Capítulo I

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Na vida, cada escolha é como o bater de asas de uma borboleta, potencialmente influenciando o curso dos eventos de maneiras imprevisíveis - é o efeito borboleta em ação.

Na vida, cada escolha é como o bater de asas de uma borboleta, potencialmente influenciando o curso dos eventos de maneiras imprevisíveis - é o efeito borboleta em ação

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Acredito que seja um consenso geral que as sextas-feiras são dias particularmente desafiadores para qualquer residente da cidade de Maputo. Especialmente para alguém comum, como eu, que vive no bairro do Chamanculo C, próximo às bombas de gasolina do cemitério de Lhanguene, na famosa rua da Terra Prometida. É um verdadeiro caos, pois isso significa que, a partir da sexta-feira até segunda-feira, as ruas estarão congestionadas com carros estacionados nos passeios, pessoas bebendo, música alta e uma variedade de indivíduos. É um lugar onde os homens se reúnem para beber e conversar, e onde as mulheres buscam encontrar parceiros para satisfazer seus desejos fúteis, vestindo-se de maneira provocativa para chamar atenção. Eu pessoalmente evito passar por essa rua em dias como esses, pois me sinto completamente deslocada, como se fosse uma alienígena, que tenta se encaixar de alguma forma para não atrair olhares estranhos.

Não gosto da ideia de me forçar a me encaixar em algo. Por isso, prefiro ficar no conforto do meu quarto, onde me sinto segura e nada pode me afetar. No entanto, as coisas nem sempre saem como planejado, infelizmente. Então, cá estou eu, encarando meu reflexo no espelho emoldurado contra a parede - ele está parcialmente sujo, com manchas feitas pela Viviane; essa miúda não sabe usar nada sem deixar como encontrou. Analiso mais uma vez se a roupa que escolhi é adequada para sair. Poderia usar um par de All Star, calças, uma camisa, mas nesse caso específico, há dois motivos pelos quais não posso: preciso parecer bonita para não me sentir feia, e reencontrar colegas do ensino médio é apenas mais uma oportunidade de mostrar o quanto minha vida melhorou desde então, mesmo que não seja necessariamente verdade.

— Vais voltar hoje? — Viviane entra no meu quarto, olhando-me de cima a baixo como se estivesse avaliando meu visual. — Todir, empresta-me tua peruca então.

Aceno levemente para ela pegar, enquanto termino de arrumar meu cabelo em um rabo de cavalo. Ouço meu celular tocar, alertando que é hora de sair. A ideia é simples: ficarei lá por apenas 30 minutos e depois volto para casa. São 18:00, então devo estar em casa ou a caminho até às 19h, no máximo.

— Até logo, avisa ao vovô Lopes que saí, mas não demoro. — Alerto, saindo apressadamente do meu quarto.

O caminho até a paragem do cemitério de Lhanguene foi tranquilo, embora não conseguisse ignorar o desconforto de caminhar entre tantas pessoas em uma rua que estava lentamente se tornando movimentada. Afinal, era o início do final de semana. Verificando as horas no relógio, decidi pegar um chapa até o local de encontro. Parei na paragem e esperei, mas os autocarros estavam tão cheios que era impossível entrar. Após 30 minutos de espera, sem nenhum autocarro disponível, comecei minha caminhada até a Brigada, com a intenção de pegar um chapa que fosse até o museu, pela via da 24 de julho. Caminhei sem pressa, prestando atenção ao caminho, até que uma Mark X parou ao meu lado. Inicialmente, ignorei, mas o homem dentro do carro parecia precisar de ajuda. Aproximei-me e trocamos algumas palavras; ele me ofereceu boleia, agora estou dentro do carro de um desconhecido que responde pelo nome de Denilson.

— Então, baby. — Ele começou. — O que fazes da vida? Estudas? Trabalhas? Tens negócio ou és como essas manas de sugar daddy? — Ele perguntou em tom de brincadeira. Com apenas 22 anos, vejo pessoas da minha idade fazendo coisas incríveis, enquanto eu sou apenas uma estudante finalista no curso de literatura, sem negócios, dependendo unicamente da pensão de sobrevivência que o estado disponibiliza.

