52.

103 10 1
                                    

Outubro
CHRISTOPHER

Então. Estou parado entre duas armaduras, usando um suéter de lã, encarando um ponto à distância.
Minha vida ficou mais estranha depois de conhecer Dulce. Nunca tive medo de uma vida estranha, mas, nos últimos tempos, tudo ficou mais... confortável. "Acomodado", Kay costumava dizer.
Não posso ficar assim por muito tempo com Dulce por perto.
Ela está ajudando Katherin a arrumar os modelos. As outras duas parecem adolescentes desnutridas; Martin as encara como se fossem comestíveis.
Elas são legais, mas a conversa morreu depois que falamos sobre a temporada atual de Bake Off, e agora estou só contando os minutos até Dulce voltar para ajustar meu suéter de lã de maneiras imperceptíveis que (tenho quase certeza) são só desculpas para tocar em mim.
Lindo Lorde Ilustrador anda pelo set. Ele é um senhor chique agradável; seu castelo é um pouco malcuidado, mas tem salas e vistas épicas, então todos parecem satisfeitos.
Com exceção de Martin. Brinquei com Dulce sobre planejar sua destruição, mas, quando não está salivando pelas modelos, ele parece estar pensando na maneira mais fácil de me empurrar da muralha. Não consigo entender. Ninguém aqui sabe sobre mim e Dulce — achamos que assim seria mais fácil. Mas estou começando a achar que ele descobriu. E, mesmo que tivesse, por que se importaria a ponto de me olhar com tanta raiva?
Ah, bem. Faço o que me pedem e olho para uma direção um pouco diferente. Estou feliz por poder sair de casa este fim de semana; estava com a estranha sensação de que Justin ia aparecer. E vai, em algum momento. Claramente foi embora insatisfeito no sábado. Mas ele tem estado quieto desde então. Sem flores, sem mensagens, sem aparições onde quer que Dulce esteja, apesar de não ter como saber onde ela vai estar. Suspeito. Estou com medo de que ele esteja preparando alguma coisa. Homens assim não vão embora depois de um susto.

Tento não bocejar (estou acordado há muitas, muitas horas, com apenas breves sonecas). Procuro Dulce com o olhar. Ela está de galochas e calça jeans desbotada, deitada de lado em uma enorme cadeira estilo Game of Thrones situada na ponta da sala de armas, na qual provavelmente ninguém deve se sentar. Vejo um pouco de sua pele macia quando ela se mexe, o cardigã se abrindo. Engulo em seco. Volto a olhar para o ponto específico ao longe como o fotógrafo insiste em que eu faça.

Martin: Tudo bem. Vamos fazer um intervalo de vinte minutos!

Eu me afasto antes que ele possa me mandar fazer outra coisa e me impeça de conversar com Dulce (até agora, tive que passar os intervalos mexendo em armas antigas, varrendo uma palha ou outra e conferindo um arranhão minúsculo no dedo de uma das modelos desnutridas).

