Capítulo 6: Isto é real?

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A música ressoava em nossos ouvidos, enquanto os movimentos fluíam pelo nosso corpo. Mesmo tendo minha idade, investigar um garoto que vive em outro mundo — não figurativamente — pode parecer fácil, mas não é, não quando você está concentrada em uma valsa e tentando relembrar de todas as perguntas que você preparou.
— Nós não nos conhecemos — sussurrou Artemis. — , mas percebi que me olhava, por quê?
— É claro — suspirei. — , você deve saber que os reis estiveram em Tashbaan há dois dias atrás e não foram muito bem recebidos pelos soldados de seu pai.
Não demorou um segundo desde que terminei de falar, o moreno arregalou os olhos azuis e soltou minha mão direita, a mão machucada, que doeu.
Isso era um bom sinal. Ele sabia sobre o ataque do navio e provavelmente sabia sobre a pedra da cura que seu pai tanto procurava.
Um ponto para Ellie Beaumont.
Puxei sua mão outra vez, mas não com tanta força, acredite, ter a mão cortada por uma espada é mais doloroso que um arranhão de quando você cai precisando apoiar as mãos no chão.
Ainda doía, as vezes coçava um pouquinho, mas quando Edmundo segurou minha mão, não existia dor alguma, e se existisse, era irrelevante.
— Se soltar o meu braço, eu grito. — ameacei. — A polícia de Caspian está investigando o ataque, senhor Artemis. E eu estou ajudando. — era verdade, o próprio Caspian me pediu para fazer isso.
Artemis suspirou, aparentemente incomodado, e voltou a me guiar pelo salão.
— Você veio com eles, não é? Com os antigos reis? — seus olhos azuis confusos estavam concentrados nos meus.
Confiar em Artemis não era uma opção, eu não deveria mentir, mas falar a verdade poderia ser um grande risco.
Imagino a cara de Pedro.
Se Lúcia estivesse em meu lugar, o que ela faria?
Continuei em silêncio, encarando a confusão estampada em seu rosto.
— O que você quer, afinal? — insistiu ele.
— Eu sou detetive particular, fui contratada por Pedro e Caspian para descobrir a verdade por trás dessa história de pedra mágica, então se você souber de algo, não se incomode em guardar segredo.
Detetivo particular? — repetiu ele.
Por acaso em Nárnia não existiam Detetives ou Investigadores? Não, mas a polícia estava por todo canto. Mais tarde, eu descobriria que quando meus amigos chegaram em Nárnia pela primeira vez, a polícia eram os lobos da feiticeira branca. — Pedro e Caspian... — ele continuou. — Você deve ser muito próxima para chamá-los pelo nome.
— É Detetive, e o que realmente vem ao caso é descobrir o real motivo por trás desses ataques repentinos na Calormânia e se vão acontecer outros como todos estão pensando. Você estará fazendo um favor para os reis se contar a verdade, um favor para Nárnia.
— O que você vai ganhar com isso?
Boa pergunta. Talvez, a resposta seja nada.
— Por favor, me deixe em paz, você vai estragar tudo.
— Estragar o que? — perguntei, então ele me girou. — O que eu vou estragar?
— Shhh... estão olhando. — ele sussurrou outra vez, me fazendo respirar fundo com impaciência. — Se quer mesmo insistir nisso, me encontre na biblioteca antes da meia noite. Agora, não diga mais nada.
Voltei meu olhar para Pedro e Edmundo.
— Tudo bem — sorri, contido.
E a dança continuou por longos entediantes minutos.
Quando a valsa finalmente acabou e todos voltaram a conversar e partir para a mesa de aperitivos, Artemis já não estava mais ao meu lado e foi quando percebi Pedro e Edmundo se aproximando. Susana e Lúcia estavam com eles, e antes de estarem perto o bastante, Edmundo disse algo que fez Lúcia rir.
— Conseguiu algo? — perguntou o loiro.
— Ainda não, vou me encontrar com ele na biblioteca, ele vai me contar tudo.
