressos aqui!
— Fizemos um bom trabalho, não fizemos?
    — Amber olhava para a barraca artesanal, orgulhosamente.
— Claro que fizemos. — Serena apareceu com os ingressos em mãos.
— Quem começará a primeira rodada de vendas? — Seth perguntou, apontando para os ingressos.
— Você e Amber. Esse foi o combinado. —    Serena relembra.
    Amber fez uma careta de desprazer.
Ela não gostava muito do Seth desde o dia em que ele tirou uma nota maior que a sua no ensino fundamental. Nesse dia, ela acertou um soco no queixo dele. Foi uma grande cena.
    A morena é muito competitiva com relação às notas. Os dois apostaram quem tiraria a maior nota em Biologia e a garota acabou perdendo por cinco décimos.
Ele feriu o seu ego, e ela não o perdoou por isso.
— Águas passadas não movem moinhos, Amber. — Meu irmão soltou sarcasticamente. Amber o olhou feio. — Largue o fundamental e se adeque ao presente.
— Aliás, como anda seu maxilar? — Os olhos da minha amiga faiscaram em sua direção.
— Por favor, não comecem. — Peço, escondendo um riso.
    No entanto, Serena deu uma risada nasalar fazendo meu controle se esvair.
— Do que vocês estão rindo? Não vejo graça. — Amber nos advertiu furiosa.
— Sinto muito. — Paro abruptamente e Serena me acompanha.
    Há algo mais trágico do que isso?
— Aurora!
    Por que eu fiz a grande pergunta de um bilhão de dólares? Esse tipo de questionamento sempre acabava em uma situação catastrófica.
    Minha felicidade se dissipou como água quando escorre pelos dedos apenas com o som dessa voz.
    A filha do ⁴Voldemort. Pesado? Sim. Mas para ela era como um elogio.
    Violet Williams.
    O pesadelo daqueles que não se curvam a ela.
    Por ser a sobrinha do Williams, a popular da escola achava que por alguma razão ditava as regras. Não nos dávamos bem desde o primeiro ano do ensino médio na Belt Montês.
    Seu passatempo era me infernizar com o que podia, mas eu sabia fazer melhor, e ela me odiava muito mais por enfrentá-la.
— Aurora, não está me ouvindo? — Radiação emanava de sua voz. Viro-me cínica.
— Depende muito de quem me chama. — A afronta saiu na minha voz. — No que posso ajudá-la? — Seus olhos crispavam fogo ao ouvir meu deboche.
    A roupa que ela usava não era apropriada para um evento escolar. Para uma balada, sim. Seu vestido preto colado e curto com às mangas regatas mal cobria o corpo. O salto vermelho batia no chão, impacientemente.
— Preciso que você pegue algumas caixas que acabaram de chegar. O caminhão de cor amarela com letras grandes está a sua espera na entrada do Park, entendeu? — Ordenou, observando as suas unhas, como se olhar para mim a cansasse.
— A patricinha metida a besta dando ordens. — Serena diz, ironicamente com um pequeno sorriso. — Quem você pensa que é? A estrela guia?
— Não, é a estrela caída. — Amber falou, cruzando os braços.
— Garotas — Cantarolou Seth entediado. — Não gastem saliva com qualquer um.
    Violet crispou os lábios e ergueu o queixo presunçosamente.
    Balanço a cabeça sem paciência e antes que um falatório cansativo começasse, vou direto ao ponto.
— Por que você não faz? Essa é a sua parte.
    — Digo, trazendo sua atenção para mim.
— Williams pediu para você fazer. — Frisou de modo irritante.
    Céus! Seu sorriso era de dar nos nervos.
O seu jogo venenoso é comigo.
    De alguma forma ela soube que o professor estava furioso conosco e se déssemos algum pé fora iriamos parar na detenção. Violet era perversa, a garota não dava um ponto sem nó. E eu não iria prejudicar os outros por causa dos seus joguinhos infantis.
     Praga egípcia!
— Estarei lá. — Digo por fim.
    Violet ergueu o queixo satisfeita e foi na direção oposta.
— Você sabe que não precisa fazer isso. — Seth tomou a minha frente.
— E se eu não fizer estaremos encrencados.
    — O olhei determinada.
— Precisa de ajuda? — Insistiu.
— Não, Seth. — Asseguro. — Eu vou ficar bem. Portanto, fique aqui com as garotas.
    Ele assentiu ainda relutante, mas me concedeu espaço.
    Caminhando por entre a vasta multidão, eu pensava seriamente em duas coisas: primeiro; se eu agarrasse no pescoço da   Violet não soltaria nunca mais. Segundo: continua sendo o primeiro.
    No entanto, isso seria mais prejudicial do que benéfico. A Escola Belt Montês não tolerava badernas e eu não desejava ser expulsa no meio do meu ano letivo.
    Ela não valia a pena.
    Varrendo esses pensamentos da minha cabeça, paro de frente à barraca do tiro ao alvo vendo uma garotinha chorar. Ela apontava para o saquinho que estava preso no suporte da barraca, pelo visto, queria muito aqueles doces.
