NO COMANDO

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Ninguém a bordo sabia lidar com um barco à deriva, advindo sabe-se lá de onde e podendo ir parar em qualquer lugar que se pudesse imaginar. Eveline, por outro lado, estava mais preocupada com a palidez e olhar divagante do bruxo em estado de choque bem perto dela.

– Derek! – Ela se ajoelhou de frente para ele e tocou no rosto molhado e pálido do rapaz. – Pode me ouvir? Consegue se mexer?

– Mexer? – balbuciou Derek, confuso, como se ouvisse uma voz distante. – Não adianta fazer nada. Ele ainda está atrás de mim. Vai estar sempre atrás de mim.

Eveline o encarou. Ele estava com as costas escoradas contra as barras da borda-falsa e, atrás, o desfiladeiro passava conforme a embarcação se deslocava, seguindo o fluxo da correnteza sem ser capaz de decidir a própria rota.

– O barco! – O que poderiam encontrar pela frente e, principalmente, o que poderia encontrá-los, alcançando-os do fundo do rio, fez a garota levar mais a sério as palavras do colega. – Você o criou? Pode pilotá-lo? Precisamos guiá-lo para um lugar mais seguro.

– Quer que eu faça alguma coisa para fugir daquilo? – Derek perguntou, fitando-a nos olhos. Uma lufada de raiva avermelhou a pele e o deixou mais desperto. – Não tem medo de que eu deixe tudo pior?

– Do que está falando? Você acabou de nos salvar.

– Matando e destruindo. – Ele afastou a garota para o lado e se ergueu após se arrastar para o meio do convés. – Não viu o que eu fiz com aqueles homens? Com todos eles? É só mais sofrimento para habitar meus pesadelos.

– Foi um acidente. – Eveline também se levantou, ainda que precisasse de um pouco mais de tempo para se habituar ao balançar da embarcação. – Você não tinha como evitar.

– Tinha, sim! Podia não ter aceitado a maldita ideia de ir falar com as pessoas daquele lugar.

– Agora a culpa é minha? – A garota ficou rígida como uma estaca, esquecendo o enjoo inicial. – Sabe por que fomos falar com as pessoas daquele lugar, como você fala? Porque precisamos conseguir meios de sobreviver, indo onde for preciso. Bom, pelo menos eu preciso. Eu que tenho uma missão que não envolve só ficar pensando em nada além da minha própria pele e fugir dos meus problemas como um covarde.

Uma penumbra sombreou a expressão de Derek. A cortina enigmática se devia principalmente ao crepúsculo que escurecia o fundo do vale, mas Eveline sabia que tinha abalado algo naquele olhar, o que a fez gelar ainda mais. A descida emocional e literal para as trevas foi interrompida pelo acender de luzes do barco. O rapaz olhou em volta, migrando de uma postura defensiva para uma interrogativa.

– Foi você? – A garota perguntou. Sob a claridade, via-se como de fato se sentia: encharcada, trêmula e desprotegida.

– Vou ver. – Derek tomou o sentido oposto ao da proa e conferiu o que havia abaixo da cobertura de toldo sustentada por mais barras prateadas: era uma área rebaixada, com um timão metálico e reluzente esperando que alguém assumisse o comando. Em frente, uma portinha baixa dava acesso ao interior iluminado, totalmente aberta aos novos tripulantes.

Ele desceu os degraus e se encontrou em um cômodo que unia sala, quarto e cozinha. Uma mesa com quatro bancos colados ao piso de madeira estava entre os armários colados à parede, bem acima do balcão que mesclava a pia e o fogão, e a cama larga com um edredom branco. No teto, as escotilhas davam vista para a noite recém-chegada.

Derek caminhou para os armários e os abriu.

– Vazios.

– Pelo menos está quente e seco aqui dentro – disse Eveline, também atravessando o recinto. Ao fundo, o mago abriu uma porta e descobriu um banheiro com privada, chuveiro e uma pia com espelho.

Derek Campbell contra a EfígieWhere stories live. Discover now