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Vica podia ter muitas opiniões sobre Nova Luz: a de que era um lugar retrógrado, a de que era longe de tudo, a de que não chegavam correspondências da Shein, a de que não existiam redes de fast food... mas definitivamente não podia dizer que não tinha boas lembranças de lá.

Era encantador. As árvores tinham folhas tão verdes quanto jujuba de hortelã, e os montes altos davam uma bela visão de cima. As ruas de paralelepípedo pareciam saídas de um filme da década de 50. As pessoas acenavam e te desejavam bom dia todas as manhãs e apareciam na sua porta com um bolo delicioso de fubá para baterem um papo no fim da tarde.

Os peixes saíam direto da lagoa para as panelas, e eram tão frescos quanto um dia de chuva. O leite puro das vacas precisava ser fervido duas vezes, dando nata para fazer biscoitos e material o suficiente para meia dúzia de queijos.

Era como viver um sonho, estar no paraíso. Mas aí a fama veio, e essa vida ficou para trás.

A saudade de Vica aumentava enquanto sacolejava a cada vez que o ônibus passava em um buraco. Ela não sabia ao certo quanto tempo estava sentada no banco nada confortável, mas foi tempo o suficiente para deixar sua lombar ardendo.

Depois do acontecido na praia, Bruno conseguiu duas passagens para Belo Horizonte. Era longe de Nova Luz, duas horas para ser mais preciso, mas felizmente eles tinham um plano B. Ao decolarem em Minas Gerais — de classe econômica, que apesar de ser mais barato oferecia amendoins crocantes e muito gostosos que fez Vica tossir compulsivamente após engasgar —, eles foram andando até uma rodoviária que os levaria exatamente para a cidadezinha.

Vica usava um pijama amarelo que era infantil demais para a ocasião, já Bruno vestia uma calça de moletom cinza e uma camisa regata das Meninas Superpoderosas que era de Vica.

— Seu gosto para roupas é igual ao de uma garota de 5 anos. Maldito Didi, como eu queria minhas camisas de botão de volta. — Bruno fez beicinho.

A fila para o ônibus estava relativamente vazia, com apenas duas mulheres com vestidos floridos e um grupo de adolescentes alternativos. A condução demorou o bastante para a tarde virar noite, e o cansaço começava a tomar conta dos amigos.

Às 19 horas o ônibus chegou, mas definitivamente não era o que Vica e Bruno esperavam. O automóvel caía aos pedaços, e a tintura acinzentada do exterior estava tomada por ferrugens laranja. Os pneus faziam um barulho ensurdecedor a cada metro rodado, e os faróis eram tão fortes que poderiam cegar uma capivara.

Eles ficaram perplexos.

— Esse ônibus está indo para o submundo? — perguntou Vica com os olhos arregalados.

— Acho que sim — respondeu Bruno, assustado.

O assento de Vica era o 23, e o de Bruno era o 14. Infelizmente não haviam conseguido sentarem juntos, o que era estranho visto o número de pessoas que se encontravam na rodoviária. Porém, seus parceiros de assento eram meio diferentes.

Ao lado de Vica havia uma gaiola de metal na qual uma galinha amarelada cacarejava sem parar. E ao lado de Bruno, um cachorrinho caramelo se encontrava sentado quietinho, e o crachá em seu pescoço dizia: Carlinhos.

— Ele trabalha aqui — disse o motorista barbudo antes do ônibus partir. — Quando as galinhas fazem barulho, ele dá um latido e elas param na hora.

Sim, galinhas. No plural. Galinhassss. Haviam muitas outras nas gaiolas, apoiadas nos assentos como se fossem passageiros.

Estranhamente, Vica e Bruno pareciam estar em um galinheiro móvel — se é que isso realmente existe.

O cheiro não era dos melhores, o que obrigou Vica a gastar um pouco de seu perfume francês para arejar o ambiente. Os outros passageiros não se incomodavam, demonstrando que aquilo era bem mais normal do que pensavam.

Na Sola da PaixãoWo Geschichten leben. Entdecke jetzt