Capítulo 4: Mantenha os seus amigos perto

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O grande salão era espaçoso e estava sendo decorado para o baile. As primeiras horas da manhã no castelo eram preenchidas pelo frenético alvoroço dos decoradores.
Os raios de sol, filtrados pelas janelas altas, lançavam uma luz dourada sobre o salão, revelando a poeira dançante que pairava no ar.
Me vi parada em frente à uma tapeçaria que cobria uma parede inteira, com uma árvore genealógica que contava a história da linhagem telmarina. Os fios entrelaçados formavam um verdadeiro mosaico apenas de cores cinza e um verde escuro, bem escuro.
Os antigos monarcas tinham nomes tão estranhos que nem eu mesma poderia pronunciar corretamente. Falo isso pois sempre adorei as palavras, com dez anos comecei a ler Shakespeare, Jane Austen, Homero e Fiódor Dostoiévski. Mas aqueles nomes eram impossíveis de se pronunciar.
─ O que está fazendo? ─ levei as mãos ao peito em um sobressalto, e quando me virei para trás, Susana e Lúcia estavam lá.
─ Vocês me assustaram! ─ falei, batendo de leve no braço de Lúcia, que gargalhou.
─ Desculpe, não foi de propósito. ─ disse ela ainda rindo.
─ É bem confuso, não é? ─ disse Susana, se aproximando da tapeçaria, ela parecia procurar algo, ou melhor, alguém. — Ah, olhem.
─ O que? ─ perguntou Lúcia, se aproximando também.
Lá estava a imagem de Caspian, com uma expressão séria e uma coroa na cabeça, nem parecia ser ele, estava diferente, talvez sério demais, mas o cabelo liso era o mesmo.
─ É o Caspian! ─ exclamou Lúcia.
─ Tínhamos uma tapeçaria também, lembra, Lúcia? ─ Susana se afastou da parede, olhando para a irmã.
─ Como poderia esquecer? Éramos os únicos lá! ─ ela riu.
─ Estava praticamente vazia. ─ Susana caiu na gargalhada.
─ Éramos mais velhas e elegantes. ─ Lúcia balançou a saia do seu vestido vermelho, e cobriu a testa com a outra mão, o que me fez rir.
─ Por falar em elegância... Sobre o vestido do baile, Elle, você já sabe o que usar amanhã? ─ perguntou Susana.
─ Não ─ respondi, dando de ombros, e voltei a andar pelo salão. ─ Não faço a mínima ideia em relação ao que vou usar, mas já repassei milhares de vezes todas as minhas falas de detetive para investigar Artemis Fratz. ─ falei em um tom brincalhão, sendo aquela a mais pura verdade.
─ Vai se sair bem. ─ disse Lúcia, entrelaçando seu braço no meu.
Susana fez o mesmo, e caminhamos juntas pelo castelo, até chegarmos no jardim.
Diferente do cinza por todo lado no castelo, o jardim era o único lugar que possuía cor, e isso me fazia lembrar de Cair Paravel, que era tão colorido.
Edmundo e Pedro pareciam estar em um sério duelo de espadas, enquanto Caspian estava lendo, sentado perto de uma estátua enorme, provavelmente era de um antigo rei.
Pedro brandia sua espada com destreza, atacando com golpes rápidos e precisos, enquanto Edmundo se movia desviando dos ataques com uma certa agilidade.
─ Trégua! ─ gritou Edmundo, jogando sua espada no chão, Pedro fez o mesmo.
─ Desistindo tão cedo, Ed? Eu mal aqueci a espada! ─ disse Pedro com um sorriso zombeteiro, fazendo Edmundo revirar os olhos.
─ Claro, porque você é conhecido por aquecer as coisas, não é mesmo? ─ Edmundo arqueou as sombrancelhas.
─ Parece que alguém não aguenta a pressão de um bom duelo. ─ debateu Pedro, em um tom de superioridade. Edmundo deu uma gargalhada sem sal.
─ E parece que alguém não aguenta a pressão de admitir que eu sou melhor que você.