— Não é confiável. — murmurou Pedro.
— E se essa for nossa única chance?
— Ele é um calormano, Beaumont! Você não o conhece e nós não o conhecemos.
— Podemos mandar alguém com ela, para que ela fique segura — disse Edmundo.
— Não é necessário — falei.
— Existem mesmo chances dessa pedra estar aqui? — perguntou Lúcia.
— Acho que se Caspian tivesse uma pedra mágica, ele saberia. — argumentou Susana.
— Caspian também não sabia que o próprio tio matou seu pai, então, tudo é possível — disse Pedro, em seguida se voltando para mim. — Tem certeza de que não tem uma ideia melhor, Sherlock Holmes?
Revirei os olhos.
— Pedro, vocês me colocaram nisso, eu não tenho certeza de absolutamente nada.
Ele se voltou para Edmundo, arqueando as sombrancelhas.
— O que você acha?
— Deixe-a ir — respondeu Edmundo, dando de ombros. — Confio nela.
— Obrigada, Edmundo! — minhas palavras saíram em um tom mais sarcástico do que deveria.
Pedro era o grande rei, e Edmundo também sendo rei e conselheiro do irmão, podia ajudá-lo com seus conselhos e opiniões, mas a palavra final sempre era de Pedro, então se ele não permitisse que eu fosse, eu não poderia ir mesmo com a permissão de Edmundo.
Isso me deixava irritada.
O loiro respirou fundo, pensando na opinião do irmão, e estalou a língua.
— Tudo bem, tem certeza de que quer fazer isso? — perguntou.
— Eu tenho escolha? — dei de ombros. —  Eu queeero.
— Tudo bem então, esperaremos por você — disse Susana.
— Eu também — disse Edmundo, com seus olhos fixos nos meus, às vezes, eu sentia a sensação de querer sempre estar perto e olhar para elas — as esferas brilhantes de seus olhos.
— Certo — disse eu, quebrando o contato visual. — Já vou.
Já de costas, caminhei em direção à biblioteca, graças aos céus eu tinha uma noção de onde ficava. Continuei a subir as escadas, até uma pessoa esbarrar em mim.
— Oh, perdão — disse a loira com quem eu tinha conversado há algumas horas atrás. Astória.
— Olá, outra vez. — esbocei um sorriso gentil.
No entanto, ao preparar-me para prosseguir, me assustei com o estrondo proveniente do estilhaçamento de um dos vitrais da janela. Imediatamente, o castelo foi tomado pelo caos, com desespero e alvoroço.
Meus olhos correram por cada canto do castelo, e só me conformei quando ouvi uma voz me chamar.
Segurando o meu braço, Edmundo me puxou para subir as escadas, até chegarmos em um dos corredores labirínticos.
— Você está bem? — ele se aproximou, com os olhos preocupados, então segurou o meu rosto com suas mãos, dava para sentir sua respiração quente e rápida em meu rosto.
— Cadê a Lúcia? — perguntei.
— Ela está bem. — ele se afastou, ofegante, passando a mão pelo cabelo. — Precisamos sair do castelo, Pedro disse que temos que estar em Cair Paravel.
— Ah, e como você pretende fazer isso? — cruzei os braços, continuando a andar o mais rápido que conseguia.
Aqueles sapatos confortáveis que escolhi, já não eram mais tão confortáveis assim.
— Não tenho a mínima ideia — ele me seguiu. — É questão de tempo para estarem aqui.
Edmundo iria virar a esquerda do corredor, iria para seu quarto. Impedi que ele fizesse isso, segurando seu braço.
— Não, Edmundo. Lá é o primeiro lugar em que irão procurar.
— Tem razão, mas eu preciso da minha espada.
— Que tal pensar em salvar sua vida primeiro? — e continuamos andando.
— Não, Elle. — ele disse, ao de me puxar de volta para o outro corredor. — Se formos por aí, sairemos no primeiro andar, seremos atacados.
