Capítulo 3 - Bússola de Peixe

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Anatomicamente falando, a maior diferença entre abissais e humanos é o estômago.

Comem com mais frequência, pois queimam muitas calorias: nadar, controlar a temperatura e até se movimentar fora d'água gasta mais energia. Isso se aprende por um curto semestre durante biologia marinha nas escolas humanas — matéria em que a maior parte dos alunos zera.

Saltwell segurou um valete de copas no ar, centímetros acima da pilha de cartas sob o caixote de madeira, olhando para Mariletta como se estivesse escutando errado. A pequena Luminol levanta uma mão até a lateral da boca mais uma vez e repete, em um sussurro, próximo ao ouvido de Saltwell, na língua dos abissais. Sánchez, segurando outro conjunto de cartas, entreolhou de um para outro com uma sobrancelha arqueada.

— E o grandão? — O meio-humano perguntou assim que compreendeu melhor o que a menina lhe pedia com tanta timidez.

— Ele está estudando os mapas. — Ela o responde, juntando as mãos nas costas e recuando, envergonhada. Saltwell lembrou-se mais cedo da expressão de Ondulith sob os mapas, concentrado como se desvendasse um quebra-cabeças, e entendeu que Mariletta não queria incomodá-lo.

Pouco o conhecia em comparação, e sentia o mesmo.

Saltwell suspirou, abaixando o valete e se levantando.

— Vão entrar no mar? — O navegador pergunta, juntando as cartas soltas.

— Vai ser rápido. Já é quase meio-dia, assim aproveito para providenciar o almoço. Pescar algo fresco para todo mundo — respondeu. — Uma Albacora talvez.

Não era algo que estava em seu contrato, mas gostava de assumir esse papel. Sánchez era uma negação na cozinha, e Yami lidava melhor com números que com temperos.

— Um Pargo! — A pequena Luminol exclamou num pulo animado, lambendo os lábios.

Sánchez abre um sorriso doce vendo a reação dela, mas o desfaz logo em seguida, focando no baralho velho.

— Boa pesca. — Juntou tudo, sem nem olhá-los nos olhos. O palito de dente imóvel no canto da boca.

Paiol se desfaz da camiseta mais uma vez, e Mariletta pulou primeiro, assim que o meio-humano a autorizou. A superfície da água os recepcionou morna devido ao sol forte. Como de costume, Saltwell afundou metros antes de se transformar. Ao abrir os olhos, viu ser observado com um grande sorriso e brilho curioso. Ele abre a boca, formando uma bolha de ar e então gira o dedo fazendo-a dançar. Mariletta abre um riso.

Olhando para as laterais, Saltwell vê o casco do navio e então foca a atenção no horizonte. Ele fecha os olhos, concentrado: a direção da correnteza, o sentido de pescador, e por fim decide qual direção seguir.

Sem olhar para trás sabia que a pequena Luminol o seguia.

Mais rápido que Espadartes, ela aparecia em diversas direções, nadando como um jato cor de rosa. Saltwell precisou levantar a mão e pedir duas ou três vezes para que ela aquietasse ou perderiam a direção do cardume. Mais alguns metros a frente, seus olhos púrpuras encontraram rastros de caldas douradas.

— Por aqui! — Apontou, nadando às pressas na direção, mas o jato rosa cruzou sua frente, ecoando um grito em alegria pela água. Quando a viu novamente, ela já estava com metade de um peixe dentro da boca.

Paiol deixou escapar uma risada espontânea.

— Deixa pelo menos quatro para viagem — brincou.

Mariletta engoliu o resto do peixe e manteve o sorriso largo do rosto. Seus olhos brilhavam de felicidade.

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⏰ Last updated: Mar 03 ⏰

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