capitulo 21: fique bem

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— Fique bem.

Minha mãe beijou a minha testa e saiu.

O que seria ficar bem? Como eu ficaria bem? Não importa quantas seções de terapias eu faço, quantas vezes meus irmãos me obrigam a sair, nada me faz sentir bem.

Achei que quando eu entrasse para a faculdade eu poderia sentir alguma emoção, mas não conseguir. Acabei optando por seguir a mesma carreira que a minha mãe, na verdade, no ramo da saúde, medicina, ainda não sei em que ramo estudarei. Mas tenho esperança de que cuidar da saúde de outras pessoas possa me fazer sentir o mesmo que quando cuidei de minha mãe.

Talvez uma esperança vaga de sentir algo.

Eu honestamente, não consigo sentir mais nada.

Durante os meus anos de curso, fui até chamada de sem coração, por não ter emoções, nem sequer nojo de alguns procedimentos, algumas alunas chegaram a vomitar quando viram um corpo totalmente aberto.

Mas eu acho a medicina fascinante, fascinante demais para eu sentir alguma coisa.

E anos e mais anos foram passando.

Me pergunto se Shikamaru estava mesmo naquele avião, seu corpo não foi encontrado.

Também me pergunto, se ele estiver vivo, por que não apareceu, após tantos anos... Por que não me procurou? Por que ele sumiu?

Às vezes eu consigo sentir raiva quando penso nisso, outras apenas um grande vazio dentro de mim. Me sinto presa em uma sala escura, sem luz ou portas, não consigo tocar em nada, as vezes eu ando por ela, mas não chego a lugar algum, outras vezes eu nem saí do lugar.

O primeiro ano sem notícias dele, foram os piores da minha vida, a raiva e dor acabaram com todas as esperanças de um futuro bom.

Uma parte de mim não aceita que ele está morto, outra afirma que ele está vivo e que usou a morte de sua mãe para ser quem ele sempre quis ser, sem ter alguém como eu em sua vida.

Mas toda parte de mim, cada célula, partícula existente em meu corpo ou minha alma, sente falta dele.

É inegável dizer que não sinto. A aliança em meu dedo e o colar em meu pescoço são as principais provas disso.

No auge da minha raiva, cogitei jogar tudo fora, apagar todas as fotos, mas não conseguir.

Segundo minha psicóloga, eu deveria fazer isso para conseguir seguir em frente, mas talvez eu não queira. Minha mãe nunca jogou fora as coisas do meu pai, mantém a linha móvel do meu pai ativa para que nunca perca as conversas entre eles virtualmente, e em todo canto que vai, leva consigo o álbum de fotos e porta retrato da foto de meu pai.

Então isso me faz acreditar que não preciso jogar tudo fora para seguir em frente, apenas aceitar que chegou ao fim.

Mas não quero aceitar.

Não aceito.

Não é o fim.

Não posso aceitar que ele morreu sem sequer seu enterro acontecer.

Sem seu corpo.

Sem ele.

Só me resta, esperar.

Nem que seja pela eternidade.

Abacaxi entra em meu quarto e se esfrega em minha perna.

Peguei no colo, e pensar que nomeei meu gatinho de abacaxi, só porque o cabelo do Shikamaru lembra um abacaxi.

.

— O que você acha?

Olhei algumas fotos de lagos e mais lagos.

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