𝘁𝗲𝗻

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— 𝗡𝗮̃𝗼 𝗽𝗼𝘀𝘀𝗼 𝗳𝗶𝗰𝗮𝗿 𝗮𝗾𝘂𝗶 𝗳𝗼𝗿𝗮 𝗽𝗮𝗿𝗮 𝘀𝗲𝗺𝗽𝗿𝗲. Estou encharcada e começando a não sentir minhas mãos.

Preciso sair desta floresta e me proteger do frio, antes que o sol se ponha e eu não consiga encontrar o caminho de volta.

Não me lembro de como a ligação terminou ou do que aconteceu depois. Essa parte é um borrão na minha mente, como uma página perdida de um livro. Tudo que sei é que continuei caminhando até sair da floresta e encontrar a rua principal de novo.
Já é noite quando chego à cidade. Corro pelas calçadas molhadas, passando por baixo das marquises das lojas para evitar a chuva. As luzes da lanchonete onde encontrei Isabelle pela manhã estão apagadas, mas o café no fim da rua ainda está iluminado. É a única luz acesa por vários quarteirões. Atravesso a rua e entro. Mesmo a esta hora, o lugar ainda está semilotado de alunos da universidade, reunidos sob luminárias marroquinas.

Há capas de chuva penduradas nas costas dos bancos do bar. As telas dos laptops iluminam rostos inexpressivos. Sigo na direção de uma mesa nos fundos sem pedir nada. Assim que me ajeito, afasto minha cadeira das outras e me viro para a janela.

Não há espelhos no café, então meu reflexo pálido no vidro me pega de surpresa.

Apago a vela e minha imagem desaparece. Passo a mão pelo cabelo molhado. Minhas roupas estão pingando no chão de madeira. Talvez eu devesse tê-las torcido um pouco antes de entrar.

Felizmente, este cantinho do café é escuro o suficiente para que eu passe despercebida. Respiro fundo algumas vezes para me acalmar e dou uma olhada pelo recinto.

A mulher na mesa ao lado está lendo um livro.
Não quero que ela ouça a ligação, então espero um pouco. Ela está sentada sozinha, vestida toda de preto, e me pergunto se trabalha aqui. Talvez esteja lendo durante o intervalo. Ela bebe o chá lentamente, o que me deixa ansiosa. É só quando ela se levanta para sair que minha respiração se acalma.

Pego meu celular. São quase nove horas. Como foi que ficou tão tarde? Esta é a primeira vez que tenho noção do horário desde que saí de casa. Não tenho nenhuma mensagem nem chamadas perdidas. Acho que ninguém se deu conta de que eu saí.

Ponho o celular em cima da mesa e o pego de novo. Faço isso várias vezes até perder a conta. O cheiro de cafeína e chai chamusca meu nariz. Agora que saí da floresta, que estou pensando com mais clareza, a ideia de ligar para Giovanna de novo parece ridícula.

O que quer que tenha acontecido lá fora provavelmente foi coisa da minha cabeça. É o que eu acho, pelo menos. Será que perdi a noção de vez?
Devo ter perdido, porque pego o celular de novo e digito o número dela.

A chamada é completada.

Ouço o primeiro toque e prendo a respiração. Mas ela atende quase que no mesmo instante.

Oi... Estava esperando você.

O som da voz dela me enche de alívio. Levo os dedos à boca para reprimir um som. Não sei se me sinto confusa, aliviada ou uma mistura dos dois.

Giovanna... — digo o nome dela sem pensar.

— Não sabia se você ia ligar de novo — ela diz. — Pensei que você pudesse ter esquecido.

— Não esqueci. Eu não sabia muito bem para onde ir.

— Aonde você foi parar?

Viro a cabeça e olho para o vitral acima da porta sem pensar. De dentro do café, o letreiro do mosaico é refletido de trás para a frente nas luzes douradas e azuis.

remember the stars, 𝗴𝗶𝗻𝗲𝘀𝘀𝗮.Onde histórias criam vida. Descubra agora