    Havia um menino maior, acredito ser o seu irmão. Ele tentou por duas vezes acertar no saquinho de doces, mas errou.   Depois tentou uma terceira vez e acertou. A menina que chorava sorriu abertamente mostrando duas janelinhas adoráveis. O menino pegou os doces da mão do aluno e os deu para ela que saltou de alegria. O mais velho bagunçou seus cabelos carinhosamente e sorriu de volta.
    Essa cena me fez lembrar-se do Seth.
    Quando éramos crianças, meu irmão agia da mesma forma e por incrível que pareça, nada mudou.
    Distraída olhando para eles, mal consigo processar o esbarrão brusco no meu braço. Massageando o músculo, procuro por entre a multidão a pessoa com um semblante confuso. Mas da mesma forma que aconteceu da mesma forma sumiu. Não tinha ninguém suspeito. De repente, uma sensação estranha se apoderou do meu íntimo. A consciência me alertou de que tinha alguém me observando.
    A voz intuitiva me deixou de cabelo em pé.
    Assustada, sinto o pavor correndo em minhas veias. Saio do lugar com passos decididos rumo ao portão de entrada do   Park em busca do caminhão. Belo dia para cair nas provocações da Violet. Que ódio!   Avisto o caminhão que se encontrava estacionado próximo a um beco devido a quantidade de carros estacionados. Então, me aproximo do veículo como se ele fosse a minha tábua de salvação.
    Apresento-me para o garoto.
    Ele usava um boné com o logótipo da empresa: papelarias e reciclagens. Seus olhos azuis me analisaram e o jovem me entregou as caixas vazias. Assinei alguns papeis e logo em seguida o rapaz deu partida no caminhão sumindo de vista.
    Arrumo as caixas em minhas mãos e dou apenas três passos. O que ocorreu foi bem mais do que sinistro, era apavorador.
    Um grito: Volte!
    Fino e angustiante vindo da parte escura daquele beco.
    As caixas em minhas mãos despencaram e os pelos dos meus braços eriçaram. Minha mente travou e ao mesmo tempo me alertou para sair daqui. As minhas pernas não respondiam o comando do meu cérebro.
    Pelos céus! Que raios é isso?
— Volte! — Continuou a voz que consegui distinguir ser uma voz feminina.
    Tampei os ouvidos, parecia estar vindo de dentro da minha cabeça. Contudo, é muito real.
    Olho para trás, para o caminho escuro sentindo meu coração martelar como um louco.
Volte! — Mais uma vez. Arregalo os olhos, e o vento cantou nos meus ouvidos como um uivo.
    Céus! Tinha uma garota ali? Estava me pedindo para ir embora ou para voltar? E se alguém estivesse abusando dessa menina? Que terror ela não estaria vivendo nesse momento? No momento, sou a única aqui que posso tentar ajudá-la, já que não tinha pessoas em volta. Todos estão no Park para o Show.
    Pego meu celular do bolso da minha saia para entrar em contato com Seth ou Serena, mas o mesmo encontra-se descarregado.
— Droga! — Esbravejo, batendo com o pé e frustrada.
    Tamborilando meus pensamentos conflituosos, penso que não deveria dar uma de mulher maravilha. Olho para trás, eu deveria ir e pedir ajuda. Mas, e se, quando eu sair e voltar ela não estiver mais aqui? Eu poderia ser a sua única chance, certo? Errado. O que eu estava pensando?  Eu era apenas uma garota também, não poderia fazer nada a respeito.
    É perigoso e arriscado. E se os homens forem mais de um?
    E com esse pensamento eu caminho para a direção do erro.
    O pequeno percurso é mal iluminado e me fez prender uma respiração de medo. Com passos vagarosos, divido a atenção entre a minha dianteira e traseira.   Pressiono o olhar para tentar enxergar melhor já que os canos de ventilação não estavam ajudando a visibilidade no lugar, deixando a fumaça percorrer o corredor.
    Parando ao lado de uma lata de lixo, avisto um taco de beisebol desgastado. Apanho e analiso-o manejando no ar. Se usado de forma correta daria um belo de um galo em alguém. Assim eu espero.
Dou os últimos passos, seja esse para morte ou para vida.
    Coragem!
    Com um último passo, viro-me e... Nada.
    Não havia nada. Era um beco sem saída!
    Continha apenas uma lixeira gigantesca com um fedor horrendo. Institivamente tampo meu nariz com o antebraço para tentar camuflar o odor. Logo a minha mente estalou e o pavor tomou o lugar da adrenalina me dizendo para sair daqui rapidamente.
— Que estupida! Como você é maluca, Aurora! — Eu dizia praticamente correndo.
    Agora eu realmente estou muito assustada.
    Ao dobrar a esquina, corro o mais rápido que posso. No entanto, alguém que vinha na minha direção me fez parar abruptamente. Com a respiração aos tropeços e tensa. Noto uma silhueta aproximando-se por entre a fumaça, devagar. Cerrando os olhos, enxergo um corpo masculino. Ai meu Deus! Agora é bater ou morrer. Inclino o taco para cima segurando-o com mais força do que eu achei que seria possível.
