Capítulo 27

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☆ Reino Lunar ☆

Aurora ♡
    
    O motorista estacionou a uma distância razoável da escola. Da janela, via-se os muitos alunos, alguns a pé e outros de carro. Todos vestidos a caráter e todos estavam eufóricos. Para nós, estudantes da Belt Montês, um baile era como se refrescar nas águas do mar depois de três semanas intensas. Dessa vez, os alunos haviam caprichado nas suas fantasias; uns vieram vestidos como personagens de animes, outros como vilões e mocinhos dos contos de fadas.
    Mesmo daqui de fora dava para ouvir a música estrondosa tocando lá dentro.
    Serena pagou o homem e saímos do carro. Nervosa e ansiosa, alinho o meu vestido e arrumo as asas. Havia duas amarras em cada lado dos meus braços para sustentar as asas e deixá-las abertas na horizontal quando precisasse.
    As meninas se posicionaram cada uma ao meu lado, com sorrisos ansiosos.
– Está bem lotado como sempre. – Amber observa animada. 
– Não sei. Já que essa é a minha primeira vez. – Digo. E última.
– Depois desse baile, você vai querer estar em todos. – A morena me olha com um sorriso doce nos lábios.
– Acho que não. – Expresso sem humor.
    Serena pigarreou.
– É melhor entrarmos, não acham? – Ela indicou o caminho, me dando um olhar repreensor.
– Eu estou aqui para curtir. – Amber levantou as mãos, decidida.
    Respiro fundo para acalmar meus ânimos.
– Então vamos lá, meninas.
    Ambas sorriram satisfeitas e caminhamos para a entrada que estava um aglomerado de alunos e professores. 
    Seguimos pelo pavimento recebendo olhares significativos dos alunos. Eles tagarelavam elogiando as nossas fantasias. Enquanto caminhávamos na trilha de entrada, vi a Violet vestida de Mulher Gato. O chicote estava preso no cinto em sua cintura, a roupa preta bem colada à sua pele, delineava as curvas do seu corpo. A popular ria de alguma coisa que suas amigas com fantasias de medica diziam.
    Antes de passar por elas, Violet acenou com a cabeça para mim, quase que imperceptível e fiz o mesmo. Durante os meses que ficamos na ornamentação para a festa, não trocamos nenhuma palavra. Até soube por alguns alunos, durante a correria das últimas semanas, que a garota havia terminado seu relacionamento conturbado de vez com o Josh. Os donos dos falatórios disseram que o jogador não agiu bem e que até socou um dos armários. Violet acordou antes que seu nome se sujasse de vez e antes que Josh a usasse mais uma vez. No entanto, apesar de ter aplaudido a sua atitude, não muda nada com relação a nós. Continuamos cada uma seguindo seu próprio caminho.
    Passamos por elas e abrimos as portas.
    
         (Ruelle – The World we made )
   