— Edmundo, isso aqui é um mundo cheio de magia e você é o rei, não pode simplesmente falar palavras mágicas e realizar um desejo? Como... leve-me onde meu irmão está e...
— Eleanor, eu sou um rei, não um feiticeiro que trabalha com magia negra. — suas palavras saíram pesadas, me fazendo revirar os olhos.
Ele foi por aqui, subam! — a voz masculina com um sotaque esquisito ecoou pelo corredor.
Estavam procurando por Edmundo.
Corri, tentando não tropeçar no vestido, subimos mais escadas e ao chegarmos ao fim do último corredor escuro, um portão com grade de ferro abria passagem, onde aquilo iria dar? Será no alçapão?
Não tinha cadeado, já estava aberta.
— É melhor entrar. — disse Edmundo, empurrando a grade, tentando o máximo não fazer nenhum barulho.
— Edmundo, por que está aberta?
— Ripchip estava vigiando as torres, lembra? Ele esteve aqui, só espero que esteja seguro agora.
A sala era fria e escura, mas a luz de fora iluminava uma parte da sala, e lá tinha uma porta de madeira entreaberta.
Estávamos em uma das torres, não tão alta como a de ontem à noite, mas ainda era uma torre, e se você nunca esteve em uma, com certeza diria que aquela era alta demais.
— Estamos seguros aqui? — me voltei, olhando diretamente em seus olhos.
— É claro que não, estão nos procurando.
Ficamos alguns segundos em silêncio.
— Por que não foi com seus irmãos? — perguntei, quebrando o silêncio.
— E eu iria te deixar aqui?
— Eu sei me virar sozinha, sabia disso?
— Um simples obrigado já seria bom. — ele fez uma careta.
Um rangido agudo e metálico ecoou pelo ambiente como um presságio sinistro.
Fomos pegos.
— Melhor agradecer depois — sussurrei. — Temos companhia.
— Ah, eu já vi esse filme antes. — disse ele, com decepção no tom de voz, e correu para fechar a porta que nos trancava do lado de fora da torre.
— Se prepara pra pular, Elle! — ele gritou.
— Você está ficando louco? Se não está sabendo, eu ainda tenho planos de ir para a universidade!
— Você precisa fazer o que eu mandar.
— Quer pensar nisso um minuto?
— Não vê que não temos um minuto? — ele segurava a porta com toda força, mas estávamos em desvantagem. — Elle...
— Tá! — respirei fundo. — E como você garante que...
Edmundo bufou e soltou a porta, correndo até a ameia da torre, se voltando para mim.
— Por que você é tão teimosa? — disse ele, com a voz baixa, então piscou o olho esquerdo com um sorriso de lado, antes de abrir os braços e pular da torre. Corri até a ameia, com o corpo congelado. O homem se virou para mim, apontando sua espada no meu pescoço.
— Você viu, não viu? O rei Edmundo... ele... — gaguejou.
Afastei o rosto, tentando fugir de sua espada, olhava por cima do meu ombro quando percebi pelos de cor cinza em baixo da ameia.
Theron, o líder dos grifos estava ali, me esperando.
— Então a história era verdadeira — pensei em voz alta.
— Como é que é? — o rosto do homem se contorceu, e quando ele se preparou para avançar com a espada, me posicionei na abertura da ameia da torre, a adrenalina pulsava em meu peito.
Senti o vento em meus cabelos já soltos, o vestido balançando e por fim a pelagem quente e fina de Theron me envolver.
Nem percebi quando Edmundo estava voando ao meu lado, ele sorria para mim.
— Você está bem? — perguntou ele.
— O que você acha? — gargalhei, abraçando o grifo mais forte. Se eu já não soubesse que aqueles animais falavam, ficaria surpresa ao perceber que escutei sua risada.
— A senhorita foi muito corajosa — disse o grifo, batendo suas asas com agilidade.
Uma lágrima de emoção, medo, adrenalina, felicidade e liberdade caíram dos meus olhos.

Entre Dois Mundos: Os Reis e a Garota de Londres (Edmundo Pevensie)Where stories live. Discover now