Capítulo 7: O Enigma

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O constante ruído metálico e agudo da espada de Edmundo destruía toda a parte empolgante daquela manhã.
Já faziam duas horas que o garoto não parava de esfregar aquela espada prateada, que Caspian teve o orgulho de enviar de volta, logo cedo. — Imagine meu susto ao acordar e ver dois minotauros enormes na minha frente logo pela manhã! Mas você definitivamente não precisa saber disso. — Talvez, só estivesse fazendo aquilo pelo tédio, mas era irritante. E quando Susana reclamou pela segunda vez, ele murmurou a seguinte resposta:
— A espada de um rei é sempre afiada, Susana. Deveria procurar algo pra fazer também.
Os olhos azuis da garota se reviraram, fazendo Lúcia soltar a maior gargalhada. Pedro também não parecia nada bravo, pelo contrário, estava tão sorridente quanto Lúcia.
E aquela foi a minha vez de revirar os olhos.
— Pode repetir outra vez? — disse o loiro, com o sorriso mais sínico.
— Repetir o quê? — minha voz saiu mais zangada do que eu esperava, ainda estava brava com Pedro, e um pedido de desculpas seria bom.
Da parte dele.
— Sobre Aslam, é claro — Edmundo entrou na conversa, sem tirar os olhos da espada de prata. — A parte em que ele diz que Pedro é superior — seus ombros balançaram, estava rindo.
Edmundo não se incomodava em ouvir o tempo todo que seu irmão era o grande rei, ou o magnífico. E ver Edmundo rir sem sarcasmo não é uma coisa que você pode presenciar a qualquer hora, pense nisso como uma dádiva.
— Não vou repetir — falei, dando de ombros e em seguida apontando o dedo para o loiro. — E não fala comigo.
— Você sabe que negar o pedido de um rei pode lhe causar muitos problemas, não sabe? — brincou Edmundo.
— Ah é? E o que ele vai fazer? — ah, claro. Eu estava morrendo de medo daqueles dois babões.
— Eu estava pensando em algo simples — murmurou Pedro, mordendo uma maçã. — Um corte de cabelo, talvez. Está uma bagunça. — e é claro que ele resmungou a última frase.
— Ninguém vai cortar o cabelo de ninguém — interrompeu Lúcia, antes que eu pudesse pensar em algo para calar a boca de Pedro.
— Mais cuidado, Edmundo! — reclamou Susana, quando o irmão quase derrubou as flechas em cima da pequena mesa improvisada que construíram noite passada.
E enquanto os dois entravam em uma conversa intrigante que eu não me interessava nem um pouco, Pedro fazia brincadeiras com Lúcia, até que fomos interrompidos por um esquilo vermelho tagarela e um anão de barba longa que apareceram de repente.
O esquilo não parava de falar e surgiu tão rápido como uma rajada de vento, e o anão... bom, com passos firmes e voz potente, me fez arregalar os olhos.
Na mesma hora, Edmundo e Pedro sacaram suas espadas.
— Um anão e um esquilo — anunciou Susana. — Abaixem as espadas.
— O q-que fazem aqui te-telmarinos? — gaguejou o esquilo.
— Não está vendo? Só podem ser fugitivos! Fugitivos da Calormânia! — exclamou o anão.
— Não sabem quem somos? — perguntou Susana, com um olhar confuso para Pedro.
— E por que teríamos de saber? Ah! É claro, como pude me esquecer? — o tom de voz do anão era tão sarcástico quanto minhas conversas com Pedro, isso qualquer um ali perceberia.
Menos o inocente esquilo falante.
— Ah é? Então diga-me logo, Bramblewick. Quem são esses senhores?
— Os guardiões das últimas amêndoas de prata, ora! Devo ter esquecido de ler o decreto real sobre vocês? Devo me curvar?
Me atrevi a olhar para Edmundo, seus lábios formavam um sorriso de lado, diferente de Pedro, com a mandíbula contraída em uma expressão tensa. Seus olhos faiscavam de raiva.
— Compreendo que a notícia pode ter demorado a chegar até você. Mas não se preocupe, estamos aqui para esclarecer qualquer dúvida que possa ter. Agora, sobre essas amêndoas...