Se eu não saísse dessa, pelo menos ferido o cara sairia.
    Puxo a respiração e não hesito esperando seu último passo. Agindo mais rápido do que um relâmpago, se é que é possível, acerto-o com o taco na cabeça causando um estalado alto. Objeto se partiu na minha mão e o homem foi ao chão com um baque surdo.
    Ele amaldiçoou. Oh céus! Eu conheço essa voz.
— Seth! — Exclamo estupefata.
— Que raios, Aurora! — Ele vociferou, levando a mão a cabeça. — Você está maluca? E que burrice foi essa de vim parar num beco?
    Arregalo os olhos. Corro em sua direção me ajoelhando de frente para ele enquanto segurava seu rosto.
— O que você está fazendo aqui? — Questiono, com a respiração pesada e os olhos em chamas, ele olhou para mim.
— Eu que deveria fazer essa pergunta, não acha? — Eu tentei respondê-lo, mas o meu irmão não permitiu. — Eu te procurei pelo Park inteiro. Tem noção do quanto me deixou assustado? Não! Você não tem. — Ele proferia suas palavras com muita raiva.
— Eu sinto muito, eu sinto muito. — Eu repetia aflita. — Mas você pode pelo menos ouvir o que eu tenho a dizer?
    Seth se levantou ainda passando a mão na região atingida. Piscou os olhos várias vezes balançando a cabeça de um lado para o outro.
    Acho que a cacetada foi muito forte.
— Não aqui. — Observou em volta.
    Segurando a minha mão fomos para a entrada do Vondelpark. Quando chegamos próximo ao portão, avistamos a Serena que tinha um semblante preocupado, enquanto roía uma unha. Assim que a beldade nos viu, caminhou apressadamente em nossa direção e me abraçou forte.
— Aurora. — Pronunciou em alívio. — Pelos céus, sua doida! Aonde você se meteu? — Soltou-me para me analisar.
    Respiro fundo não sabendo como começar.
— Como eu posso explicar? — Digo, apertando a têmpora. Meus dedos ainda tremiam.
— Comece do princípio. — Sugeriu meu irmão, ainda possesso. — Como por exemplo, por que raios estava num beco?
— Você estava em um beco? — Serena repetiu enquanto assimilava a palavra.
    Ambos me encarava esperando uma explicação.
    Coço a sobrancelha mudando o peso de uma perna para outra.
— Eu ouvi alguma coisa lá. — Começo a explicar. O cenho de ambos estava franzido. — Uma voz que me pedia para voltar. Eu não sei explicar muito bem. O único impulso que tive foi ir para aquele beco. — Informo apressadamente. — Era a voz de uma garota.
— Uma voz pedindo para você voltar? — Ela estava confusa. — De uma garota? Como assim?
— Não sei. — Agito a cabeça frustrada. — Eu só sei que ouvi três vezes. Céus! Estou parecendo uma maluca!
    Seth tornou seu olhar tempestuoso para mim.
— Mas você viu alguém lá? — Ele perguntou.
— Não tinha ninguém. — Afirmo. Minha voz não passava de um murmúrio envergonhado.
    Seth inalou profundamente passando a mão no rosto.
— Pelo menos pensou no que poderia ter acontecido se realmente tivesse alguém lá? Você foi imprudente! — Ele me advertiu e com razão.
— Desculpa, mas...
— Não tem, mas, maninha.
    Me interrompeu com a voz bravia se aproximando de mim.
— Eu não podia virar as costas e simplesmente sair. –— Discuto. — E se realmente tivesse uma garota lá?
— Você é da polícia? — Devolveu cortante.
    — Porque me deixa te dizer: não é.
— Está sendo egoísta Seth! — Logo bato em minha testa, me arrependendo da palavra.   Ele riu incrédulo.
— Egoísta? Você está de brincadeira comigo. — Ele ironizou.
— E se eu estive lá? Não tomaria os mesmos impulsos? — Questiono.
— Que raios, Aurora. Isso é diferente! — Sim, é diferente. Aonde que eu estou com a cabeça? — Se fosse você, eu não pensaria duas vezes. Nem por um minuto ou segundo. Eu não hesitaria. — Falou com firmeza. — Você é a minha irmã. A pessoa que você ouviu, não. Desculpe, irmãzinha, mas eu sou um grande babaca egoísta.
    Ficamos nos olhando. Ele com seu olhar tempestuoso e o meu culpado.
— Eu... Eu... Sinto muito por tudo isso. — Digo por fim.
    Olho uma última vez para o meu irmão e saio indo em direção a nossa casa.
    O clima para esse evento acabou.

    ¹Anne Frank era uma jovem judia que foi vítima do Nazismo.
    ²Filme de ficção cientifica com Leonardo Di Caprio.
    ³Tram é como se chama o bonde em Amsterdam.
    ⁴Voldemort é um personagem da franquia de Harry Potter.

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