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CHRISTOPHER

O cabelo de Holly já cresceu bastante. Ela parece uma versão feminina do Harry Potter — fios espetados para todos os lados, não importa o quanto a mãe dela tente pentear.
   O rosto dela também mudou, ficou mais cheio, mais vivo. Olhos parecem mais proporcionais em relação ao restante agora.
Ela sorri para mim.

  Holly: Veio se despedir?
  Eu: Vim colher seu sangue.
  Holly: Pela última vez?
  Eu: Depende do resultado do exame.
  Holly: Você está irritado.
Não quer que eu vá embora.
  Eu: Claro que quero.
Quero que você fique bem.
  Holly: Não quer, não.
Você não gosta quando as coisas mudam.
Quer que eu fique aqui.

Não digo nada.
É irritante ser tão bem compreendido por alguém
tão pequeno.

  Holly: Também vou sentir sua falta.
Você vai me visitar em casa?
Olho para a mãe dela, que está abrindo um sorriso cansado, mas muito feliz.
  Eu: Você vai estar ocupada demais com as aulas e com todas as atividades depois da escola.
Não vai querer visitas.
  Holly: Vou, sim.
  Mãe da Holly: Seria ótimo receber você para jantar. De verdade. E a Holly também acha.
Só para agradecer.
A euforia cerca a mãe da Holly como uma lufada de perfume.
   Eu: Bom, pode ser.
Obrigado.

Os olhos da mãe de Holly ficam marejados.
Nunca lido bem com essas situações. Começo a me sentir meio em pânico; sigo para a porta. Ela me abraça antes que eu consiga escapar. Me sinto zonzo de repente. Não sei se quero chorar por causa de Holly ou de Kay, mas este abraço está fazendo alguma coisa com minhas glândulas lacrimais.

Seco os olhos e espero que Holly não note.
Bagunço o cabelo castanho espetado dela.

  Eu: Comporte-se.
  Holly sorri. Fico com a impressão de que ela tem outros planos.

• • •

   Chego do trabalho a tempo de ver os últimos vestígios de um nascer do sol realmente glorioso por trás dos arranha-céus londrinos, refletido no cinza do Tâmisa, tornando a água azul-rosada. Pareço ter muito tempo agora que Kay se foi.
Me faz pensar se eu realmente lhe dava tão pouco tempo quanto ela sempre dizia — se é verdade, de onde vieram todas essas horas?
    Decido parar em algum lugar para tomar chá e depois ir caminhando para casa — só leva uma hora e meia e é o tipo de manhã em que a gente quer ficar na rua. Pessoas correm em todas as direções, a caminho do trabalho com seus cafés. Deixo todas passarem por mim. Ando por ruas paralelas sempre que possível; elas estão mais calmas que as principais.
   Quando dou por mim, estou na rua Clapham. Fico gelado quando vejo o mercadinho. Mas me obrigo a parar. Parece respeitoso, como tirar o chapéu quando um carro funerário passa.
Não posso deixar de notar que as câmeras de segurança desse mercado apontam mesmo para todas as direções possíveis, inclusive para a minha.    Um desejo toma conta de mim. Lembro por que Kay e eu terminamos. Tenho estado triste demais para lembrar que há esperança para Poncho.
    Talvez Maite já tenha respondido. Continuo andando, agora mais rápido, ansioso para chegar em casa. Ele pode tentar ligar, esperando que eu volte na hora de sempre. Deve ter tentado, com certeza; estou furioso comigo mesmo por ter perdido a ligação.

Respiro fundo.
Demoro a pôr a chave na porta, mas estranhamente as duas trancas não foram fechadas — Dulce nunca se esquece de fazer isso. Dou uma olhada obrigatória na sala quando entro para garantir que não fomos roubados, mas a TV e o laptop ainda estão ali, então sigo direto para o telefone e confiro se há ligações perdidas ou recados.

Nada.
Respiro fundo.
Estou suado por caminhar rápido sob o sol da manhã. Jogo as chaves no lugar de sempre (elas agora moram embaixo do cofrinho em forma de cachorro) e arranco a camiseta enquanto sigo para o banheiro. Empurro uma fileira de velas coloridas da beirada da
banheira para poder tomar banho. Então ligo a água quente e fico parado, deixando outra semana passar por mim.

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