Marco Ferrari

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Boa leitura

Marco Ferrari

O vento gelado sopra contra o meu rosto, bagunçando meus cabelos. Está 3 graus negativos na Bielorrússia. A neve gelada caía sobre a minha pele, fazendo meus dentes baterem de frio e todos os meus ossos doerem.

Do alto do prédio, assistimos à movimentação dos homens de Ziven. Há seis carros pretos estacionados em fileiras, e ainda não conseguimos descobrir em qual deles está o maldito russo. Lucca está ao meu lado com uma doze, apontada para o quinto carro blindado, enquanto estou portando uma AK-47 com mira a laser.

— Uma doze, sério? — Indago sem desviar minha atenção do alvo.

— Balas de aço, calibre doze, atravessam a blindagem — Devolve, áspero.

Me controlo para não revirar os olhos, e meus lábios se curvam em desgosto. Estar aqui com ele não é o melhor do meu dia, contudo compreendo que é por uma boa causa, então vale a pena.

Aceno com a cabeça, mantendo minha atenção. Estamos aqui há duas horas, e há uma hora e trinta minutos os carros estão estacionados, mas não há sinal de Ziven. E isso, meu caro amigo, não é um bom sinal.

— Tem alguma coisa errada — murmurei baixinho, afastando minha atenção da luneta e olhando ao redor — Caralho! — Amaldiçoo ao ouvir passos, passos leves de algo pequeno. Um cachorro? Não, muito leve. Uma criança?

— O que…? — As palavras de Lucca morrem no instante em que nos viramos para olhar em direção à porta.

— Puta que pariu — murmurei entre dentes.

O vento frio sopra contra nossos rostos, narizes gelados, lábios cortados, a sensação dolorosa de queimação na pele, que se intensifica na bochecha, no nariz e na região dos olhos.

— Quem é você? — indagou Lucca, dando um passo à frente. A arma ainda continua na mesma posição, só que agora está apontada para a cabeça de uma criança, aparentemente com seis ou sete anos, com o rosto sujo, roupa surrada, assemelhando-se muito a um morador de rua.

Não posso evitar sentir o estômago revirando, um país tão rico, tanto luxo e ostentação. Há verbas para projetar as melhores armas do mundo, os melhores hackers, bombas, carros, enquanto ainda há crianças nessa situação. Balanço a cabeça, focando a mente no que realmente importa nesse instante: descobrir quem é essa criatura e o que a traz aqui.

— Eu perguntei quem é você, porra? — Indaga Lucca, com o dedo pairando sobre o gatilho.

Engulo a seco, temendo pela criança. Desde que Lucca saiu da casa de Felipa, ele está irritado, calado e, o pior, se drogando. Enquanto estávamos no jato, olhei de relance e notei quando ele mandava dezenas de mensagens para o contato da principessa, mas assim como eu, ele não teve retorno.

— Baixa essa merda — coloco a mão sobre o ombro de Lucca, que ignora meu pedido. — É uma criança, caralho.

— Com essa idade, eu já caçava servos e animais selvagens — Comentou Lucca, sem quebrar o contato visual com o menino.

—  Возьмите это — Diz a criança em um tom baixo. Observo melhor: o menino usa uma calça de moletom preta, casaco azul marinho e suas roupas estão com resíduos de neve. Seu rosto tem manchas de sujeira e ele usa uma touca para proteger os ouvidos do frio. Minha atenção cai sobre suas mãos: ele não está usando luvas. Assim, observo que a criança segura algo como uma caixinha quadrada, algo que se parece com um telefone móvel.

— O que ele disse? — Indagou Lucca, dando uma olhada rápida para mim.

— Возьмите это, идиоты — Repete a criança.
“ pegue o telefone idiota”

— Que diabos esse moleque está falando? — Praguejou Lucca, visivelmente irritado.

— Inglês? — Indago, esperançoso. Talvez a criança fale inglês.

— Возьмите это, идиоты  — devolve a criança, com uma expressão irritada.

— O que foi isso? — Os olhos de Lucca encontram os meus. Em seu rosto há uma carranca de fúria.

— O que foi? — Dou de ombros — Foi um palpite.

— Palpite de merda. — Rosnou. — Olha para o garoto. Parece não ter dinheiro para comer, vai ter para pagar aulas de inglês? — Amaldiçoou, com uma expressão incrédula.

Dou de ombros.

— Возьмите это, идиоты — diz a criança, se baixando, colocando a caixinha de celular no chão, se levantando e começando a se afastar.
“Pegue isso, seus idiotas.”

— O garoto? — Chamei. Contudo, ele continua a caminhar, se afastando ainda mais.

— Ei? — Lucca abaixa a arma. — Quem mandou isso?