─ Rá-rá, pobre Ed, Quando é que você vai aprender a ser um verdadeiro desafiante? ─ Pedro se aproximou com um sorriso irônico.
─ Talvez quando eu encontrar um verdadeiro desafiante, e não apenas alguém convencido como você. ─ respondeu Edmundo, ficando de frente com o irmão.
─ Bom dia para vocês também. ─ exclamou Lúcia, fazendo os irmãos se afastarem e voltarem sua atenção para nós.
─ Estão aí por quanto tempo? ─ perguntou Edmundo.
─ O bastante para Elle perceber que vocês dois são duas crianças! ─ disse Susana, rindo e se aproximando.
─ Dois garotinhos. ─ brinquei, balançando a cabeça em negação, Pedro arfou.
─ Então acho que a senhorita Eleanor deveria mostrar suas habilidades com a espada, já que se mostrou tão boa no xadrez há dois dias atrás. ─ disse o loiro, se abaixando para pegar a espada com um movimento fluido, acompanhado pelo som metálico da lâmina raspando levemente contra o chão.
─ Não é necessário. ─ Susana falou.
─ Não, Susana, tudo bem. ─ falei, cruzando os braços. ─ Tem certeza de que quer passar pela humilhação de perder outra vez, rei Pedro? ─ perguntei, arqueando as sombrancelhas.
Xadrez era fácil, eu obviamente não sabia lutar com uma espada, não sabia como me defender, mas meu ego era alto demais para não aceitar o pedido de Pedro, mesmo que eu não o vencesse, teria aceitado.
─ Não sou eu desta vez. ─ disse ele, jogando a espada para Edmundo, que a agarrou imediatamente com a mão direita, depois aproximou-se de mim e me entregou a outra espada, com o símbolo de um leão.
Ao segurar a espada, mal pude acreditar no peso daquela lâmina. Por um instante, senti meus dedos escorregarem, quase deixando a espada cair ao chão.
Pedro mordeu os lábios, tentando esconder o sorrisinho, então revirei os olhos e tornei a segurar a espada firmemente.
─ Permita-me uma dança, senhorita Ellie? ─ disse Edmundo, se aproximando.
─ Seria um prazer, príncipe Ed ─ falei em um tom provocativo, imitando Pedro. ─ Quer dizer, rei Edmundo.
Edmundo franziu o cenho, com um sorriso de lado, então avançou.
As lâminas se chocavam, o som metálico era acompanhado pela sensação de vibração em minhas mãos, conforme a força de Edmundo encontrava a minha.
─ A propósito, senhorita, eu não sou um garotinho. ─ disse ele, enquanto eu me esquivava de um dos seus ataques. ─ Sou mais velho que você.
Cada vez que nossas espadas se encontravam, faíscas pareciam dançar no ar.
─ Sua mente é velha. ─ falei, ofegante. ─ Mas seu coração e corpo são os mesmos, não muda nada. Continua sendo um garoto de 17 anos, em Londres.
Eu estava me esforçando para antecipar meus movimentos, buscando uma abertura na defesa dele, mas Edmundo era bom, e eu estava em desvantagem, afinal, nunca tinha lutado com uma espada antes.
─ Não sou um garoto. ─ repetiu ele. ─ Sou um homem.
Enquanto desviava de seus golpes, uma lembrança veio à minha mente, transportando-me de volta ao dojo onde eu estava em uma das minha primeiras aulas de artes marciais com minha mãe, eu era um desastre.
Sua voz ecoou em minha mente, relembrando as lições que ela me dava.
“Mantenha os pés firmes no chão”, ela dizia.
O eco do passado se misturava com a agitação do presente, e por um momento, senti-me conectada tanto às lições de minha mãe quanto ao duelo diante de mim.
As palavras dela continuaram a me guiar, como se ela estivesse ali ao meu lado, encorajando-me a permanecer focada.
Com um movimento rápido, desviei de mais um ataque do moreno, e então avancei usando seus próprios métodos contra ele mesmo.
