Capítulo 104

87 15 6
                                    

A campainha tocou enquanto eu me enrolava num roupão já fora do chuveiro. A voz grave dele ecoou para dentro tão forte que parecia que ele realmente já estava dentro do quarto.

-Juli... Você poderia, por favor, abrir a porta?

Permaneci em silêncio, aproximando-me devagar da porta. Eu não tinha intenções de abrir, mas a voz feminina de Carol murmurou algo para ele. Algo que não pude identificar.

-Julie, por favor, só nos diga se está bem, estamos preocupados - Carol foi quem gritou.

A campainha foi tocada firme mais uma vez.

-Eu vou arrombar... - Axl disse, com um pouco de desespero na voz.

-Eu não quero conversar agora! - Falei depressa, antes que Axl realmente quebrasse alguma porta.

Um silêncio esquisito rolou. Aproximei meu rosto na porta, tentando, a todo custo, ouvir qualquer ruído do outro lado. Ouço soluços abafados e um suspiro pesado escapando. A respiração entrecortada denuncia uma dor desmedida. Axl chorava. A porta é como uma fronteira entre nós, mas sua angustia parecia trancender, atingindo-me do outro lado. Eu não suportaria saber que ele estava mal a ponto de fazer algo como aquilo. Eu jamais havia o visto chorar. Ouvi Carol resmungar algo acalmando-o. Ele estava em boas mãos. Carol era extremamente boa em atenuar qualquer estresse.

-Julie, por favor! - Carol choramingou e bateu mais uma vez na porta.

As lágrimas escaparam sem eu sequer pensar. Escorreguei pela porta, sentando-me bem debaixo da maçaneta. Ver Axl naquele momento não era uma opção. Alguns minutos depois ouvi os dois se afastarem com passos lentos e conversas baixas. Permaneci ali até que cansasse de olhar o mundo debaixo. A porta foi batida novamente. Uma batida leve e calma.

-Julie? Somos nós... Hugo e Oliver... - Hugo falou.

Levantei instantaneamente, com tanta pressa que senti minha cabeça zonzear e tive que apoiar-me no batente da porta antes de abri-la.

-Oi-oi - Falei, esticando-me para pegar Oliver em meus braços naquele segundo. Ele estava acordado e agitado. Os olhos grandes como jabuticabas sorriram-me, me fazendo vibrar por dentro.

-Como está? - Hugo perguntou, fechando a porta em nossas costas.

Eu o encarei séria. Que pergunta ridícula. Eu o odiava tanto. Ele chacoalhou os cabelos grisalhos e limpou a garganta. Voltei minha atenção para Oliver. Beijei-o no rosto, fazendo-lhe cócegas até ele sorrir novamente.
Oliver havia feito 4 meses há uns quatro ou cinco dias e estava gordinho como nunca. As dobradinhas dos braços e pernas me fascinavam.

-Julie - Hugo aproximou-se, sentando-se ao meu lado no sofá, dizendo... - Quero dizer que você é muito bem-vinda em nossa casa, em Los Angeles...

-Hugo, por favor - Levantei-me, afastado-me dele - Se não fosse por Oliver eu jamais teria qualquer contato com você...

Ele bufou. Vi que ele pensou em argumentar, mas desistiu e permaneceu em silêncio. Ficou ali alguns instantes enquanto eu estava distraída com Oli.

-Quero ficar alguns dias com ele... - Pedi, encarando-o.

-Tenho que consultar meu advogado - Ele disse, sério.

-É sério?! - Cuspi, ríspida - É por esse e outros motivos que não te quero perto de mim... Vou conseguir a guarda dele quando notarem o projeto de pai que você é!

Hugo não expressou qualquer sentimento. Tirou o celular do bolso do jeans e distraiu-se com alguma coisa. Ele era a coisa mais desprezível e falsa que eu poderia ter contato. Abracei Oli firme. Era bom demais tê-lo em meus braços. Senti a presença de Cecília bem ali conosco naquele exato momento e tudo, por alguns segundos, pareceu bem.

-Nosso voo sai bem cedo amanhã...

Virei-me a Hugo. Meus olhos marejados não escondiam de ninguém que eu estava só os destroços. Despedir-me de Oliver era outra dor cortante.

-Ok... - Murmurei, embora ainda não quisesse o soltar de meus braços.

Beijei-o na bocheca macia e o entreguei para Hugo.

-Cuide-se, Julie... - Hugo disse-me.

-Tchau, neném, até logo... Tchau-tchau - Eu disse, direcionando-me a Oliver.

E assim como apareceu, Hugo desapareceu, deixando-me outra vez no escuro. Encarei a janela do quarto do hotel. A noite começava a cair devagar, para meu completo desespero. Troquei-me em um jeans, um camisetão estampado e meu famigerado coturno. Sair atrás de drogas em uma cidade estranha era algo que eu sabia fazer bem. Toda e qualquer rua parecia a mesma, parecia um labirinto, refletindo minha própria confusão interna. O coração pesado a cada passo. Ouço minha intuição e logo encontro o que procuro.

Dichavar maconha nas próprias mãos era algo que me irritava profundamente. Mas não havia outra opção. Enrolei-a numa ceda fina e acendi o baseado enquanto caminhava a alguns quarterões do centro histórico de Santorini. Eu não sabia onde eu estava. Sentei-me no primeiro banco solitário de madeira que me deparei depois de atravessar algumas ruas de pedras esbranquiçadas. Observo a fumaça dançando pelo ar noturno. O calor suave da cannabis contrasta com o frio que sinto dentro de mim. Cidades desconhecidas têm um jeito peculiar de amplificar a solidão. Cada tragada é um escape momentâneo, um consolo efêmero para a tristeza que se entranha. Enquanto as luzes urbanas tremeluzem ao longe, mergulho nas nuances do meu próprio desalento, encontrando um breve refúgio na névoa que se dissipa.

Her soulmateOnde histórias criam vida. Descubra agora