Eu, me aproximando do trono de Dulce: Qual é o problema daquele cara comigo?
Dulce balança a cabeça e baixa as pernas para se levantar.
Dulce: Olha, não tenho a menor ideia. Mas ele está sendo mais babaca com você do que com o resto da equipe, não está?
Anahí, sussurrando às minhas costas: Corram! Fujam! Ele está vindo!
Dulce não precisa ouvir duas vezes. Ela pega minha mão e me arrasta para o saguão principal (caverna de pedra gigante com três escadas).
Katherin, gritando para nós: Você vai me deixar sozinha com ele?
Dulce: Mas que droga, mulher! Imagine que ele é um deputado conservador dos anos 1970, está bem?
Não me viro para ver a reação de Katherin, mas posso ouvir a risada de Anahí. Dulce me puxa para um nicho decorado que um dia parece ter abrigado uma estátua e me beija com empolgação.
Dulce: Essa história de ficar olhando você o dia inteiro é insuportável. E estou morrendo de ciúme, porque todo mundo pode fazer isso também.
Sinto como se tivesse bebido algo quente — a sensação se espalha pelo meu peito, põe um sorriso nos meus lábios. Não sei direito o que dizer, então a beijo. Ela me imprensa na parede de pedra fria, as mãos se unindo atrás de meu pescoço.
Dulce, contra minha boca: No próximo fim de semana.
Eu: Hum?
(Ocupado beijando).
Dulce: Vamos ser só nós dois. Sozinhos. No nosso apartamento. E, se alguém interromper a gente ou arrastar você para cuidar do dedo machucado de uma menina de dezoito anos, eu mesma vou ordenar a execução dessa pessoa. Pausa.
Dulce: Desculpa. O castelo está me subindo à cabeça.
Me afasto, analiso o rosto dela. Não contei a Dulce? Devo ter contado.
Dulce: O quê? O que foi?
Eu: A audiência do Poncho é na sexta. Desculpa. Vou passar o próximo fim de semana na casa da minha mãe. Não avisei?
Sinto um medo familiar. Parece o início de uma conversa desconfortável — esqueci de dizer algo a ela, estou mudando seus planos...
Dulce: Mentira! É sério?
Meu estômago se revira. Tento puxá-la para mim de novo, mas ela afasta minhas mãos, os olhos arregalados.
Dulce: Você não me contou! Christopher... Eu não sabia. Eu sinto muito, mas... O lançamento do livro da Katherin...
Fico confuso. Por que ela está pedindo desculpa?
Dulce: Eu queria ir, mas o lançamento do livro da Katherin é na sexta. Não acredito. Você pode pedir ao Poncho para ligar quando eu estiver no apartamento? Quero me desculpar direito.
Eu: Pelo quê?
Dulce revira os olhos, impaciente.
Dulce: Por não poder ir à audiência!
Eu a encaro. Pisco, confuso. Relaxo quando percebo que Dulce, na verdade, não está irritada comigo.
Eu: Não esperava...
Dulce: Você está brincando? Você acha que eu não ia querer ir? É o Poncho!
Eu: Você queria mesmo ir?
Dulce: Queria, Christopher. Queria muito.
Cutuco a bochecha dela com o dedo.
Dulce, já rindo: Ai! O que foi isso?
Eu: Você é de verdade? Uma humana real?
Dulce: É, eu sou real, idiota.
Eu: Pouco provável. Como pode ser tão legal e bonita? Você é um mito, não é? Vai se transformar em ogro à meia-noite?
Dulce: Para com isso. Meu Deus, você se contenta com tão pouco! Por que eu não ia querer ir à audiência do seu irmão? Ele também é meu amigo. Na verdade, falei com ele antes de falar com você, se não se
lembra.
Eu: Que bom que você não conheceu Poncho primeiro. Ele é muito mais bonito do que eu.
Dulce ergue as sobrancelhas.
Dulce: Ah, foi por isso que você não falou a data da audiência?
Mexo os pés. Achei que tinha falado. Ela aperta meu braço.
Dulce: Tudo bem, é sério. Estou só brincando.
Penso nos meses trocando bilhetes e compartilhando sobras de jantar, sem nunca conhecer Dulce. Parece tão diferente agora que a conheço. Não acredito que desperdicei todo aquele tempo — não só aqueles meses, mas o tempo antes disso, os anos de procrastinação, acomodação, espera.
Eu: Não, eu deveria ter falado. A gente tem que melhorar nossa comunicação. Não dá para ficar contando que vamos nos encontrar. Ou que vamos nos esbarrar por acaso.

Tenho uma ideia. Será que eu poderia trocar para alguns turnos diurnos?
Ficar no apartamento uma noite por semana?

Quando vou sugerir isso, os olhos de Dulce ficam arregalados e sérios, quase ansiosos, e eu travo, com uma certeza repentina de que é a coisa errada a se dizer. Então, depois de um instante:

Dulce, animada: Que tal um calendário na geladeira?

Certo. Provavelmente é o mais apropriado.
O relacionamento está só começando. Estou me empolgando demais.
Que bom que não falei nada.

PÓS-IT | Vondy - AdaptaçãoWhere stories live. Discover now