— Estudo. — Engulo em seco diante da minha resposta, olhando de relance para as feições de Denilson. Ainda não sei se minha resposta foi satisfatória. Denilson era um jovem de 29 anos, residente no bairro do Jardim, formado em construção civil, com emprego estável. Assim como todos os jovens, ele usava as sextas-feiras para se divertir, e por ironia do destino, ele estava indo para o mesmo lugar que eu. O restaurante e bar Gianni Karfoli era um lugar bonito, com uma arquitetura um tanto incomum na capital de Moçambique. Estacionamos o carro em uma vaga livre, eu soltei o cinto e me virei para Denilson.

— Muito obrigada pela boleia.

— Dá-me teu número, vamos bater papo mais um dia desses. — Ele pede.

Algo nele me irrita, não sei dizer se é o seu jeito de falar ou sua voz irritante. Pego o celular e digito o número de um centro de estudos para exames de admissão para universidades públicas.

— Nos vemos por aí, Catarina.

Sim, eu menti sobre meu nome. Caminho para dentro do restaurante, sentindo minhas mãos trêmulas. Estou um pouco ansiosa com tudo isso, e começo a questionar se foi uma boa ideia vir aqui e reencontrar todos os meus ex-colegas. Antes que eu pudesse pegar meu celular para ligar para a Mirma, a vejo ao lado de Sheila e Liliana, sentadas juntas com Slike e outros colegas. Caminho até eles e me sento em um lugar vago antes de cumprimentá-los. Sentada ali, observo-os compartilhando como vão suas vidas, sentindo-me como uma espectadora, testemunhando o quão inútil fui durante toda minha vida. Durante a adolescência, não fui capaz de criar experiências incríveis, não tive amizades, sou apenas a esquisita Inês.

— E tu, Inês, como vão as coisas? — Ilda pergunta, e consigo perceber a falta de boas intenções em seu tom de voz.

— Bem. — Respondo após beber um pouco de minha cerveja.

— E o Bernardo, vocês ainda estão juntos? — Mirma desvia o olhar para Ilda, como se quisesse repreendê-la. — Faz tempo que não vejo nada, pensei que vocês iriam casar.

Apenas sorri, levanto-me e caminho até a casa de banho. Procuro por uma cabine vazia e me sento por alguns segundos, tentando recuperar a calma. Não consigo identificar se estou com vergonha, raiva ou apenas frustração por não conseguir enfrentar Ilda depois de tantos anos. Ela sempre foi assim, conhecida por todos e alguém que se deleita em fazer as pessoas se sentirem mal.

— O quão idiota sou. — Digo para mim mesma, sorrindo. Como pode uma jovem mulher ter tantos assuntos inacabados até este ponto? Ajeito meu vestido e saio da cabine, lavo as mãos e encaro meu reflexo no espelho, decidida. Chego até a mesa e me despeço das pessoas. São 20h, caminho até o terminal e subo no chapa que me levará de volta ao cemitério, por sorte, ele estava vazio.

Não demora muito para eu chegar ao meu destino. Desço e começo a caminhar até o outro lado da estrada para atravessar a rua, ignorando completamente a ponte. Nenhuma mulher em sã consciência subiria uma ponte sozinha, correndo o risco de ser assaltada e violentada sexualmente. Cruzo os braços durante a minha caminhada, e enquanto me aproximo da estrada, espero pelo semáforo e atravesso a rua. Durante a caminhada, penso em tudo que aconteceu hoje. Sinto uma vontade de mudar, mas também sei que não posso tentar me encaixar em um lugar onde não pertenço. Só preciso encontrar meu lugar no mundo. Suspiro fundo enquanto vejo as luzes das bombas de gasolina de Lhanguene, fazendo uma nota mental para parar ali e comprar pão e alguns chocolates. Abro minha bolsa para pegar a carteira e preparar o dinheiro quando sinto alguém me segurar por trás e apertar meu pescoço.

— Eu vou te furar, eu vou te furar. — Um homem diz, apontando a faca por trás. — É melhor você não se mexer. Onde está o telefone? Dá dinheiro! — Ele tenta pegar minha bolsa, enquanto me arrasta para um beco escuro. Imediatamente entro em estado de pânico. Não posso deixar que ele me leve para lá. Não sei o que ele é capaz de fazer. Uso toda a minha força para me jogar na estrada. O homem me solta imediatamente, e num passo em falso, caio no chão. Sinto minha pele queimar pelos ferimentos recém-adquiridos, mas não tenho tempo para processar as coisas, pois vejo uma luz brilhante se aproximando rapidamente. Um carro está vindo em minha direção. Não consigo reagir. Seria esse o meu fim? Fecho os olhos, esperando pelo pior.

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