V - Gosma verde, Palmitão e Caramujos

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Evandro estava apoiado em uma das mãos na parede verde descascada e com a outra estava alisando sua testa suada e oleosa, no chão uma possa de vômito esverdeada era a causadora de várias caretas de nojo. O garoto parecia um palmito e sua boca uma beterraba, eu não sabia o que estava acontecendo e nem o porque daquele vômito ser tão verde daquele jeito que parecia querer se transformar em uma grande gosma verde e sair devorando todos daquele pequeno bairro.

"Você está bem querido?"

Devido as circunstâncias acho que foi um pouco incovinente da parte de Dona Joséfa perguntar aquilo para Evandro tendo em vista de que ele estava visivelmente cada vez ficando mais branco e suas pernas bambeavam com qualquer mínimo movimento que ele fizesse com o seu corpo se inclinando para frente no mesmo instante, por um momento pensei que ele fosse cair então passei em meio ao pequeno aglomerado de pessoas e segurei seus braços que estavam gelados e suados, ele parecia uma cachoeira. Puxei-o para dentro do portão e o fechei com dificuldade segurando Evandro com um dos braços e com a outra mão segurava a sacola com a mudinha de cacto que ganhei.

"Que nojo! E ainda vai deixar essa coisa nojenta aqui"

Enquanto ia subindo a escada escutava as reclamações e o movimento que ia saindo do portão da minha casa. Em questões de segundos Evandro ao ver que estava dentro de casa tirou seus sapatos e deitou no chão de forma rápida, não falou uma palavra sequer durante vinte e cinco minutos até cheguei a cutuca-lo para me certificar de que aquele grande palmito deitado no meio da minha cozinha não tivesse morrido, mas por sorte estava apenas dormindo já que resmungou algo sem sentido e virou de lado. Sem saber muito o que fazer me sentei em uma cadeira e senti meu estômago se contrair parecia que um buraco negro estava se formando nele, estava com muita fome.

Quinze minutos depois após eu ter devorado minha torre de 5 pães de forma com presunto e mussarela o Palmitão acordou e se levantou parecendo um morto-vivo andando todo desengonçado, se sentou na cadeira na minha frente e me olhou indignado, sua pele havia ganhado uma cor mais rosada em comparação a meia hora atrás, estava muito indignado para alguém que parecia estar morrendo minutos antes.

"Eu ali quase morrendo e você se entupindo de pão. Já pensou se eu tivesse morrido?!"

"Você quase morrer não tem nada a ver com a minha fome"

"Senti muitas dores no estômago"

"Que merda foi aquela coisa verde que você comeu?"

"Suco de couve"

"Eca"

Eram quase 6 da tarde e o sol já ia se pondo, a energia não havia voltado ainda não sabia nem se tinha velas em casa, meu celular havia descarregado e fazer uma fogueira seria uma má ideia. Precisaria dormir cedo como as galinhas já que não tinha nada para fazer naquela escuridão, joguei um colchão para Evandro no chão ao lado da minha cama e enquanto isso fui tomar banho, aquela água gelada parecia congelar minha pele aos pouquinhos não me forcei a ficar mais que cinco minutos embaixo daquele chuveiro, penso em como vou me livrar de Charles com aquela foto mas pra isso de alguma forma aquele antigo perfil da mãe de Evandro, que até aquele dia eu não sabia nem que existia, teria de ser apagado, segunda-feira estaria ferrado e já me imagino chegando la e todos fofocando ao meu respeito. Aquele Pimenta miserável merece uma boa lição mas claro que eu aqui todo magrelo e fraco só com um soco dele se desmontaria feito um Lego, era preciso valentões assim como ele.

Evandro ria. Em silêncio e com o ouvido colado a porta tentei saber o que estava acontecendo, ele falava palavras tão baixas que eu não conseguia identificar e ja começava a ficar com medo da possibilidade de ter trazido para casa um esquizofrênico, um doido varrido disfarçado que conversa sozinho nas madrugadas. Sei que estou exagerando, mas naquele momento em meio a escuridão não tinha coisa alguma que poderia ser engraçada a não ser que ele tivesse se lembrado de uma piada que não houvesse tido sentido quando a contaram mas que ele no completo silêncio e pensativo tivesse percebido qual era o sentido na piada, sim isto foi algo bem específico e eu confesso que 1 mês depois de ter escutado uma piada finalmente fui entender o real sentido, meu raciocínio é meio parado.