— Пошел на хуй, засранец. — Grita a criança, dando o dedo do meio e correndo pela porta.
“Vai se foder, seu cuzão.”

— Você me chamou do que? — Lucca avança na direção da criança que corre. — Seu pequeno filho da puta, volte aqui. — Grita, enquanto a criança escapa.

— Você entendeu o que ele disse? — indago, indo em sua direção.

— Não, porra. — Paramos ao redor da caixinha, conseguindo perceber que é um smartphone. — O russo do garoto é o de Belarus.

— Como assim? — Coçando a cabeça, me abaixei para pegar o aparelho.

— A população de Belarus é composta por russos, poloneses e ucranianos, além dos nascidos no próprio país. O russo e o belarusso são seus dois idiomas oficiais — explicou.

— Entendi. Os russos e suas merdas... — seguro o smartphone da Samsung na mão, quando sou surpreendido com a tela acendendo.

Um número começa a piscar na tela; em seguida, o aparelho vibra na minha mão. É uma chamada.

— Atende — pede Lucca, sua postura ficando tensa, igual à minha.

Engulo a seco, sentindo o coração trovejar na caixa torácica; a tensão ganha força no ambiente. Deslizo o dedo na tela, atendendo a chamada e colocando no viva-voz.

— Privet, druz'ya, dobro pozhalovat' v Rossiyu — ecoou a voz do maldito Ziven do outro lado da linha.
"Olá, amigos, bem-vindos à Rússia."

— Ziven, seu maldito bastardo! — rosnou Lucca, em um tom que goteja veneno.

— O que você quer, desgraçado? — Meu tom é áspero.

— Assim vocês me ofendem — ecoa o som do seu riso — Só liguei para dar boas-vindas. — Graceja o fodido.

— Deixe-me dar boas-vindas para sua mãe, seu filho da puta! — berra Lucca, deixando seu temperamento explodir.

— Sinto lhe informar que minha mãe está morta, aquela vadia, mas pode dar suas boas-vindas à minha irmã… Oh, é mesmo, você já deu mais do que boas-vindas a Roxana, não é mesmo, Falcone, seu maldito filho da puta! — provoca Ziven, com seu inglês de merda, seu sotaque é forte.

— Quero que se foda sua irmã e você junto, seu merda! — devolve Lucca.

Amaldiçoou por não tê-lo impedido de se entupir de drogas. Agora preciso lidar com a porra de uma bomba-relógio.

— Não seja grosseiro, Falcone. Você está em meu país, no meu território e caçando algo que me pertence…

— Te pertence? — interrompo.

Arqueio as sobrancelhas, não gostando do rumo que as coisas estão tomando. Perdemos o elemento surpresa, o que nos coloca em uma posição perigosa.

Observo Lucca olhando ao redor, buscando algo, ou melhor, alguém.

— Ah, por favor, rapazes, eu sei que estão atrás da minha filha — Engulo em seco, meus olhos encontram os de Lucca — Também sei que estão interessados na mãe da minha "malen'kiy", o que é estúpido pra caralho, não acham?
"Pequena"

— Então sabe que vamos matar você, matá-lo e levar a menina para a mãe, não sabe? — Digo friamente.

Um calafrio percorre minha nuca até os dedos dos pés, arrepiando todos os meus pelos, quando uma gargalhada estrondosa escapa do stronzo.

— Qual é a graça, porra? — praticamente gritei.

— A graça é vocês acharem que vão levar a minha filha — seu tom mudou, senti fúria em sua voz — Estão equivocados se pensam que vão ficar com a minha filha, ou com a mãe dela. Elas são minhas! — declarou entre dentes.

— Nos seus sonhos — devolveu Lucca.

— Seus dias estão contados, maledetto — disse em forma de um rosnado.

— Não vamos nos estender — apertei o celular com força entre os dedos — Só liguei porque preciso que dê um recado à mãe da minha malen'kiy. — Ecoou o som do seu riso — Diga a Tatiana que o lugar dela é ao meu lado e da filha dela. Diga que a estou esperando, e que Kalina chama pela mãe todas as noites.

— Seu filho da puta! — Amaldiçoou.

— Ei… Escute direitinho o que vou te dizer — mordo os lábios reprimindo a raiva — Na memória desse celular tem um vídeo, mande para a dolce ragazza e diga que muito em breve a espero…

Movo os lábios para responder, mas a chamada é interrompida.

— Me dá isso — Ordena, arrancando o celular da minha mão. Lucca começa a vasculhar cada pasta do aparelho, até encontrar uma pasta com a inicial T. Há um vídeo, apertando play, ecoou o riso de uma criança.

A câmera está focada na pequena criatura sentada em um tapete felpudo rosa. A pequena criança está usando um lindo vestido estilo princesa, branco e rosa, seus cabelos castanhos caem em cascata sobre os ombros, alguns cachos adornam o penteado, uma tiara semelhante à de uma princesa.

