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Vica estava acostumada com camarins enormes. Porém, o que haviam reservado para ela não atendeu suas expectativas.

Devia ter no máximo vinte passos de largura e uns trinta e dois de comprimento. Um grande sofá de couro encardido estava encostando na parede cor de tomate prestes a estragar, e a penteadeira de madeira era tão estreita que mal cabia a bolsa de maquiagem de Vica.

A mesa com petiscos não havia frutas como a cantora tinha pedido, pelo contrário, uma bandeja repleta de salgadinhos gordurosos exalava cheiro de fritura. Vica estranhou, mas não reclamou, ainda estava abalada demais com o que acontecera no tapete vermelho.

Não via a hora de entrar no palco, por isso não perdeu tempo e se trocou em cima da tampa da privada no banheiro minúsculo do camarim. Quando começou a ajeitar a maquiagem para a apresentação, sentiu o toque do celular.

1 Nova Mensagem

Banco Sanclair

Cara Senhorita Vica, estamos esperando o resultado da fatura deste mês. O vencimento foi há 20 dias, e o não pagamento pode acarretar em juros e nome sujo no Serasa.

Agradecemos a compreensão.

— Já sei — disse Bruno, sentado em uma das cadeiras pesadas. — Fatura do cartão de crédito.

— Achei que já tínhamos pagado essa. Tem como mandar para a contadora?

— Que contadora? — perguntou o homem, cruzando os braços.

— O que aconteceu com a Nizete? Morreu? — Vica o encarou com os olhos arregalados. — Nossa, eu sei que ela era bem velhinha, mas não imaginei que fosse embora tão cedo...

— Morreu nada, deve ter mais saúde que a gente. Acontece que você demitiu ela, lembra? Pra comprar a hidromassagem.

Vica sentiu como se uma lâmpada se acendesse em sua cabeça. É claro que lembrava. Mas a hidromassagem havia valido a pena, ela era grande e espaçosa, bem mais do que a banheira antiga. Ah, e não podia esquecer da função de aquecer a água... fenomenal!

— E agora? O que a gente faz? Não tem como pagar?

— Agora você sofre as consequências.

Con-se-quên-cias. Como que quatro sílabas podiam ser tão destruidoras? Era isso o que havia sofrido alguns momentos antes? Consequências por não respeitar o querer do público?

Existia uma coisa muito ruim sobre estar na mídia desde a infância, e que assolava as vontades de Vica desde então: a sua vida não era mais sua. Não importava seu querer, ela sempre seria julgada.

Não use essa roupa. Faça isso. Ela não pode se sentir assim. Ela fala demais. Ela sorri demais. Ela não devia ter beijado aquela pessoa. Ela não pode chorar.

Ela precisa cantar aquela música!

As lembranças anteriores voltaram. As vaias no show, as lágrimas descendo pelo seu rosto. Vica sabia que era uma pessoa inconsequente, mas merecia tudo aquilo? Eles ao menos sabiam o motivo de ela não querer mais cantar a música?

— Vica, calma — Bruno pediu, se colocando ao lado da mulher em frente à penteadeira. O rosto de Vica estava repleto de brilho, desde a sombra rosa até o gloss que cobria os lábios. — Vai dar tudo certo, lembra? É o recomeço. O que você me disse quando recebeu o convite?

Ela pensou por um instante, coçando uma verruguinha abaixo do pescoço branco.

— Que peixes não têm pálpebras e dormem de olhos abertos?

Na Sola da PaixãoWhere stories live. Discover now