| 4 - A chegada |

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 Não é necessário dizer que minhas preces desesperadas não foram atendidas; na verdade, é até previsível. No entanto, durante as semanas seguintes, continuei com minhas orações:

Senhor, que ele não tome meu lugar... que o Eleitor mude de ideia...

Ainda assim, o Altíssimo foi injusto o suficiente para não o deter em Roma por muito tempo; a vontade do Eleitor e de Deus foram cumpridas.

Ruprecht estava chegando.

*

Ele chegou algumas semanas mais tarde, trazido em uma das carruagens do Eleitor. Assim como nove anos antes, meu mecenas, Kristina e eu esperamos, dessa vez no pátio.

O som de cavalos deu um fim à nossa espera. Lá adiante, a carruagem puxada por cavalos brancos estava cada vez mais próxima.

Finalmente o veículo parou. A porta da carruagem se abriu, criados se apressaram para pôr as malas em seus aposentos e eis o ocorrido:

O jovem Ruprecht pulou da carruagem e correu até meu mecenas, parando a um metro e meio dele. Então aconteceu: desceu o corpo até quase a cintura. Jogou os braços para trás e abaixou completamente a cabeça. Ruprecht ficou na mesma posição por alguns minutos até erguer a cabeça, seus cachos acobreados caírem sobre a testa e seus olhos se erguerem para encarar o eleitor.

— Vossa Alteza... — murmurou. —É uma honra e um privilégio estar aqui! Posso? — sem esperar consentimento ou resposta, beijou a mão magra do príncipe.

Herr Corvin! Bem-vindo. — respondeu ele com um sorriso educado, porém desconcertado. Tirou a mão que Ruprecht havia beijado e a apoiou na bengala.

Corvin assentiu alegremente e novamente se curvou, pondo o punho fechado no peito pequeno e magro.

— Obrigado, Alteza!

— Se lembra da minha sobrinha, não?

Ruprecht se endireitou, piscando várias vezes. Finalmente pareceu reconhecê-la.

Principessa... — se curvou novamente, delicadamente beijando a mão dela. Kristina olhou para o rapaz, depois para o tio, e corou.

Aos quinze anos, a moça era encantadora; cabelo castanho-claro, quase loiro, olhos verdes penetrantes, pele pálida. Muitas vezes mentalmente a equiparei a Helena de Tróia, o que provou ser verdade no final, como verão mais adiante.

Maestro...

O eleitor andou até mim e tocou em meu ombro.

— E esse é Giovanni. Nosso Kappelmeister.

Ruprecht virou a cabeça para me encarar. Ao ouvir a palavra Kappelmeister, seu rosto se iluminou. Praticamente correu em minha direção e, como havia feito anteriormente, se curvou.

Mas não beijou minha mão (estou grato por isso); ao invés disso, a apertou efusivamente.

— Muito prazer, Signore!

— O prazer é todo meu, Herr!

— Por favor, me chame de Ruprecht. É menos formal.

Assenti, olhando bem para o rapaz. Não era mais aquela criança tímida de outrora; estava mais alegre e menos solene, como se o falecimento do pai o tivesse libertado. De resto, não havia mudado muito; ainda era baixo, os cabelos ainda caíam sobre a testa em cachos perfeitos e os olhos eram de um belo azul-esverdeado. No entanto, tinha em seus modos uma certa elegância maior. Sem mais pedidos abruptos e pueris de casamento, que agora haviam sido substituídos por um italiano perfeito, reverências dramáticas e beijos e apertos de mão.

Não, esse decididamente não era o jovem prodígio que havia conhecido; em seu lugar estava um rapaz que, se desejasse, podia ter o mundo a seus pés, mas que estava desperdiçando sua juventude em um pequeno, insignificante e desprezível principado.

Fui interrompido de meus devaneios por uma fala de Ruprecht:

— É tão bom que haja um outro compositor por aqui...! — exclamou. — Assim, poderíamos nos ajudar.

Você....? Precisar de ajuda...?, pensei.

— Mas é claro... — murmurei.

*

Os dias seguintes foram calmos (ou, ao menos, tão calmos quanto possíveis).

À noite, quando não podia dormir, ouvia Ruprecht trabalhando em seus aposentos até altas horas. A melodia era angelical como sempre, talvez até mais do que me lembrava.

Durante uma dessas noites, saí da cama e, segurando um candelabro, segui o som até o quarto do menino.

A música parou assim que cheguei perto. Apaguei o candelabro.

— Quem está aí...? — ouvi a voz um tanto sonolenta de Corvin, seguido de um farfalhar de roupas e o som de passos leves. A porta fechada logo se abriu.

— Ah...! Signore...! — se curvou rapidamente.

Corvin também segurava um castiçal; à luz bruxuleante das velas, vi que parecia bem mais jovem ainda, se é que aquilo era possível. Vestia um roupão de seda azul e os olhos pareciam esbugalhados — como os de um moribundo assustado. Os cabelos estavam soltos e arrumados; caíam nas costas como ondas.

— O que faz aqui?

— Não consegui dormir e ouvi sua música.

Corvin pareceu corar; ou seria impressão?

— Entendo... mil perdões se minha música o impede de dormir, mas estou extremamente inspirado! Finalmente tenho tempo para compor! Esse lugar me enche de inspiração! E, com alguém como você, acredito que somos capazes de fazermos grandes coisas juntos!

Não tive escolha senão assentir.

— No que está trabalhando?

Corvin corou novamente. Por um momento, sua expressão era como a de uma criança levada, pega em alguma travessura.

O rapaz encolheu os ombros e sorriu.

— Ah, algo muito especial...! Verá em breve. Boa noite, signore.

Se virou para voltar, mas:

— Pensando bem... se não estiver muito ocupado, posso mostrar ao senhor!

— Claro...

— Ótimo! O vejo amanhã, então?

Sem esperar por uma resposta, Corvin novamente me desejou boa noite e entrou no quarto, fechando a porta.

Fiquei por ali um tempo, ouvindo os ruídos que saíam dos aposentos; sons de pena em contato com o papel, uma voz melodiosa acompanhando a melodia tocada ora no cravo, ora no violino. Após alguns minutos, voltei para meu quarto. Apaguei as velas e me deitei na cama, mas custei a dormir.

Pensava em Corvin.

No que estaria trabalhando? O que era tão especial e importante ao ponto de mantê-lo acordado compondo por noites a fio!?

Não importava; de qualquer modo, descobriria seus segredos na manhã seguinte.

Assim, adormeci. Mas meus sonhos naquela noite tocavam a música de Corvin. 

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⏰ Last updated: Apr 25 ⏰

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Um Jovem Mestre e um Judas (ORIGINAL)Where stories live. Discover now