FUGA

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É engraçado como sempre volto ao mesmo ponto as 03 da manhã, agora com 23 anos, eu não vivo os mesmos problemas escolares, mas sinto falta deles. Diferente da maioria que estudou comigo, eu não entrei em nenhuma faculdade, não me formei e continuo fugindo da escola.
Não sei se o medo de fracassar é o grande culpado, mas vejo que o problema é somente meu e todos que eu achava que queriam me derrubar, muitas vezes queriam somente me ajudar.
Encarar o que deve ser feito é doloroso e mesmo tendo a oportunidade de acertar todos os dias, tenho optado por seguir o script, acordar, comer, trabalhar e tentar abandonar os meus traumas.
Foram longos anos desde a última vez que escrevi algo e no último ano perdi duas pessoas muito importantes.
Meu tio meteu uma bala cabeça a fora, segundo o que sei ele fez isso por conta de sua ex-mulher que começou a morar com o amante e queria que o filho dele vivesse junto do mesmo. Eu imagino a dor que ele sentiu e eu entendo. O outro caso foi o meu primo, ele era alcoólatra. Negligenciado por seus pais durante toda sua vida, amarrou uma corda no pescoço e fez o que achou ser o certo. Eu não culpo ele.
Eu também tive meu momento de glória e taquei vários remédios goela abaixo na esperança de ir embora deste plano, por sorte ou infortúnio do destino um amigo ligou para minha casa e pediu que me levassem para o médico, não me lembro do caminho, muito menos da maior parte das coisas que aconteceram lá, meu irmão me contou que eu fiz uma grande bagunça. Se há algo que me lembro, é da sensação de impotência e no momento em que decidi tirar minha vida, senti por um segundo ter retomado o controle da minha vida.
É irônico como todos seguiram fugindo da realidade, minhas tias criaram mentiras para iludir minha bisavó, segundo elas, ela não aguentaria, o que não foi verdade, elas não precisaram dizer nada e ela já sabia a verdade.
Minhas tias inventaram uma história para cada, meu tio teve um acidente de carro e meu primo misturou remédios e bebidas. Porém, a cidade é pequena e as histórias rodam de diversas formas, assim como no dia que fui abusado e ameaçado por diversos garotos de outra escola quando tinha 13 anos, a história rodou a cidade de tantas formas e minha sexualidade se tornou piada para todos.
Eu venho me escondendo de tudo isso e tentado encontrar algum significado para todos esses traumas, um ciclo infernal de questionamentos internos, quem sou eu para bater o martelo, não consigo nem me formar. Entrar em uma saula de aula é extremamente doloroso, todo o barulho me da ânsia de vomito, todas as lembranças da minha adolescência ofuscam todo o conhecimento que eu devia estar absorvendo.
Sempre me disseram para não responsabilizar meus pais por aquilo que sou, mas o que fazer quando ninguém te ensinou o que fazer? Tantas lacunas vazias, tantas tarde sozinho, tantos momentos que precisei de um direcionamento, um puxão de orelha e tudo que eu tinha era meu avô gritando comigo e dizendo que eu devia virar homem.
Enxergo que devo me responsabilizar pelas minhas atitudes, mas até chegar nessa conclusão enchi meu caminho de mentiras e traumas.
Drogas, álcool e sexo se tornaram meu refúgio. Não fui ensinado a lidar com meu problemas e vendo como minha família age, tudo se encaixa. Violência, negligência e cobranças desnecessárias.
Se ao menos eu pudesse ser o que eles projetaram, talvez assim não me sentisse tão mal.
O caminho é dolorido e não posso apenas me lamentar, vai de mim olhar pra frente e não desistir novamente.

Fugir nunca é a solução.

Pode ser doloroso, mas só conseguimos superar nossos demônios quando encaramos eles, a sabedoria vem da dor.
Não se questione o motivo de algo acontecer com você, não somos floquinhos de neve no deserto, dê uma chances a seus traumas tente descobrir o que eles querem te ensinar. Sei que não é fácil, também estou aprendendo e o que posso dizer é, não se pressione, você é apenas mais uma criança precisando de carinho, você não está sozinho.

Formado exclusivamente por voluntários, o CVV oferece apoio emocional e prevenção do suicídio gratuitamente. Quem nos procura, normalmente está se sentido solitário ou precisa conversar de forma sigilosa, sem julgamentos, críticas ou comparações.

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