E então, vi a brecha que tanto esperava. Com um movimento ágil e preciso, desferi um golpe certeiro, desarmando Edmundo e vencendo o duelo.
─ Argh! ─ gemeu ele, quando caiu no chão. ─ Sua mãe também te ensinou esgrima?
Joguei a espada no chão, e me aproximei de Edmundo, estendendo a mão para ele, que agarrou com força, se apoiando e se pondo de pé.
─ Você ainda não é um homem, Ed. Vai ser homem quando eu disser que é homem. ─ falei, ofegante, mas com um sorriso no rosto.
─ Desarmou um dos melhores espadachins de Nárnia, estou impressionado! ─ exclamou Caspian, se aproximando.
─ Nem posso dizer que a deixei ganhar. — disse Edmundo, ofegante. — Não recebi o título de justo sem motivos.
─ Você tem vários talentos, Elle ─ disse Susana, se aproximando.
─ “Melhor espadachim”, é? ─ perguntei, levando minha mão ao peito e tentando controlar minha respiração ofegante.
Estranho...
Passei a mão pela minha nuca, toquei as pontas do meu cabelo.
Não estava lá.
Foi quando Edmundo puxou meu braço.
─ Eu machuquei você? ─ perguntou, fitando minha mão, que tinha um pequeno corte.
─ Não acredito... Não pode ser. ─ falei.
─ Calma, Elle, podemos enfaixar, não está tão ruim, ou se quiser, posso te dar uma gota do meu elixir de cura. ─ disse Lúcia, tocando meu ombro.
─ Viu só o que suas brincadeiras acabou resultando, Pedro? ─ exclamou Susana, olhando feio para o irmão.
─ Mas o que foi que eu fiz? ─ esbravejou o loiro, se aproximando.
─ Não acredito que eu perdi, como pude ser tão irresponsável? Como pude esquecer...
─ Não estou entendendo, o que você esqueceu? ─ perguntou Caspian.
─ O meu colar! ─ respondi.
— Colar? É muito importante para você? — perguntou Susana.
— Era da minha avó. — falei.
— Tem certeza de que estava usando esse colar quando chegou em Nárnia? — perguntou Pedro.
— Eu nunca tiro aquele colar. — respondi. — Me lembro claramente de usar o colar antes de sair da biblioteca da madame Scout.
— Você trocou de roupa, só pode estar em Cair Paravel, com as antigas. — disse Susana, trazendo um alívio.
— Ou deve estar no fundo do mar agora. — disse Edmundo, fuzilei ele com os olhos.
— Tenho certeza de que não gostaria de perder uma de suas bússolas, Edmundo. Então não fale nada. — disse Lúcia.
— Desculpe! — disse Edmundo. ─ Posso buscar para você.
— Faria isso? —  perguntei.
— É. Mais uma desculpa para chamar o grifo para um passeio. — ele deu de ombros, rindo.
— Uma desculpa para voar com o grifo, ou ir até Cair Paravel? —  perguntou Lúcia, entre risadinhas, então Edmundo revirou os olhos, mas percebi seu sorriso.
─ Posso ir com você. ─ falei.
─ Precisa cuidar de sua mão, Elle. — Susana interferiu.
─ Tem razão. ─ falei, ao mesmo instante que Edmundo.
─ Vou chamar o grifo. ─ disse ele, e logo nos entreolhamos.
Saímos ao mesmo tempo, eu, a caminho de Susana, e Edmundo à direção oposta.
Lúcia e Susana se entreolharam, Pedro franziu o cenho e Caspian apertou os lábios, tentando não rir.
Olhei em direção ao que todos olhavam, Edmundo ainda segurava minha mão machucada, franzi as sombrancelhas e a puxei imediatamente, voltando a caminhar com Lúcia e Susana, sem olhar para trás.
As duas não comentaram sobre o ocorrido durante o dia inteiro, e achei melhor assim.

Entre Dois Mundos: Os Reis e a Garota de Londres (Edmundo Pevensie)Where stories live. Discover now