VII - Escondidos do pimenta no Sexshop

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Sempre tem que ter um cachorro que se vê na obrigação de latir e assustar quem passa na rua, nesse instante acredito eu que tenha sido um raivoso pinscher, o chinelo chega a escorregar no pé em meio ao susto e ameaçar correr. O centro estava funcionando normalmente, ou seja, nenhuma árvore havia caído e se tivesse a prefeitura arrumou um jeito de retirar em instantes o que é uma pura sacanagem, o bairro onde moro pelo pouco tempo já presenciei umas seis vezes uma queda de energia que demorou uns quatro dias a retornar novamente. Lembro-me como se fosse hoje da minha mãe surtando quando abriu o congelador e as carnes estavam esverdeadas, tudo bem que nossa geladeira não era enhuma de aço inox frost free com aguinha gelada na porta, mas nem o seu trabalho de congelar as coisas ela estava cumprindo, seu fim foi o ferro velho.

Com aquela cabeleira vermelha, bochechas gordas parecendo tomates embutidos na cara, lá vinha Charles emburrado xingando sua duplinha que pareciam - me perdoem, não quero lhes ofender bichinhos que vou citar agora - Sarues recém nascidos. Otávio me parecia um tanto retirado da realidade e Willy ficava de cabeça baixa concordando com tudo que o Pimenta dizia. Puxei o braço de Evandro que estava distraído retirando pelos de gato de sua camiseta, entramos em uma loja e eu podia jurar que tínhamos passados despercebidos por Charles, minhas mãos tocavam em uma bolsa de tricot lilás estranha tinham um furo no meio, naquele momento as mulheres que escolhiam sua mais nova peça de roupa que talvez seria usada uma vez só e ficariam guardadas com as mil e umas peças esquecidas no guarda-roupa, acreditavam que eu estava interessado na bolsa e davam umas risadinhas discretas, eu realmente não entendia se elas só estavam rindo ou dando em cima de mim.

"Ai meu Deus !"

Pela porta o trio passou e firmou os olhares em nós dois, a única alternativa era nos enfiarmos no trocador, o lugar era minúsculo e tinha um espelho, no teto ! Na parede tinha a foto de um homem pelado, em frente grudado no canto de outro espelho havia uma mulher segurando um chicote.

"Procópio isso é um sexshop ! "

"Mas que diabos !"

A bolsa de tricot não era nada mais nada menos que um sutiã que deixava os bicos a fora, aquela parte da frente do estabelecimento seria algo digamos que soft, quando conseguimos sair do trocador e seguimos mais a fundo na loja coisas horríveis e traumatizantes estavam escondidas imersas no fundo da loja. Evandro me olhou horrorizado, seus olhos verdes estavam arregalados até o momento em que chegamos a porta da loja, eu coloquei meu pé direito na calçada e pude escutar o barulho de bater palmas do nosso lado. Os miseráveis nos esperavam e riam como palhaços, os dentes de Willy amarelos e já sendo comidos por cáries nos proporcionou um belo show de horrores, estavamos encurralados e perdidamente lascados, pedi aos céus que um carro com um casal fugindo de um tiroteio passasse naquele instante, seria uma distração e tanto mas também correriamos o risco de levar um tiro.

"Sempre desconfiei que os pombinhos tivessem algo. Mas não sabia que era tão ... Estocolmo"

No fundo, naquela pausa, eu sabia que Charles estava tentando achar uma palavra que combinasse com o que ele achava que acontecia, mas eu tinha certeza que ele nem sabia o significado do que havia dito. Eramos Chris e Greg, prestes a levarmos uma surra do Caruso do nosso mundo, Evandro não conseguiria escapar livremente como Greg então a nossa corrida era veloz igualmente. Não aproveitamos nem sequer míseros minutos e tivemos de voltar correndo mais de 3 km para minha casa, meus chinelos escorregavam eu tive de tirar e segura-los nessa pausa senti um tapa pesado sobre minhas costas e juro que tive a impressão de escutar um estalo, meus pés grudavam nas folhas de árvores que traçavam um caminho de volta ao meu bairro. Meu coração faltava sair pela boca, a sensação de estar correndo no automático sem sentir as pernas normalmente era adrenalina pura, mesmo acima do peso Charles não desistia de correr percorreu os quilômetros até minha casa leve como pena era incrível como ele parecia tão leve quando corria.

Otávio chutou minha canela e eu agarrei o portão de Dona Berenice, gritei com o resto de ar dos meus pulmões tão alto que rostos redondos e curiosos enfeitaram as janelas das casas ao lado.

"Sumam daqui seus pestinhas!"

Meu anjo da guarda nos salvou de uns petelecos, agradeci por diversas vezes Dona Berenice por tal proeza mas ela ajeitando seu lenço colorido não respondia nada. Maurício com aquele nariz fino e gelado cutucava minhas pernas e deixava lambidas nos dedos dos meus pés, se ele fosse um humano eu tinha certeza que seria um daqueles velhos rabugentos que moram sozinhos e não gostam de visitas, que esperam na fila da lotérica mas não fecham a matraca por um minuto. Dona Berenice possuia mãos de fada, fazia receitas de uma maneira extraordinária eu bem que tentei arrasta-la para um concurso de chefs da nossa cidade mas o tanto de talento era igualmente a seu egoísmo. Ela não deixava que ninguém soubesse de suas receitas e não queria nenhum xereta perto dando palpite enquando ela lida com as suas panelas, o bolo de chocolate dela não tinha pra ninguém era simplesmente incrível e um pedação lotado de calma estava no prato que eu segurava em minha mão nesse momento.

" Sabe que Catarina veio passear aqui mais cedo. "

"Aé?"

"É. Maurício botou ela pra correr e ainda por cima fez questão de marcar território."

Um escorrido amarelo pintava o vaso de espada-de-são-jorge e demais sete vasos, pra mim isso era um enigma eu não entendia da onde saía tanta urina em poucos minutos, o tanto que aquele cachorro mijava nas coisas era incrível. Mais uma vez agradeci a Dona Berenice e voltei para minha casa, era domingo e amanhã iríamos voltar para escola, meus pais não haviam chegado ainda e se tivessem dado algum sinal de vida eu não tinha como atender ou responder as mensagens nem sequer sabia onde havia deixado meu tijolão.

Um pacote de nuggets serviu como o nosso almoço, eu sei que eu estava em casa e tinha um estoque de comida, mas não me levem a mal não era preguiça eu apenas não sabia cozinhar nem miojo, e enjoado do jeito que Evandro é nem pegado em uma panela ele ja tinha, a mãe dele tratava aquele songamonga como um príncipe e eu devia imaginar a falta que ele estava sentido de seu "castelo", mas pensando bem, no fundo acredito que a mãe dele nem se importa mais depois que arrumou um namorado novinho e foi viajar.

" Meus trinta gatos no Minecraft devem estar sentindo a minha falta "

E bate aquele momento anual em que a gente sente vontade de voltar a jogar Minecraft, fazia um tempo que eu o havia apagado e pensando pela forma que Evandro dizia batia até uma certa crise existencial em pensar que meus vinte gatos, dez cachorros e cinco papagaios se possível já deviam ter morrido. Senti minhas pálpebras pesarem e fui me deitar na minha cama que era mil vezes mais confortável que a cadeira de praia da varanda, não acordaria todo marcado dos vãos da madeira outra vez. Evandro se deitou no colchão perto da minha cama, antes que eu pudesse fechar meus olhos o garoto já estava roncando feito um trator velho.

Procópio Não Gosta Desse NomeWhere stories live. Discover now