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2016
꒰⁠⑅⁠ᵕ⁠༚⁠ᵕ⁠꒱⁠˖⁠♡

Dia 29 de Janeiro, minha última sexta-feira de férias antes que eu começasse o segundo ano do ensino médio; eu estava ansiosa na minha escrivaninha arrumando meus materiais escolares quando meu pai entrou no meu quarto.

— Helô, o São Paulo contratou um jogador do Boca Juniors — ele disse, com uma de suas mãos na parede e um sorriso. Sempre foi apaixonado pelo Boca.

— É sério? Nossa, pai, que legal. — olhei para ele e sorri. — Ele é bom?

— Ele é. Foi artilheiro do Boca na última temporada.

— Qual o nome dele?

— Calleri. Jonathan Calleri, mas chamam ele só de Calleri. Lembra dele?

— Não sei, pai. Acho que não.

De início, não liguei muito, e, quando meu pai saiu do meu quarto, continuei colocando meus materiais nos diferentes compartimentos do meu estojo seguindo uma categorização que eu tinha inventado.

Mas aquele nome ficou na minha cabeça; Calleri. Não sei se foi por causa do jeito que meu pai enunciou, colocando uma ênfase na segunda sílaba, ou só a peculiaridade atraente do nome do cara. Era, ao mesmo tempo, esquisitamente familiar e notavelmente diferente.

Talvez eu tivesse escutado esse nome enquanto assistia a um jogo ou outro do Boca Juniors com meu pai e meu cérebro tenha enfiado essa memória em algum canto obscuro do meu cérebro que estava tentando ser ativado agora. Sem sucesso. Eu não conseguia me lembrar se sabia ou não quem era Calleri.

Sentia uma pulga atrás da minha orelha. Peguei meu celular e digitei "Calleri" na barra de pesquisa; o primeiro link que apareceu foi para o site do São Paulo anunciando a contratação dele. Com uma foto dele ao lado, claro.

Ele era... Lindo. Eu fiquei apaixonada por ele imediatamente.

Apaixonada, não.

Inteiramente, insanamente obcecada.

Nas próximas semanas, até tirei minha camiseta do São Paulo do armário que eu não usava desde a minha última vez no Morumbi com meu pai. Enquanto minhas amigas falavam sem parar em como elas queriam casar com os meninos do One Direction, eu falava que queria casar com o Calleri.

Implorei para que meu pai comprasse a camiseta nova do São Paulo só para que eu tivesse uma camiseta com o nome do Calleri escrito. E insisti para que ele me levasse no Morumbi em todos os jogos, em partes só para ver o Calleri jogar e gritar "toca no Calleri que é gol" a plenos pulmões.

Ele era meu papel de parede, minha capa do Facebook, um cartaz em cartolina no meu quarto que eu fiz com fotos suas. Eu não pensava em outra coisa.

Alguns meses depois, após uma passagem marcante do Calleri no São Paulo – e no meu coração –, seu contrato de empréstimo terminou, eu fiquei imensamente triste, mas continuei apoiando ele. Com o tempo, essa paixão naturalmente acabou sumindo; mas a enorme paixão pelo São Paulo que eu ganhei no processo ficou comigo.

...

30/08/2021

Mais um dia cansativo de estudos em casa; o ENEM seria em pouco menos de dois meses. Seria meu primeiro desde que decidira trancar minha faculdade para tentar entrar em Medicina.

Estive me dedicando, mas não tanto quanto eu gostaria. Isso me deixava frustrada, muito; por isso, tentei me concentrar o máximo naquela semana. Quase não saía de casa. Também estava usando as redes sociais muito menos.

No fim daquele dia, resolvi dar uma olhada no celular antes de tomar banho e encerrar o dia de fato. Uma enxurrada de mensagens no WhatsApp. A primeira que aparecera nas notificações era de Isadora, vestibulanda de Direito e minha melhor amiga desde que começara o cursinho online. Conheci-a pela internet no início do ano e tínhamos sido inseparáveis desde então.

"O Calleri voltou pro São Paulo", ela dizia.

O quê?

Voltou? Para o São Paulo? Não podia ser verdade. O Calleri, meu Calleri, o cara pelo qual eu fui obcecada durante uma parte da adolescência? O cara cujo pôster que eu fizera ainda estava guardado em algum lugar no fundo do meu armário?

Abri o Twitter e a primeira coisa que apareceu foi a conta do São Paulo anunciando que ele, de fato, havia retornado.

Primeiro, eu fiquei incrédula, com os olhos arregalados prontos para pular da minha cara. Depois, levei a mão ao rosto e comecei a rir, rir com gosto, a ponto de lágrimas se acumularem nos meus olhos, lágrimas de riso misturadas com emoção por ter o Calleri no São Paulo mais uma vez.

Ele estava de volta e a minha eu de dezessete anos também.

...

06/11/2023

Em casa, no meu quarto, tarde da noite, eu encarava o perfil do Calleri no Twitter como se fosse uma obra de arte. Uma obra de arte cara e renomada, daquelas que formam filas nos museus com centenas de admiradores de diferentes lugares ao redor do globo.

O que a Heloísa de seis, sete anos atrás faria se o seu maior ídolo a seguisse? Ela provavelmente morreria de infarto. Cairia no chão feito uma pedra. Seria levada de ambulância em situação crítica para o hospital mais próximo.

Eu não estava muito longe disso.

No entanto, agora a situação era diferente; diferente porque Calleri sempre tinha sido minha paixão platônica, como se ele estivesse distante de ser como uma pessoa real. Ele era quase como um conceito. Um conceito inatingível que eu havia aceitado que seria apenas uma obsessão minha e permaneceria longe de mim.

Agora, esse conceito havia se materializado; ele sabia que eu existia. E sabia que eu era tão mentalmente perturbada a ponto de citá-lo na redação do ENEM.

Por um momento, eu não sabia o que fazer. Eu tinha dominado todas as competências que os avaliadores do ENEM analisavam nas redações mas eu não sabia como responder um simples tweet.

Então, eu respondi da forma mais lógica e lúcida – e, obviamente, não idiota – possível.

"Calleri, me dá sua camiseta".

Não era idiota.

Nem um pouco.

Talvez fosse.

Eu estava em um jogo de futebol segurando um cartaz com letras grandes, por acaso?

Não.

Era bem idiota.

Mas eu não iria apagar.

Eu era bem idiota.

ESSAY GIRL • Jonathan CalleriOnde histórias criam vida. Descubra agora