O que mais me chamou atenção são os olhos castanhos, intensos e expressivos, que são idênticos aos de Tatiana. Lábios, o sorriso.

Meu peito se aperta, engulo em seco ao notar que a criança segura um porta-retratos em suas mãos.

— Quem é essa moça linda? — Indagou Ziven para a criança.

— Mamãe! — respondeu a pequena criatura, com empolgação em seu tom.

— A mamãe é linda, não é? — Indaga Ziven, colocando a menina sentada em sua coxa.

— É um anjo — Devolve a criança, sorrindo alegremente.

— Então diga à mamãe para que venha ficar com a gente — Ziven segura o celular de forma que a câmera foque nele e na criança — Diga que estamos morrendo de saudade dela e que queremos ela aqui.

A criança sorri, seus olhos brilham, suas mãos pequenas seguram com cuidado o porta-retrato, que percebo ser Tatiana nele.

— Mamãe? — Seu sorriso cresce — Vem pra casa ficar comigo e com o papai.

— Isso, pequena, diga à mamãe que amamos ela e que o lugar dela é ao nosso lado. — Encoraja o russo.

— Vem pra casa, mamãe — a pequena sela um beijo sobre a foto da mãe e sorri — Estou com saudades, te amo muito, mamãe.

A gravação chega ao final. Lucca e eu permanecemos em silêncio, encarando o celular de forma obsessiva.

Mil pensamentos invadem minha mente. A menina é tão doce e tão linda, igual à mãe. Seu sorriso é tão cativante quanto o de Tatiana. Penso que a minha princesa ficará feliz, até que sinto o balde de água fria caindo sobre a minha cabeça.

— Ela não pode ver isso — declara Lucca — Tatiana não pode ver esse vídeo, Marco.

— É a filha dela. — Devolvo, firme.

— Ela se entregaria ao Ziven — diz entre dentes.

Gostaria de discordar, de dizer que ele está mentindo, mas nós dois sabemos que é a verdade. Tatiana se entregaria ao maldito russo sem pensar duas vezes, só para estar com a filha, e isso é algo que não posso permitir.

— O que vamos fazer? — indago, franzindo a testa.

— Isso nunca aconteceu, nunca falamos com Ziven, nunca viemos aqui e tão pouco assistimos a esse vídeo. O dia de hoje não existiu.

Engulo a seco, ponderando toda a situação.

— É o melhor a se fazer, Marco. — afirma Lucca.

Balanço a cabeça em concordância, enquanto um suspiro pesado escapa dos meus lábios.

— Tem razão, o dia de hoje nunca aconteceu. — murmurei, sentindo uma sensação ruim, como se essa escolha ainda fosse voltar para nos assombrar.


[...]

Horas depois, o jato pousou em Roma. Lucca desceu pela escada estreita, seguido por mim. Havia pelo menos dezenas de carros pretos ao redor do jato.

Varri o lugar com os olhos, todos os meus instintos me alertavam do perigo.

— Que porra é essa, Falcone? — Indaguei, buscando minha arma na cintura.

— Caralho! — Amaldiçoou Lucca, passando as mãos sobre os cabelos, assim que as portas dos carros se abriram em sincronia. De um desses carros saltou Ricardo Salvatore com uma uzi em mãos e uma expressão sombria. E ao seu lado vinha Luke Genovese, com um sorriso sinistro nos lábios.

— Acho que hoje é o nosso dia de sorte — Comentou Luke. — Viemos por um e encontramos os dois. Falcone e Ferrari.

— Que porra você fez? — Indago, mas rapidamente me lembro de toda merda.

— Ricardo... — Começa Lucca, mas Ricardo o corta.

— Tatiana? — Seu tom é ácido — De todas as mulheres da Itália, você colocou seus malditos olhos na minha mulher?

Engolindo saliva com força, sentindo a tensão palpável crescendo ao redor.

— ENTRE TODAS AS MULHERES DA ITÁLIA, TINHA QUE SER JUSTO AQUELA MALDITA FILHA DA PUTA?  — Ricardo berra, avançando em nossa direção.

— Não fale assim dela — Lucca começa a desabotoar o terno e tirar o paletó — Eu fui atrás dela, eu a persegui, eu transei com ela enquanto ela estava drogada, eu a sequestrei, foi eu e não ela — afirma, caminhando em direção de Ricardo — Eu que sou o culpado nesse história.

 
— Não fale assim dela — Lucca começa a desabotoar o terno e tirar o paletó — Eu fui atrás dela, eu a persegui, eu transei com ela enquanto ela estava drogada, eu a sequestrei, foi eu e não ela — afirma, caminhando em direção de Ricardo — Eu que ...

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