Doute | Dúvida

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"Todos os grandes diretores dizem ‘NÃO’ a alguma coisa. Federico Fellini aos exteriores reais, Ingmar Bergman ao acompanhamento, Robert Bresson aos atores profissionais, Hitchcock ao documentário" frase perspicaz de Alfredo Landa. Ela se parecia mais nítida quando se tratava de Cecil e Tom. Mesmo sendo duas ideias em um único curta, havia certos consensos a serem relevados e tantos "NÃO" não estavam colaborando. Principalmente da morena impaciente. Birrava mais do que o normal no dia de hoje, ainda um pouco ressentinda com o presente a surpresa. Mas, não era só isso. Ela não queria contar.

O consenso era inexistente. Suas câmeras, seus métodos. E principalmente o nível de paciência. Era difícil levar a sério, por mais que tentassem. Digo, um equívoco. Não, uma total mentira: nem sequer tentavam. Cecil a contra vontade, começou uma explicação sucinta. Estava mais rouca. Mais grossa e exasperada. — E então, vou atear fogo no cenário e dizer: "eu sou uma mulher do século XXI, sou um demônio anti-ocidental! — Ela gritava fervorosamente enquanto fumava. — "Eu cheguei antes! Por isso sou toda errada assim!" — Sacudia os braços magros nas mangas bufantes clássicas dos anos 60. Ótima referência 'A Mulher de Todos' de Rogério Sganzerla.

Tom olhou pra ela. Contemplativo. — Podemos colocar 'Girls Pretty Make Graves' do The Smiths no fundo? — Ele deu um sorriso confiante. Charmoso. Ela olhou com cara de tacho. Degradante. Logo, negou com desdém. "Odeio The Smiths, aquele vocalista é um degenerado" e foi assim que Cecil apagou, irritadiça o cigarro nas costas da mão de Tom. Apaticamente mal-humorada. O barbudo deu um grito, chacoalhando a mão. Mais irritado com o afronte do que com falta de noção. Como ela não gostava de música boa? — Ele é comicamente chato! Essa é a graça! Vocês, mulheres não entendem. — Falou indignado.

Poderia facilmente ficar horas explicando sobre aquilo como um lunático. E tinha muito repertório para aquilo. Mas, o maior questionamento era: a razão pelo qual Cecil parecia ter amanhecido com o pé direito? Naquele dia em específico, parecia menos tolerante que o habitual. Talvez, tivesse sido os livros do Godard, agora completamente dilacerados pelo fogo e em cima da escrivininha de Tom. Por mais carbonizado e fedido que estivesse, por alguma razão, ele não quis jogar fora. Totalmente cego. Uma leseira que beirava a dó. De onde vinha tanta ingenuidade?

Ela se levantou. Jogando o cigarro pela metade para longe. Meu Deus. Tom ficou perplexo. Cecil nunca desperdiçava seu estimado West. Tão séria que poderia beirar o incômodo de ver algo do vale da estranheza. O rapaz esbugalhou os olhos. — Eu vou embora. — Disse sequíssima. Três pontinhos. Segundos que cortavam doloridos no espaço-tempo entre os dois. Parecia esperar ser contrariada. Mas, não foi. Hoje não. Chutou uma pedra e se levantou, por azar, enroscando a saia em um prego no banco amadeirado. Se rasgou em pouco. Uma veia saltava da sua testa, inquieta. Por curiosidade: sorriu. Seu olho direito tremia só.

A outra peça olhava sem saber o que fazer. Um grito alto e contido, fez a sua dupla bater os pés. No fundo, uma salva de palma com assobios. Teatral como sempre, arrancando elogios pela sua performance pela turma de Artes Cênicas. Diziam que estava no curso errado. Mas, Cecil não estava encenando. — Ah, *PUTAIN! — Gritou, a ideia era sair andando completamente zangada. Tom não sabia o que ela tinha dito. Era em outro idioma, mas, deduziu ser um palavrão. Até xingando, tinha uma graça só dela. Rapidamente tirou a jaqueta jeans e amarrou na cintura dela. E só assim, saiu em fúria. Sabe lá para onde. Mas, era engraçadinho vê-la fazer bico e vomitar suas emoções de maneira tão artística daquela maneira.

— Ela anda como um pinguin. — Dizia sozinho. Rindo, apesar de tudo. Tinha muita prioridade para falar, era um grande telespectador de Discovery Channel. "Pior que parece" talvez, não tão sozinho. Tom se virou e se deparou com uma figura conhecida, com um sorriso torto. Era quase malicioso. — Georg. — Disse vago. O moreno concordou. Era o seu veterano em Cinema. Alguém bem falado no curso. Em todos os quesitos, tanto sociais, principalmente com as moças, quanto profissionalmente. Estagiava em um estúdio conhecido em Berlin. Uma pessoa, infelizmente, a se invejar. "Vocês estão namorando? Tem um burburinho rolando" vermelhidão. Mãos trêmulas. Um ato falho. Muito falho. — Não. Não estamos. — Idiota. "Então, ela está solteira?" Péssima escolha de palavras, veterano infeliz. — Está.

*Putain: vem do francês e é uma palavra que assimila ao que usamos no português para "cacete" ou "caralho", Cecil tem classe.

CINEMATIC | TOM KAULITZDonde viven las historias. Descúbrelo ahora