Confiança

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— Não há de quê, e tenha muito cuidado onde for guardar esse perfume, talvez sua "alteza real" possa ficar enciumada por ver que alguém lhe presenteou com algo assim. — Carla exclama descontraidamente. Dá umas leves risadas e desfaz nosso abraço.

— Não se preocupe, eu falarei que foram meus pais que me deram de presente de natal.

— Seus pais? Pensei que não falasse mais com deles.

Apesar de nunca ter contato detalhes sobre minha antiga vida familiar para nenhuma de minhas clientes, todas elas sabem que eu não falo com meus pais há anos. Eu falei para elas que aos dezesseis, eu parti de casa para ser modelo e desde então me afastei muito naturalmente deles e hoje em dia não falo mais. Algumas delas ficam muito penserosas sobre esse fato de minha vida, elas não entendem como uns pais e uma filha simplesmente param de se falar por anos e não tem o mínimo de planejamento de voltar a se comunicar. Família é algo muito forte, intenso, que marca nossa vida para sempre, é difícil acreditar que sem briga, sem conflito, apenas naturalmente, uma filha perde contato com seus pais e seus pais perdem contato com sua filha.

Mas eu não pretendo contar a nenhuma delas sobre Dakota, então, elas nunca saberão o real motivo do desvanecer da relação familiar que eu obtinha com meus pais.

— Está certa, não falo, mas eu disse à Leonor que era herdeira e meus pais me deixaram morar sozinha nessa mansão, além de arcarem com todos os meus gastos pessoais. — explico ligeiramente triste, não gosto de pensar nas mentiras que já disse à Leonor e nem da falsa vida que inventei para ela.

— Oh, compreendo, fez isso para ela não saber de... mim e as outras, certo?

— Sim, ela não sabe de nada disso, nem desconfia. Por isso fiquei grata ao saber que você não vai contar para as outras, não quero misturar as coisas, sabe? — suspiro aflita por imaginar o caos que minha vida se tornaria se as coisas saíssem minimamente do controle. — As mulheres que me envolvo e a profissão que exerço são coisas que Leonor não merece se envolver. Eu não quero jamais envolver ela na vida... não convencional que eu tenho.

— Mas você não acha que ela é merecedora da verdade? — a pergunta de Carla me faz olhar tensa para ela, pois sei que ela tem razão, logo a culpa se permeia em mim. — Me diga, você ama essa moça, Elle?

— Amo. — afirmo sem hesitação.

— Então, não acha que deve ser verdadeira com ela? Está enganando a menina... e você sabe disso.

— Ela não suportaria a verdade, provavelmente nunca mais olharia na minha cara e a decepção seria tão forte que talvez a fizesse nunca mais acreditar no amor novamente. Não quero isso.

— Se sente tanta pena dela, por que se envolveu sabendo que teria que perdurar uma mentira indesejada? — Carla perguntou calma, com piedade, ela não estava me julgando ou me crucificando pelo meu erro, ela só estava tentando me fazer entender a gravidade do problema que me meti.

— Porque eu me apaixonei por ela desde o primeiro dia, Carla, eu não tive controle de nada, em um instante, eu já havia mentido, não podia mais voltar com minha palavra nem me dar o luxo de nunca mais vê-la para não correr o risco de amá-la. É ela, Carla, ela é meu amor, ela é a única para mim, não há outra, não tem como ser outra. — meus olhos começam a lacrimejar de culpa e dor. — A mentira que eu criei para ela foi um ato feio, eu sei, mas essa foi a única condição que pensei ser a ideia para não afastá-la de mim, aquela garota é preciosa demais para eu suportar seu afastamento. Me diga, Carla, você já amou alguém assim? Sem ser eu.

— Já, muito, muito mesmo, a muito tempo atrás.

— Foi o seu marido?

— Nicolas? Ah, não, nunca. Foi outra pessoa, mas acho que nunca a terei de volta, então foi bom me apaixonar de novo depois dela, mesmo que minha paixão por você não ter dado certo.

— Mas você ainda ama ela? Digo, a pessoa seu do passado. — Carla nada me responde, ela só desvia o olhar com uma feição triste e pensativa, como se suas memórias passadas estivessem todas sendo reviradas e vividas novamente em sua mente.

— Sabe que é questão de tempo até ela descobrir, não sabe? — ela muda de assunto de repente.

Me desespero com sua fala e olho angustiada para ela.

— Não vai contar para ela, vai!? — quase grito de desespero.

— Não, não vou, isso não é da minha conta.

— Obrigada. — dou um leve sorriso por saber que tenho a plena confiança de Carla. Ela é uma mulher que posso confiar de olhos fechados e isso é tão raro quanto diamante no mundo.

— Eu só estou dizendo que uma mentira dessas não se mantém para sempre, Elle, estou preocupada com o que fará se ela descobrir tudo.

— Eu perderei ela. É simples, é isso que vai acontecer. Eu já imaginei milhões de vezes como seria sua reação ao saber quem eu sou. Eu já pensei tanto... — minha garganta falha e minha cabeça dói. Pensar no dia que meu mundo cairá por perder a menina que amo, é quase uma tortura para mim.

— Talvez não seja assim, talvez ela possa te perdoar. — Carla tenta me consolar, mas acho quase impossível alguém me convencer de que uma desprezível como eu mereça perdão.

— Hm, sim, talvez. — falo sem vigor, só querendo acabar com essa conversa.

Carla olha para o relógio de seu pulso e logo após me olha de forma analítica.

— Está se sentindo bem? — ela pergunta.

— Tô sim. — minto, estou aflita e ansiosa demais para me definir assim.

Carla dá um sorriso estranho para mim, ele é singelo e quase como se ela ouvisse algo que ela sabia que ouviria.

Tu n'es pas obligé de me mentir, chérie. — fala um pouco melancólica.

— Me desculpe, só não quero te perturbar com esse drama sobre Leonor e eu.

— Entendo, acho que você precisa de um tempo para espairecer a mente, sinto sua tensão daqui. Então já vou indo. — ela se levanta do sofá e vai rumo à porta.

— Não precisa ir embora só por causa desse conflito bobo. — digo não querendo ter sido só dramática e problemática o dia todo para Carla. — Fica. — suplico a ela.

— Não acho essa situação boba, Elle. Você está amando, e seu caso é bem complicado, deve passar um tempo sozinha para processar tudo que eu lhe falei. Eu vou porque quero, Elle, não acho que você foi chata e dramática o dia todo. — falou como se houvesse lido meus pensamentos.

— Tudo bem, então. Desculpa por qualquer incômodo, e eu amei muito seu presente. Te aguardo feliz no próximo domingo. — deixo um beijo fofo em sua bochecha e abro a porta para ela.

Au revoir, Elle.

Au revoir, Carla.

Garota PrivadaWhere stories live. Discover now