— Sem tempo para piadas, Edmundo. — interrompeu Pedro.
— Quem são vocês? — perguntei.
— Acho que já deveriam saber quem somos — resmungou o anão. — Respondam vocês!
— Tudo bem — concordou Pedro, de forma simples. — Vocês são narnianos. E eu sou o grande rei Pedro. Esses são meus irmãos: rei Edmundo e rainhas Lúcia e Susana.
O anão deixou escapar uma tosse falsa.
— E quem é essa aí? — perguntou ele, com as sombrancelhas levantadas.
— Eleanor — respondi, simples.
— Nome esquisito — resmungou o anão.
— Não tanto quanto o seu. — disse Edmundo. — Ao menos demonstre respeito à minha amiga.
— Uma filha de Eva... — o esquilo arregalou os olhos castanhos. — Vocês realmente são os reis e rainhas do passado?
Fez-se um silêncio por alguns segundos. A resposta estava dada.
— Eu sabia, eu sabia! — exclamava o esquilo, correndo para lá e para cá. — Eu sabia que os boatos eram verdadeiros, sabia que estavam aqui, olhe, Bramblewick, só pode ser esse o motivo do pergaminho secreto!
— Não pode ser — sussurrou o anão, com a expressão assustada.
— Pergaminho secreto? — perguntou Lúcia. — Que pergaminho é esse?
— Meu amigo Bramblewick e eu estávamos retornando do Monte Aslam, e ao chegar em Cair Paravel, encontramos esse pergaminho. Acho que é cheio de magia, pois apareceu de repente.
— Nós não abrimos, só pra deixar claro. — disse o anão, retirando o papel amarelado da bolsa de alforje e entregando para Pedro.
— É muito parecido com os pergaminhos que escrevíamos, não acham? — perguntou Susana, olhando para os irmãos.
— Vocês encontraram esse pergaminho no meio do nada? — perguntou Edmundo.
— S-sim, milorde. — gaguejou o esquilo.
— E trouxeram com vocês?! — Edmundo, boquiaberto, recebeu um soco na barriga. — Ai! — resmungou ele.
— Silêncio — sussurrei, com os olhos semicerrados.
— Vamos abrir — disse Pedro, olhando para todos ao redor, e firmou seus olhos em mim. — Juntos.
Me aproximei da mesa, acompanhada por Edmundo. Todos observavam enquanto Pedro colocava o pergaminho delicadamente no centro da mesa. Só naquele momento, percebi o vento que ali se instalava. Com um gesto suave, afastei meus cabelos para o meu ombro esquerdo. Pedro, com mãos firmes e olhos azuis mais brilhantes que nunca, deslizou os dedos sobre as bordas envelhecidas do pergaminho, revelando a escrita ancestral ali registrada.
— É dele? — sussurrou Edmundo.
— É sim. — sussurrou Lúcia.
Pedro limpou a garganta, e começou a ler:
Reis e rainhas de Nárnia. Espero que esta carta os encontre quando estiverem em paz e harmonia, envoltos pela luz radiante da justiça e da sabedoria que tão dignamente governaram vossas terras. — o loiro fez uma pausa, olhando para mim e depois para Edmundo, então prosseguiu. — Como Senhor dos Bosques e guardião das criaturas que nele habitam, é com grande apreço que me dirijo a vós neste momento. Antes de tudo, saibam que vossa nobreza e coragem são admiradas por todos aqueles que habitam em nosso país. Nos confins de Nárnia, uma missão de grande importância aguarda vossa presença. O destino do reino e de seus habitantes está intrinsecamente ligado à jornada que se apresenta diante de vós.
Enquanto minhas pupilas se fixavam nas palavras que pareciam ser escritas a cada momento que Pedro as lia, um sopro de emoção percorria meu ser. Aquele momento parecia congelar o próprio tempo.
Quando o vento brincou com a folha do pergaminho, meu instinto me levou a estender a mão em um gesto quase inconsciente na direção da folha inquieta.