A música preencheu nossos ouvidos.
    E então, percebo que estou dando o último passo nesta dimensão. Estou prestes a ser quem jamais fui, a um passo do meu destino... Minha predestinação.
    O corredor de entrada estava decorado com máscaras e mistérios. Balões e fitas coloridas presas no teto. As luzes estavam apagadas, as pequenas luminárias postas no chão é que ditavam a iluminação bruxuleante deixando todo o corredor enigmático. A fumaça cobria nossos sapatos e um cheiro doce era sentido. Nos encaminhamos para o salão de festas e abrimos as portas, e como o esperado, a pista de dança encontrava-se lotada. Acompanhamos o balançar dos corpos dos alunos e os muitos que se aproveitavam de suas bebidas regradas pelos professores.
    Uma enorme bola prateada girava acima de nossas cabeças refletindo diferentes cores nos rostos e corpos do pessoal. A névoa arroxeada cobriu o piso se espalhando pelo espaço e nos corpos. O palco estava bem mais a frente com os equipamentos dos músicos postos nos seus devidos lugares, os refletores de teto e os refletores que estavam no chão se encontravam desligados.
    Sinto as batidas sôfregas do meu coração e aperto os dedos, imaginando qual seria a fantasia do Luc. Aliás, não era somente essa surpresa que ele tinha reservado essa noite, mas as músicas que cantaria. O príncipe sombrio tinha me contado que fazia muito isso no Reino, nas festas do Vilarejo, contudo, eu nunca o ouvi cantar.
    O que será que eles haviam preparado?
    A voz da Amber me fez sair dos meus pensamentos.
– Vou pegar bebidas para nós. – Ela anunciou, sua voz saindo alta, devido a música.
– Está bem. – Digo.
    A morena assentiu e foi na direção da mesa de bebidas.
    Quando me volto para Serena, a vejo remexer o corpo, e sorrio com a imagem.
– Como foi a sua despedida com o Silas? – Pergunto. Ela olhou para mim.
– Pedi que continuasse com o tratamento. Somente isto. – Respondeu. – Apesar dos nossos desentendimentos, foi ele quem mais deu apoio a Catarina, minha mãe para me adotar na época. Antes dela falecer, Silas era uma ótima pessoa, mas depois que Catarina partiu, ele se despedaçou. Suas atitudes diante a morte dela não são justificáveis, mas compreendo a dor que sentiu.
    Serena tinha acreditado que havia perdido o Uriel, até ele aparecer novamente.
Por mais que a beldade não nutrisse certa animosidade pelo padrasto, devido as desavenças, ainda assim, a garota sentia pena dele.
– Silas não desconfiou de nada?
– Não. – Ela afastou a franjinha dos olhos, e encostou o cotovelo na mesa. – Eu nunca demonstrei nada que fosse suspeito. Para falar a verdade, algumas vezes, eu usei a magia para que ele dormisse nos seus primeiros dias de reabilitação.
    Ela me olhou de soslaio, apertando o lábio para não sorrir.
– Olha, isso foi gentil. – Sorrio.
– É, foi sim.
    Suspirou e fixou seu olhar na pista de dança. 
– Vai sentir falta dele? – Procuro seu olhar.
    Serena ponderou, maneando a cabeça.
– Não. Mas, vou levar a bondade que teve para comigo quando apoiou a Catarina. Silas enfrentou a sua família para que sua esposa pudesse me adotar. Eles não queriam um órfão na família, mas mesmo assim, ele lutou ao lado dela. – A Lunar tornou seus olhos para mim. – Então, dessa atitude eu não posso esquecer.
– Por que nunca me contou isso? – Pergunto.
– Porque apenas não queria recordar. A rejeição deles machucava.
– Eu sinto muito. – Seguro seu braço, em empatia. – Deveria ter dito para mim.
– Está tudo bem agora. – Me tranquilizou, e sua voz era sincera.
    Faço uma careta para aqueles olhos risonhos.
– Mas antes não estava. Eles são uns imbecis!
– São sim. – Ela disse. – Mas acredite, eu recebi amor suficiente da Catarina.
– Acha que ele vai viver bem agora? Aliás, Silas não tem a família, a esposa e muito menos você.
– Silas vai sofrer um pouco. Na verdade, pode até voltar a beber. No entanto, nós não podemos fazer nada.
    Até porque, aqui não é o nosso lar. Se continuarmos aqui depois da minha transformação, essa dimensão vai explodir. Então, para qualquer lugar que a gente vá que não contenha magia, o destino será o mesmo.
    Inalo profundamente, passando a mão no cabelo solto.
– Minha mãe vai achar que nós fugimos ou fomos sequestrados. – Digo, sentindo um grande pesar. – Não sei o que mais pensar. Queria encontrar um jeito para que ela não sofresse tanto. Meredith não vai suportar a perda dos filhos.