"Quem em pleno século 21 tem um diário de papel? Aliás quem tem um diário?"

Diário?

A porta do banheiro bateu fortemente contra a parede quando sai desesperado correndo com toda a velocidade para o quarto enrolado em minha toalha branca, Evandro se mantinha sentado no chão no mesmo lugar que havia saído logo após o vendaval. Folheando Dário ele ria mas ao mesmo tempo suas expressões mudavam para dúvida. Paralisado feito uma estátua eu tentei pensar em algo para pegar Dário das mãos deles o mais rápido possível mas já não adiantava quando o que era mais terrível de alguém descobrir estava escrito logo nas primeiras páginas, quando em um momento de pensamentos bagunçados eu tentei relatar os momentos da minha vida como forma de deixar esvair toda essa confusão que me deixava com insônia e momentos em que eu cheguei a passar dias com uma dor de cabeça que não passava nem com os chás malucos que Dona Berenice fazia pra mim com todas aquelas ervas desconhecidas que ela mesmo cultiva. E claro, relatei momentos embaraçosos e vergonhosos, como o dia em que eu escorrei em uma casca de banana e caí no patio da escola.

Desengonçado me estiquei sobre Evandro e segurei meu diário, parecia um show de um circo ou uma brincadeira de cabo de guerra, cada um puxava de um lado até que em segundos fui ao chão de costas e com a capa e algumas folhas que restaram em mãos surgiu uma raiva absurda que vinha fervendo o meu corpo e desejei dar um soco naquele estrupicio, fechei minha mão direita e seu olhar percorreu até ela o garoto arregalou os olhos saiu em disparada e entrou no primeiro cômodo que viu pela frente, a porta foi fechada com tanta força que poderia ser ouvido la de fora. Tomado pela tristeza peguei a outra metade que Evandro jogou antes de sair correndo e as guardei no fundo do meu guarda-roupas, trancado no banheiro aquele inútil palmito não queria mais sair de jeito nenhum e para nosso azar quando finalmente decidido a sair escutei o tilintar do trinco ao chão.

"Droga !"

"Que diabos você fez?!"

"Vai se lascar Procópio. Você queria me matar!"

Naquela imersa escuridão tentávamos achar um jeito de abrir aquela porta, a toda velocidade fui em direção a ela e com um chute tentei arromba-la mas sem sucesso senti meu pé doer e por um instante acreditei ter quebrado quando cai de bunda no chão. E a porta? Bom, infelizmente e vergonhosamente parecia que não tinha feito nem míseras cosquinhas, ainda bem que ninguém tinha me visto a não ser os fantasmas da casa, essa última ideia me fez arrepiar os pelos dos dedos dos pés ao das mãos como um belo de um medroso. A blusa jogada de qualquer maneira em cima da cadeira no final do corredor parecia agora tomar a forma de uma pessoa robusta, o Leatherface talvez? Não não, o Freddy Krueger seria mais possível e apareceria em meus sonhos quando eu dormisse. Para alguém que morre de medo de filmes de terror apesar de eu não assistir ja li a respeito desses tenebrosos.

"Ta aí ainda?"

"Pra onde eu iria?"

"E se eu tentasse sair pela janela?"

"Esqueceu que aqui é como um segundo andar, você despencaria no chão"

"Não custa tentar"

Agora eram onze da noite, dois loucos e um plano infalível. Eu estava de pé no minúsculo corredor ao lado da casa olhando para cima enquanto tentava colocar a escada embaixo da janela, o céu estava claro e pude ver as três Marias, um grilo chato cantava a sua música Cri que entrava pelos meus ouvidos e fazia arquear minhas sobrancelhas, expressão digna em um fim de tarde de domingo ao som de um samba de fazer explodir tédio. Evandro com medo passou pela janela e começou a descer, apesar dele ser magricela aquela escada velha e enferrujada tremia a cada degrau descido, senti algo subir pela minha perna direita grudento e gosmento, tão entretido e na expectativa de que aquela escada não caísse nem me importei com o bicho e só com um tapa tentei fazer com que ele caísse. Soltei um grito fino e estridente quando minha mão ficou com algo grudento misturado com uns pedacinhos de uma casca fininha, era um caramujo.

Pobre caramujo, semana passada eu já havia pisoteado vários de seus parentes acho que se dependesse da minha distração por onde ando; a sua família já devia estar aniquilada uma hora dessas.

Procópio Não Gosta Desse NomeOnde as histórias ganham vida. Descobre agora