Meus dedos encontraram os de Edmundo, que também estendeu a mão para conter o papel. Uma corrente elétrica pareceu percorrer todo o meu corpo, senti um frio na barriga. Nossos olhares se cruzaram por um breve momento, e pude sentir a intensidade daquele contato refletida em seus olhos que brilhavam ao refletir do sol. Um turbilhão de emoções se desenrolou dentro de mim, e me peguei desviando o olhar.
Lembrem-se: A luz da esperança brilha intensamente sobre aqueles que se dispõem a aceitar o chamado de seu destino. Vocês já estão cientes da insistência do governador da Calormânia, em procurar pela pedra da eternidade, não permitam que isso aconteça, pois em mãos erradas, o poder da pedra tentará corromper a magia profunda que um dia, salvou aquele que hoje, está ao nosso lado. Existe, porém, um enigma que os levará até a pedra: O seixo só pode ser encontrado com a ajuda da mais resplandecente estrela. Poder, beleza e vida eterna oferecerá, mas quem acredita no poder da magia profunda que um dia salvou um traidor, irá recusar.
— O quê?! — exclamou Susana.
— Espere, tem mais, olhe! — Lúcia apontou para o pergaminho, que parecia magicamente escrever novas palavras.
Saibam que a missão que os aguarda só poderá ser completada com a presença e o auxílio de dois líderes excepcionais: O atual rei de Nárnia, Caspian X e sua mais nova amiga Eleanor Beaumont. A união de suas habilidades e coragem será fundamental para o sucesso desta empreitada.
Observei atentamente as palavras escritas na carta, esperando por mais e absorvendo cada detalhe da mensagen de Aslam. Enquanto meus olhos percorriam as letras, uma sensação de energia pulsante parecia emanar do pergaminho, como se as palavras vivas estivessem desaparecendo. De repente, faíscas douradas dançaram ao redor do papel, envolvendo-o em um halo de luz cintilante. Uma chama brilhante e calorosa surgiu no centro da folha, envolvendo-a em um fogo mágico que não queimava, mas emanava uma luminosidade reconfortante. Tenho certeza de que naquele momento, todos nós sentimos a presença de Aslam se manifestar, como se o próprio Senhor dos Bosques estivesse presente naquele fogo etéreo.
E então, o pergaminho se transformou em cinzas douradas que dançaram no ar antes de desaparecerem completamente, como se as palavras tivessem sido absorvidas pelo vento, levando consigo a promessa de uma jornada extraordinária.
— E ainda tem gente que caiu naquela história de pedra da cura — balbuciou Pedro.
— O que dizia no enigma mesmo? — perguntou Susana. — Não me lembro de todos os detalhes.
— Já disse isso antes e vou dizer outra vez: Mulher é assim, nunca consegue guardar um mapa na cabeça. — disse Edmundo, voltando-se para Pedro e para o anão, com um sorriso.
— Você é tão engraçado, Edmundo — respondeu Susana, com uma careta.
— “O seixo só pode ser encontrado com a ajuda da mais resplandecente estrela. Poder, beleza e vida eterna oferecerá, mas quem acredita no poder da magia profunda que um dia salvou um traidor, irá recusar.” — repeti. — O que isso significa, afinal?
— O seixo é a pedra. — disse Pedro. — Poder, beleza e vida eterna são os poderes que ela possui.
— E são fortes o suficiente para destruir esse reino. — disse o anão.
— O que faremos? — lamentou o esquilo.
— Temos que encontrar e destruir a pedra antes que Donovan a tenha em mãos. — disse Pedro.
— Mas como faremos isso? — perguntou Lúcia.
— Isso não faz sentido algum! Quer dizer que a pedra só pode ser encontrada com a ajuda de uma estrela? Como vamos falar com uma estrela? — disse Susana.
— Através dos centauros. — disse Edmundo. — Podemos descobrir algo com a ajuda deles.
— Sei onde encontrá-los — disse o esquilo.
— Não é preciso, estamos aqui. — uma voz potente ecoou, saindo das árvores.
Os três homens de pele escura e cabelos longos extremamente lisos eram como pessoas comuns, até você olhar para baixo e perceber que tinham pernas de cavalo.
— Estivemos observando as estrelas por meses antes da vossa chegada, majestades. — o centauro se curvou, enquanto nós mantínhamos os olhares fixos neles.
