Interruption | Interrupção

42 11 16
                                    

"Quando acho que estou interessada por alguém, fico muda. Ou então, falo tolices e banalidades" Bianche de 'L'Ami de Mon Amie' do estimado diretor Éric Rohmer parecia dividir os mesmos neurônios com Cecil. Estava penserosa. Mal conseguia prestar atenção na missa, que particularmente gostava de frequentar. Amava imaginar os filmes mais absurdos que havia visto que já teriam se passado em uma capela como essa. Como a sublime Brooke Shilds em 'Sweet Alice Sweet' achada morta em sua primeira comunhão dentro de um banco-báu. Uma tragédia.

Acordou do seu transe, com seu irmão Gustav, lhe dando um beliscão. Estava vestido de coroinha e passava nem um pouco angelical pelos fieis com um saco de dízimo. Quase como um agiota. Ainda não entendia como deixavam criatura tão desprezível fazer uma função como aquela. "Quem tem, põe. Quem não tem, tira" e assim as senhorinhas que não deixavam moedas, tiravam os trocos que tinham e botavam de volta. Tragicamente cômico. Bênçãos fragmentadas. A imaculada dos cinemas, deu sua parte. O caçula a olhou com cara de tacho. "Devia dar mais, sua vida está uma merda, precisa de um milagre" disse sem papas nas línguas. - Morra, seu fanfarão. - Retrucou, nervosa. Silêncio. Olhares por cima dos ombros. A morena fez um sinal de cruz e colocou mais um trocado. O adolescente bendito, saiu satisfeito.

A missa ocorreu e Gustav estava com os bolsos cheios na saída. Havia roubado as moedas dos fieis para comprar porcariadas para comer e passar a noite virado com suas ligações barulhentas com amigos enquanto jogava vídeo-game. Já não era novidade pra ninguém. Não mesmo. "Você está bicuda, não que eu me importe, eu te odeio. Morra" disse o loiro. - Não estou tendo um bom dia. - Afirmou. Por conta do que? "Quer ver o que hoje?" Bateu de volta, insistente. Ela negou. Nada? Então, já era motivo pra estranhar. Cecil nunca negava um filme. "Então, vai se foder", o adolescente saiu andando, olhando para trás esperando o retruco. Que foi apenas erguer deprimentemente o seu dedo do meio. Deprimente. Sua irmã era melhor do que isso.

Já em casa, tão só, ela se sentou em frente a sua mesa de estudos. Em silêncio. Normalmente seu quarto sempre estava agradável com a vitrolinha tocando baixo. Nem si própria sabia o que estava acontecendo, para de repente, estar tão a flor da pele. Mas, nós já podemos ter uma ideia. Fase da negação, talvez. Hoje ela não quer escutar ninguém. Difícil. - Hoje não quero suspense. Não me faça entender nada. - Certo. Ela não quer. Vamos apenas observar o abismo deprimente que se encontra.

Encarou seus objetos de montagem de filme, a pinça, seu visor, a tesoura. Tão estagnado. Velho. Mas, era essa a graça que acalientava os olhos de Cecil. O que nutria o amor a arte. Balançou a cabeça em negativa. - Eu não sou a Cecil. Sou uma atriz fazendo o que mandaram fazer. - Ela olha para nós. - Apenas a imito. E nem sou uma boa atriz para isso. - Sem lamento. Não há tempo para isso. Apenas siga o que a voz em off diz. Ser diretor é assim: atores são moldáveis, você pede para que faça uma bananeira e ele fará. Nós já vimos isso nas telas de Cinema. Godard já nos mostrou isso. - Tsc.

A porta foi aberta de supetão, um monstro de óculos e cheirando a suor a encarava com uma respiração irregular. Continuava assim, parecendo ter saído de um filme de terror. Mas, agora com um semblante mais melancólico. Era apenas seu irmão Gustav. Ele tinha trago em um prato um *éclair com creme de pistache. Muito pistache. O favorito de Cecil. Os grãos esverdeados decoravam a sobremesa. O caçula tinha usado suas "economias" para comprar um agrado a ela. E nem sabia a razão. Conexão de irmãos. Mesmo que volte e meia a mais velha dizia ter cuspido três vezes na cruz para ter um irmão tão desagradável. Talvez, apenas agregar roteiro.

Mesmo irresoluta, pegou o prato e encarou o doce saboroso, tão amendoado, parecia da cor dos olhos de alguém. Uma tola, pensando nisto. "Tem gosto de mato" a criança grande cruzou os braços. Cecil respirou fundo e batucou o palmo no canto que sobrava em sua cama, comendo a massa recheada com seu volume em negativo. "Tá gostando do esquisitão, por isso tá em crise" ela se engasgou. Acertou um pistache no olho de Gustav que gritou. - Sai daqui! Você estragou nosso momento de paz mensal entre irmãos! - Reclamou e ele saiu a xingando. Não se fala verdades assim tão descaradamente. - Objeção... - Cecil olhou para a câmera. Está como um disco riscado. Chega de objeções.

*Éclair: é uma sobremesa que assimila ao Brasil com nossas sombas recheadas de padaria. É tipicamente francesa. Charmosa como Cecil.

CINEMATIC | TOM KAULITZWhere stories live. Discover now