– No fim, todos nós sofremos. – Serena soprou. – A sua responsabilidade impele a você esse sacrifício. Grandes chamados sempre vão exigir grandes sacrifícios.
    Silencio, assimilando suas palavras.
    Amber retorna com nossas bebidas.
    Aproveito e ingiro uns bons goles sentindo o gás queimar a minha garganta. Serena tocou em meu ombro, apontando para a frente e vejo o Seth vir em nossa direção por entre as luzes ofuscantes do ambiente. A fantasia era roupas de época? Uma camisa social branca dobrada até os cotovelos, por cima, um colete azul escuro. A calça de couro preta e a bota cano alto na mesma cor. No seu pescoço um lenço dourado requintado fazia o contorno e em sua mão a cartola azul.
    Ele agitou os cabelos escovados com os dedos e aquelas madeixas castanhas douradas caíram sobre a sua testa escondendo suas sobrancelhas. Meu irmão se aproximou da gente e não notei que a minha boca estava aberta até ele fechá-la.
    De sorriso impertinente, seus olhos esverdeados se encontraram com os meus chocados. O Lunar estava irritantemente bonito e sua fantasia lhe caiu como uma luva. A máscara preta estava a mostra dentro do outro bolso da calça. 
    Analisando-o bem, junto às sobrancelhas analisando a cartola.
    No bilhete que o Luc me enviou, ele havia falado de uma cartola.
    Mas que tipo de personagem usa uma cartola? Subo o olhar para meu irmão e quando a luz amarelada iluminou seu rosto esbelto, percebo um desenho de uma cicatriz no formato vertical no seu olho direito.
    Cartola, cicatriz? Esbugalho os olhos quando percebo a charada. Ah, não! Eu sei de onde veio essa inspiração.
– Está vestido de Julian?! – Grito, ao testificar. Estou estupefata! Meu irmão simplesmente assentiu e meu queixo caiu novamente. – Irmão daquele lunático! Não acredito.
    Serena ficou confusa e Amber gargalhou.
– Do que vocês estão falando? – Ela indagou, perdida no assunto.
– Nunca leu Caraval? – Perguntou a morena. A Lunar negou com a cabeça.
     Amber revirou os olhos, enquanto Seth nos olhava divertido.
– Julian é um dos personagens desse livro. – Ela explica. – Na história, ele trabalha para o irmão no jogo dele para que o mais velho obtenha seus fins.
– Ah, estou me recordando. – Serena diz, ao captar. – É aquele livro que a Aurora xingou o irmão mais velho por semanas. Como era o nome dele?
– Lenda. – Rosno, entre dentes e fixo olhos nele. – Que jogo sujo.
    Eu nutro amor e ódio por esses personagens.
– Esse livro a fez duvidar até da própria sombra. – Diz Seth. Ele estava tirando sarro de mim.
– Deve ser por isso que sou tão desconfiada. – Digo. – Aliás, desde quando se interessa por personagens aleivosos?
– Oras, desde que você reclamou por semanas a respeito deles. – Disse, dando de ombros. – Eu conhecia outros personagens, mas nenhum nos instigou tanto.
    Cerro os olhos querendo degolá-lo.
– Nos instigou? – Repito, e logo a compreensão recai no meu semblante. – Não vai me dizer que a fantasia do Luc... É de Lenda?!
    Estou alterada, meus nervos à flor da pele. Estava tão óbvio!
    Meu irmão gargalhou e as garotas prenderam o riso.
– Aliás, ele disse que depois devolveria seus livros. – Seth contou.
    Estou paralisada.
– Como é que é?
– Eu os emprestei para ele, ué.
– Como podem ser tão traiçoeiros?
– Apenas estamos desempenhando bem nossos papeis.
    Ele piscou o olho, abrindo um sorriso. Seth se aproximou de mim e segurou meus ombros, olhando-me carinhosamente.
– Feliz véspera de aniversário, maninha. – Ele diz. 
– Devo acreditar que é uma felicitação sincera?
– Nesse momento não estou no personagem.
– Você é terrível sabia? – Aquele sorriso se ampliou. – Obrigada.
    Ele me puxou para um abraço e eu enlaço a sua cintura.
– De nada. – Falando próximo do meu ouvido, ele disse: – Aliás, sua fantasia está muito evidente para quem conhece a verdadeira história.
– Culpe a Serena. A garota gosta desse tipo de jogo.
– Ela nunca escondeu suas óbvias façanhas.
– Sabe, todos vocês são parecidos.
    Ouço a sua risada e ele se afasta.
    A minha nuca arrepiou e congelo no lugar.
    Meu irmão sentiu a presença do seu Illius atrás dele.
– Bem, essa é a minha deixa. – Seth se despede, mas não presto atenção nele.   

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