— Então vocês sabem como podemos encontrar a pedra da eternidade? — perguntou o anão.
— De certo que sim, meu rei.
— “O poder da magia profunda que um dia salvou um traidor.” — repetiu Edmundo. — Sou eu o traidor a quem o enigma se refere.
— Não é sua culpa, Ed. Nem sabíamos dessa pedra — disse Lúcia.
— Mas é meu problema — rebateu ele.
— Não. É nosso problema. Caspian e eu também estamos envolvidos. — falei. — Por acaso, tem alguma coisa aqui que eu não tenho conhecimento? — perguntei.
Pedro respirou fundo.
— Não é a hora, Elle.
— Se tiver, eu preciso saber. Por que Edmundo seria o traidor?
Um silêncio se instalou no ar naquele momento.
— Você lembra do que eu disse sobre a feiticeira branca. — disse Edmundo. — Sobre o acordo que eu fiz com ela.
— Sim, e?
— Quando cheguei em Nárnia pela primeira vez, ela disse que era rainha de Nárnia. Transformou tudo em inverno, só neve e nunca natal. Ela sabia da profecia sobre os dois filhos de Adão e duas filhas de Eva que governariam Nárnia. Mas ela queria ser a única no trono, e ordenou que qualquer humano que chegasse em Nárnia, seria morto. — Edmundo fez uma pausa, e com um sinal com a cabeça, pedi para ele continuar. — Ela me prometeu muitas coisas, em troca que eu levasse meus irmãos até ela.
Da maneira em que Edmundo continuava contando a história, eu sentia meu coração apertar. E pensar que ele só era um garotinho quando tudo aquilo havia acontecido. Ed não era uma má pessoa, não a ponto de desejar ver o irmão e as irmãs transformados em estátuas de pedra. O que ele queria simplesmente era comer manjar turco, ser o príncipe que a feiticeira prometeu para ele e se vingar de Pedro que antes não tinham uma boa relação.
— Foi mil vezes pior quando reencontrei meus irmãos e tive uma conversa com Aslam. — ele limpou a garganta, já com a voz trêmula. — Eu nem deveria estar vivo agora. — continuou, deixando escapar uma risada solitária.
— Chega. — ordenou Susana.
— Não, Su. — interrompeu Edmundo. — Ela precisa saber.
— Por que? Aslam disse que não deveríamos tocar nesse assunto outra vez. — disse Pedro.
— Ela iria saber de qualquer jeito, por que não ouvir pela minha boca? Estou farto de toda essa história. Sabe muito bem como foi.
— Eu já ouvi o bastante — falei. — E eu sinto muito.
— Não me olhe assim. — disse ele.
— “Assim” como, Edmundo?
— Como se estivesse com pena de mim. Já está tudo bem, isso não é mais necessário.
— Oh, querido — sorri, com sarcasmo. — A única pena que senti de você foi por ter pedido manjar turco para a feiticeira.
Edmundo riu.
— Nunca vai esquecer disso, não é?
— Nunca. — repeti.
Caminhamos pelo bosque de Cair Paravel, até a praia. O sol brilhava com mais clareza e queimava em nossa pele. Lúcia, que tinha a pele sensível já estava ficando vermelha.
Deciframos metade do enigma rapidamente com a ajuda dos centauros. E estávamos dispostos a sair nessa missão o mais rápido possível.
Em Tashbaan, capital da Calormânia.
Foi lá que tudo começou.
— Só não sei como iremos encontrar Caspian outra vez, não podemos voltar para Telmar e avisá-lo.
— Vamos escrever uma carta — disse Lúcia.
— Certo. Edmundo, chame os grifos. Temos que partir enquanto o céu estiver claro, pois durante à noite será mais perigoso.
— Encontrem essas pessoas, majestades. — disse o centauro, entregando um papel amassado para Pedro. — Eles irão ajudar, a qualquer momento. Mas sejam discretos, eles não gostam de chamar atenção.

Entre Dois Mundos: Os Reis e a Garota de Londres (Edmundo Pevensie)Donde viven las historias. Descúbrelo ahora