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Edgar

Pobre e miserável.

Essa é a melhor definição para Aparecida, até o nome é de pobre, não combina com ela, mas entendo que não foi sua escolha. Peguei uma moto antiga de Washington para esperar, ela saiu sorrindo vindo em minha direção. É carente de atenção, isso é bem claro; ela é invisível para todos, o que a torna muito especial para mim. Entrego o capacete para ela, que o coloca subindo na minha garupa, peço para segurar minha cintura enquanto dirijo em direção a uma padaria próxima ao terminal de ônibus.

Estaciono a moto enquanto ela começa observar a vitrine de doces já dentro da padaria. Ela abre sua bolsa tirando uma pequena bolsinha contendo algumas moedas e notas. Ela pede dois cafés que são servidos em copos descartáveis e dois pães doces; nos sentamos em alguns bancos perto do balcão mesmo, ela estende o prato oferecendo pão doce.

— Por que não me deixa pagar?

— Você não recebeu ainda, estamos no dia 20, pode ficar tranquilo, Cunha. Depois você me paga!

Aparecida é de uma simplicidade que me irrita, como nenhum homem se aproveitou dela e de sua ingenuidade? Preciso saber tudo sobre ela para entender por que é assim.

— Tudo bem, no próximo encontro quem paga sou eu. Me diga, você nunca namorou mesmo?

— Nunca. Eu sou muito complicada, e também minha avó sempre me preveniu sobre homens e suas artimanhas.

Uma avó controladora é um motivo totalmente plausível para não ter homens ao seu redor, meu telefone toca no meu bolso, ainda bem que pensei nesse detalhe usando meus telefones descartáveis.

— Sim, Jonatas.

— Tenho as informações que pediu, nos encontramos mais tarde, senhor.

Aparecida está distraída prestando atenção na novela que passa na televisão da padaria; sua atenção está inteira na cena da atriz sendo beijada pelo protagonista masculino. Vejo seus olhos brilharem com a cena, percebo como parece se excitar com a imagem. É um diamante bruto pronto para lapidação; cutuco na sua bochecha tirando ela do transe da cena.

— Essa novela é ótima, amo essa atriz e esse protagonista é perfeito. Deve estar me achando uma boba por gostar de novela.

— Não acho isso, mas me conte sobre você, Aparecida.

Os minutos que se seguiram, Aparecida contou sobre sua vida, órfã de mãe e nunca soube quem é seu pai, uma bastarda dos tantos que homens como eu tiveram com empregadas. Tem um irmão gêmeo problemático e uma avó controladora. Mora em uma casa de dois quartos, sala, cozinha e banheiro com um quintal espaçoso onde a avó planta ervas, folhas e outras hortaliças.

Dois cafés e dois pães doces ficarão em 10 reais; ela juntou as moedas e algumas notas entregando a recepcionista. Aparecida parece feliz com apenas esse café da tarde simples. Eu posso dar a ela um banquete com tudo para um café da tarde perfeito superior mil vezes a esse. Subimos na moto e resolvi levá-la para um passeio; ela segura na minha cintura como se sua vida me pertencesse.

Paramos em uma praça próxima de sua casa, Aparecida desceu da moto segurando o capacete, estendeu na minha direção e depois sorriu agradecendo a carona. Ela não quer que a leve em casa, por causa da avó manipuladora, isso é muito conveniente, mostra que ela quer mais do que apenas um passeio podre em uma padaria de quinta.

— Esse capacete é seu, Aparecida, é um presente. O que vai fazer hoje à noite?

— Nada, mas hoje é segunda-feira e tenho uma diária naquele novo condomínio de luxo amanhã cedo; não posso sair à noite, senão amanhã estarei muito cansada.

Não posso parecer tão disponível; Aparecida tem que ficar louca por mim a ponto de, se eu pedir, fará tudo que quero.

— Tudo bem, eu entendo!

— Que bom. Não posso perder essa diária, nos vemos por aí.

Me despeço dela ansioso para saber mais informações sobre ela; preciso ter munição suficiente para tê-la na palma da minha mão.

Aparecida

Estou nas nuvens enquanto caminho até em casa. Cunha é calado, mas isso não é ruim. Nunca ninguém parou para me ouvir como ele. Sou eu a ouvinte durante toda a vida. Mamãe falava sem parar sobre a última casa em que trabalhava e sobre a irmã do meu pai. Como foi amada e depois se  deprimia. Uma menina de cinco anos guarda tudo, até uma cena de suicídio.

Abro minha bolsa procurando a chave do portão quando sinto a presença de alguém atrás de mim. O corpo encosta em mim, esfregando-se na minha bunda. Ele soltou meus cabelos do coque, cheirando os fios.

— Cheirosa! Por que não estava na portaria do condomínio me esperando, Cida?

— Desculpe. Saí mais cedo, não tinha como avisá-lo.

Ele passava as mãos nos meus cabelos como se fosse íntimo, deixando-me apreensiva.

— Se sair mais cedo, deveria estar aqui há muito tempo. Onde estava?

— Em uma padaria. Eu preciso entrar, Cabo Lopes. Tenho que arrumar a casa.

Cabo Lopes virou meu corpo para ficar de frente a ele, segurou meu rosto como se estivesse analisando cada detalhe ou buscando por mentiras. Não posso deixá-lo saber sobre Cunha, sei que pode prejudicar ele por estar próximo de mim.

— Quem era o homem da moto?

— Um colega do condomínio, ele mora aqui perto e me ofereceu uma carona. Só isso, eu não fiz nada com ele, juro para você.

Ele pareceu não acreditar em mim, e fiquei apavorada, sentindo minhas mãos tremerem e o suor começar a escorrer da minha testa.

— Cida, pelo que eu sei você não tem namorado ou alguém que use você como as outras garotas do bairro. Inclusive, eu já tive algumas delas, mas você é diferente.

— Eu não tenho nada disso. Não sou bonita como as outras, nem interessante, só preciso entrar e arrumar a casa.

Estou com vontade de chorar ou sumir, ele se afasta sorrindo. Ele precisa desistir de mim, esquecer dessa loucura toda. Não quero ele, muito menos um policial, para ter problemas com os bandidos do bairro.

— Mais tarde venho aqui para ver você, e espero que não esteja pensando que sou algum idiota, Cida.

Ele pegou minha bolsa, tirando meu celular e anotando seu número. Logo depois, vejo que vasculha meu celular procurando alguma coisa. Meu Deus, que inferno é esse que estou vivendo. Esse homem quer transformar minha vida em um tormento.

— Eu preciso entrar.

— Aqui sua bolsa, aliás, pare de me chamar de Cabo Lopes, meu nome é Diogo. É melhor deixar essas formalidades de lado, Cida, quando oficializar nosso compromisso, e pare de aceitar caronas de desconhecidos. Você não é uma mulher solteira ou uma piriguete.

Peguei minha bolsa, entrando praticamente correndo dentro de casa. Não é possível que ele queira algo sério comigo, isso só pode ser um pesadelo.

Entre Sombras e Redenção (concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora