Capítulo 2

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Anos depois

Aurora

A voz de Odete ecoa pelo corredor, uma melodia familiar em meio ao silêncio do meu refúgio.

— Aurora, Aurora onde você está menina?

Respiro fundo, sentindo o peso da solidão que me envolve como um manto.

— Estou aqui, Odete. Em meu quarto. — Minha voz é um sussurro, uma confissão para as paredes que guardam meus segredos.

Sinto dentro de mim que algo não está certo, não sei o que é, mas tenho essa impressão.

Odete abre a porta com um estalo, sua presença é um farol no nevoeiro dos meus pensamentos.

— Não devia estar aqui, a festa já vai começar.

— Eu sei, mas... — Hesito, as palavras dançando na ponta da língua. — Deixa para lá.

Ela se aproxima, seu olhar é um convite para compartilhar as sombras que me assombram.

— O que foi? Me conte.

— Meu pai está estranho hoje. Colocou vários guardas atrás de mim e me proibiu de sair do castelo.

— Não ligue para isso. É seu aniversário e uma data especial. Você está adulta. — Fala com um sorriso no rosto.

— Deve ser isso. Afinal, logo vou receber convites de príncipes, e papai terá de escolher um. — Abro um sorriso.

— Sim, talvez até receba algum convite hoje. Mas agora vamos, a festa vai começar.

Saio ao lado de Odete, que me guia ao salão. Vejo as Damas e cavalheiros dançando com alegria. Porém meu pai no trono de mantém tão sério, até parece uma estátua com o rosto duro e um olhar ao lange. Caminho até ele em passos lentos, parando na sua frente e fazendo uma reverência.

— Papai. — O chamo com a voz suave, e ele se vira em minha direção.

— Sim filha. — Me olha de cima em baixo. — Está linda.

— Obrigada. O senhor dança comigo. — Peço.

— Claro.

Meu pai me guia para o meio do salão, a valsar entre as Damas e cavalheiros. Meu pai sempre cuidou de mim com muito amor e carinho, ele não se casou novamente, e muitos dizem que não fez isso pelo fato da minha mãe falecer no parto e ele achar que forá uma maldição. Todos pensam isso quando a mulher faleceu no parto, poucos tomam para si outras esposas após isso.

— Pai, o senhor está tão sério hoje. — Digo e ele sorri, passando a mão em meu rosto.

— É apenas impressão sua.

O conselheiro faz sinal um sinal para meu pai, monstrando que está na hora de nos sentamos. O acompanho e me sento ao seu lado. Logo a fila de presentes começam a chegar, presentes de reis, príncipes e alguns aldeões.

Até que uma caixa de ouro muito bonita me chama atenção. O servo se ajoelha em minha frente, a abrindo e quando olho vejo um lindo cordão de ouro com um medalhão de dragão. Ameaço o pegar como se ele me chamase feito um ímã, mas meu pai segura a caixa com pressa.

— Tirem isso daqui. — Sua voz é um trovão. — Jogue fora.

— Pai... — Minha voz se perde no vento que invade o salão.

Uma ventania forte, que joga todos os copos e toalhas das mesas ao chão, fazendo as cortinas baterem contra a parede de modo amedrontador, as chamas das tochas de fogo aumentam ficando enormes, as velas sobre as mesas dobram o tamanho da chama me causando pavor.

— Tirem Aurora daqui, a levem para o quarto.  — Papai ordena e um soldado segura em meu braço.

— Papai. — O chamo conforme sou puxanda por entre as pessoas.

O soldado não fala nada, apenas me leva até meu quarto, me tirando das luzes e da quentura que o salão reflete.

— Fique aqui princesa. — Diz apenas uma frase entre de fechar a porta.

Vou até a janela, vejo o céu escuro como sombras, o vento contorcendo as árvores e uma bola de fogo explodir no chão, em frente ao portão principal, o levando ao chão.

Me afasto em passos receosos e sento em minha cama. Não era bom sinal, não, não era.
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Permaneço imóvel, aninhada na solidão da minha cama, pensando em meu pai e no que pode ter acontecido para ele agir dessa forma, enquanto meus olhos se fixam no céu noturno. As nuvens, como farrapos de um manto sombrio, prometem uma tempestade iminente, os raios e trovões cortam o céu, trazendo a luz levemente azulada com branco para dentro de meu quarto. Uma melodia silenciosa começa a tocar em algum lugar nas profundezas da minha mente, uma música que me seduz, me envolvendo em seu ritmo hipnótico. Meu coração, um tambor descompassado, ecoa o medo e a antecipação que crescem dentro de mim. O som parece ficar cada vez mais alto, mãos forte, e me trazer tantos sentimentos que não consigo entender o que estou sentindo dentro de mim.

Num impulso súbito, ergo-me. Meus pés, como se possuídos por uma vontade própria, me conduzem até a porta. Abro com facilidade me mostrando não estar trancada como esperava e me vejo no corredor, onde as chamas das tochas dançam uma valsa selvagem com as sombras. O medo que antes me paralisava agora se transforma em uma coragem que nunca pensei ter, embora meu coração continue a martelar contra o peito com uma urgência que não consigo conter.

Descendo a escadaria, cada degrau ressoa como um prelúdio do desconhecido. No patamar, um soldado me encara, seus olhos refletindo um terror que não compreendo. Minha mão, guiada por um impulso misterioso, alcança a caixa que ele segura fortemente nas mãos, como se estivesse me esperando para entregar a mim. Ele permanece imóvel, uma estátua diante da minha determinação.

Com um gesto decidido, abro a caixa e sou saudada pelo brilho dourado do colar. Ao colocá-lo ao redor do meu pescoço, sinto um peso que vai além do metal precioso, como se uma força ancestral se acomodasse sobre meu coração, acalmando sua batida frenética. O medalhão de dragão repousa contra a minha pele, frio e imponente. Meus dedos traçam a curva da cauda esculpida, e uma pontada aguda me surpreende quando a ponta afiada corta meu dedo. Uma onda de tontura me envolve, e o mundo ao meu redor se dissolve em um abismo de escuridão.

Enfeitiçada pelo DragãoWhere stories live. Discover now